Comissão Europeia: “Governos podem injectar o dinheiro que for preciso”
Comissão Europeia acciona cláusula de exclusão do Pacto de Estabilidade e Crescimento e elimina tecto de 3% para o défice dos Estados-membros.
Numa medida inédita, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, propôs a activação da chamada cláusula geral de exclusão do Pacto de Estabilidade e Crescimento, suspendendo assim a obrigação de os Estados-membros limitarem o valor do défice orçamental ao tecto máximo de 3% do Produto Interno Bruto.
“Isto é único e nunca foi feito antes, mas activámos hoje a cláusula geral de exclusão [escape]”, anunciou a líder do executivo comunitário, numa mensagem divulgada através do Twitter em que assinalou que a partir de agora “os governos nacionais podem injectar na economia tanto dinheiro quanto for necessário”. “Relaxámos as nossas regras para permitir que façam exactamente isso”, acrescentou.
We promised we'll do everything to support Europeans & ????companies through the crisis. We deliver. Yesterday we put in place the most flexible ever #StateAid rules to help people+companies. Today we trigger the clause to relax budget rules, enabling govs to pump??into the economy pic.twitter.com/a7IuuOSQWz
— Ursula von der Leyen (@vonderleyen) March 20, 2020
Depois de ter classificado a crise do coronavírus como um “acontecimento excepcional e fora do controlo dos governos”, a Comissão Europeia defendeu um regime de flexibilidade total para a aplicação das normas que regulam a política orçamental e económica, para libertar os países dos constrangimentos que os impediriam de acelerar o investimento e a despesa pública.
É o caso do Pacto de Estabilidade e Crescimento: na revisão de 2011 que ficou conhecida como o “six pack”, os países criaram provisões de excepção, para permitir um “desvio” temporário das recomendações e requerimentos habituais, para reagir a uma crise generalizada resultante de uma quebra severa da actividade económica.
“Queremos assegurar que respondemos a esta pandemia da melhor maneira possível, tanto na sua dimensão humana como sócio-económica”, vincou a presidente da Comissão. “A flexibilidade máxima das regras vai permitir que os governos nacionais apoiem os seus sistemas de saúde, os seus profissionais e toda a gente que está ser severamente afectada por esta crise”, acrescentou.
Na passada sexta-feira, a direcção-geral de Assuntos Económico e Financeiros da União Europeia avançou uma previsão de recessão técnica em 2020, em resultado do abrandamento da actividade por causa do surto de coronavírus. Os serviços têm estado a avaliar diferentes cenários, com as últimas estimativas a apontaram para uma contracção de 1% do Produto Interno Bruto da União Europeia.
Mas como admitem os técnicos, “os últimos desenvolvimentos indicam a probabilidade de um cenário ainda mais adverso”, em que a queda da actividade económica seria semelhante à da contracção de 2009, oficialmente o pior ano da crise financeira.
Estas previsões levariam, por si só, a Comissão Europeia a considerar a revisão dos requerimentos, por exemplo para o ajustamento estrutural, no âmbito do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Mas além da travagem busca da economia, Bruxelas também está a ter em conta os “custos extraordinários” que os governos estão a ter tanto no combate à propagação da doença como à compensação dos sectores mais impactados e o apoio das populações.
A avaliação da Comissão Europeia foi, assim, de que se verificam todos os critérios que justificam a activação, pela primeira vez na história, deste mecanismo de excepção.
Cabe aos Estados membros da União Europeia aprovar a activação da cláusula geral de exclusão (também conhecida por escape ou derrogação) do Pacto de Estabilidade e Crescimento — na prática, com a sua mensagem desta sexta-feira, a presidente da Comissão está a pedir aos países que o façam o mais rapidamente possível.
A Comissão apresenta uma comunicação aos executivos, em que afirma que estão cumpridas todas as condições para activar esta cláusula excepcional. A activação da cláusula suspende as recomendações de Bruxelas para as contas públicas, e permite aos governos ultrapassar os objectivos estruturais ou nominais previstos no Pacto de Estabilidade e Crescimento, sem incorrer automaticamente no risco de sanções pelo incumprimento da disciplina orçamental.
Ainda assim, a Comissão avisa que se trata de um “desvio temporário” e lembra que as medidas dos governos não devem “comprometer a sustentabilidade orçamental” a médio e longo prazo. A situação excepcional será “aplicada pelo tempo necessário aos Estados-membros para implementar medidas para conter o surto de coronavírus e mitigar os seus negativos efeitos sócio-económicos”, diz a comunicação.
Numa altura em que as viagens para a Bélgica estão condicionadas e que as reuniões ministeriais do Conselho da União Europeia estão a decorrer num formato informal por videoconferência, coloca-se agora a questão da aprovação desta cláusula. Em situação normal, bastaria uma maioria qualificada para a sua activação ser decidida. Agora, a hipótese que está a ser estudada é se isso poderá acontecer através de um procedimento escrito.
A decisão foi anunciada por Ursula von der Leyen um dia depois de a Comissão Europeia ter adoptado um novo enquadramento temporário para as ajudas de Estado, e de ter apresentado uma comunicação aos Estados-membros sobre a forma de acesso ao novo instrumento financeiro para apoiar medidas de emergência em três sectores essenciais da economia impactados pela crise do coronavírus.
O novo instrumento está dotado com 37 mil milhões de euros, destinados a acções imediatas de apoio ao sector da saúde, mercado laboral e pequenas e médias empresas. “O orçamento europeu fará a sua parte”, garantiu Von der Leyen.