No Algarve, até pode haver camas, não há é transportes
Em Faro, arrendar um quarto pode custar 250 a 300 euros por mês. Dos cerca de 8 mil estudantes, mais de 40% vêm de outros pontos do país e há planos para abrir uma nova residência universitária. A falta de transportes públicos regionais é um problema — nomeadamente para alunos algarvios.
A jovem chinesa Oxian Zhang olha à sua volta e o mundo parece girar ao contrário. “Estou um pouco perdida”, confessa. Chegou à Universidade do Algarve (Ualg) para ingressar no curso de Gestão e depara-se com um ambiente a que não estava acostumada. “Venho de Beja, onde vivia com os meus pais”, justifica. O átrio do Teatro das Figuras, em Faro — onde, em meados de Setembro, se realizou a cerimónia da recepção aos novos alunos —, está repleto de caloiros, sentados no chão, a ouvir a tuna académica. O auditório não chega para todos, por isso os discursos têm de ser transmitidos para o exterior através de ecrãs. O primeiro dia do ano lectivo soa a festa, ainda que as aulas ponham um ponto final na época balnear que teima entrar pelo Outono adentro.
Na sua intervenção, o reitor da Ualg, Paulo Águas, lembra que é normal existirem “momentos em que alguns se sintam um pouco em baixo”. Mas, nessas alturas, “o que é preciso é não desistir, ter capacidade de sofrimento e muita, muita determinação”. O olhar de Oxian parece estar suspenso no vazio. “Ainda não falo bem português”, diz, numa frase a escorregar para o sotaque alentejano. Para já, venceu a primeira batalha: conseguiu encontrar alojamento a preço abaixo da média. Das buscas que fez pela Internet, concluiu que seria difícil encontrar um quarto: “Estava tudo ocupado”. Por isso, meteu-se à estrada e foi procurar directamente. Estava a olhar para um anúncio num painel público, quando uma senhora se aproximou e lhe perguntou se andava à procura de casa. "Sim”, respondeu, e abriram-se-lhe as portas. Paga 200 euros por mês com despesas incluídas por um quarto, que partilha com uma colega. Fábio Faustino, de Portimão, relata outra realidade: “Pago 250 euros por mês e as despesas [água e electricidade] são à parte.” A rede integrada transportes públicos, à escala regional, ainda não funciona. “Se não viesse morar para Faro teria que me levantar às 6h para apanhar o comboio.”
A Ualg tem, actualmente, cerca de 8 mil alunos, 1800 dos quais são estrangeiros, oriundos de 85 países — a grande maioria (10%) é de nacionalidade brasileira. Dos restantes, mais de 40% vêm de outras regiões do país. Ou seja, mais de metade do corpo estudantil não é algarvia. O alojamento em residências universitárias representa apenas 550 camas. Os estudantes bolseiros pagam 73 euros e ocupam cerca de 65% da oferta. As restantes camas são ocupadas por alunos não bolseiros, que desembolsam 120 euros por mês. “Mas a nossa percepção é que o perfil do bolseiro, do ponto de vista socioeconómico, não é muito diferente do não bolseiro”, destaca o reitor, em declarações ao P3, defendendo a necessidade de aumentar a oferta pública.
No Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior prevê-se a adaptação do edifício da Escola Superior de Saúde, em Faro, numa residência universitária. O investimento representaria mais 200 camas, um acréscimo de quase 40% na oferta. O processo, adianta Paulo Águas, encontra-se em fase final de avaliação económico-financeira pela Sociedade Gestora de Fundos do Investimento Imobiliário – Fundiestamo (ligada ao sector patrimonial do Estado). A concretização desse projecto, prevê o presidente da Câmara de Faro, Rogério Bacalhau, vai demorar dois ou três anos. Ao P3, o autarca conta que apresentou outra proposta: “Criar uma residência universitária no edifício da Polícia Judiciária [na zona histórica] e transferir a PJ para a ex-Escola Superior de Saúde”, situada à entrada da cidade. O reitor não discorda, ainda que entenda que essa sugestão — discutida entre a Ualg, a Câmara e o Ministério da Justiça — não passa de uma “intenção” que não teve seguimento. Mas não deixa de sublinhar: “A oferta de alojamento é factor de competitividade no contexto do país e internacional.”
Arthur Queiroz chegou há duas semanas do Brasil para estudar Engenharia Mecânica. Tentou encontrar alojamento numa residência universitária, mas não conseguiu. “Arrendei um quarto por 300 euros, com as despesas de água e electricidade incluídas”. A casa, adianta, é partilhada por mais três colegas, chegadas de França, Letónia e Angola. Já Cristiano Jesus Silva, de Minas Gerais, conseguiu um valor mais baixo porque começou a procurar quarto a meio do Verão. Primeiro, revela, arrendou um quarto em Almancil, a meia dúzia de quilómetros da Ualg, por 200 euros. “Mas estávamos três pessoas no mesmo quarto, não dava.” Desistiu e acabou por encontrar, em Faro, um quarto só para ele por 250 euros. “Não acho caro, atendendo à média dos preços”, observa. E a verdade é que, segundo dados deste ano do OLX, o preço médio de um quarto em Faro ronda os 291 euros.
A alemã Carla Sess vive em Lagos e faz todos os dias 180 quilómetros para frequentar as aulas. “Pelo menos durante os três primeiros meses vai ser assim”, diz, prevendo que venha a ser “um pouco puxado” no período do Inverno. A longo prazo, adianta, tem a intenção de mudar-se com a família para a zona de Faro. O que desejaria mesmo, confidencia, seria um quarto numa residência universitária. O afastamento do campus, enfatiza, “quebra os laços estudantis”. Por sua vez, Gaspar Fernandes, que se mudou de Lagos para não ter o desgaste das viagens de comboio ou de autocarro, encontrou um quarto em Faro por 275 euros. “Estou numa casa particular, não conheço ninguém”, diz. Por fim, a aluna de Engenharia Alimentar, Mónica Silva, de Portalegre, revela-se moderadamente satisfeita. Por um lado, entrou no curso que desejava; por outro, conseguiu lugar numa residência universitária. O lado negativo, sublinha, é a “partilha da cozinha": “Somos 17 estudantes a usar a mesma cozinha.” Quanto à vivência e partilha de hábitos e culturas, diz, “consegue-se gerir”.