Escolas vão ter ainda mais horas para gerirem como querem
Ministério está a preparar portaria para as escolas irem além dos 25% da carga horária que já podem gerir. Em várias, esta autonomia está traduzir-se em cortes nos tempos lectivos destinados a disciplinas essenciais, caso da História.
Todas as escolas têm já a possibilidade de gerir como entendem 25% do total da carga horária dos seus alunos, mas o Ministério da Educação (ME) está agora a avaliar se poderão ir além daquele limiar para distribuírem os tempos lectivos com mais liberdade, em função das suas necessidades e de projectos que venham a desenvolver.
A oportunidade de as escolas terem uma gestão superior a 25% está prevista no diploma que, neste ano lectivo, alargou o programa de flexibilidade curricular a todos os estabelecimentos de ensino. Faltava contudo definir quais os termos e as condições em que tal será feito. É isso que o ME está agora a preparar para poder avançar com a portaria que irá regulamentar esta hipótese.
Em resposta ao PÚBLICO, o ministério esclarece que “o conteúdo da portaria decorrerá do trabalho de monitorização e avaliação das escolas inseridas no Projecto Piloto de Inovação Pedagógica (PPIP), que se encontra em curso, e de elaboração dos novos planos de melhoria das escolas que integram os chamados Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP), beneficiando dos contributos dessas mesmas escolas”. Diz também, a concluir, que na portaria que resultar deste trabalho de monitorização “se poderá estender o âmbito e o universo da aplicação da mesma, com possibilidade de reforço da autonomia”.
Ou seja, o universo a abranger está ainda dependente da avaliação em curso às experiências seguidas pelos agrupamentos que já têm maior liberdade curricular: os sete abrangidos pelo PPIP e os 137 que estão nos TEIP, localizados em zonas carenciadas.
História com menos tempos lectivos
O programa de flexibilidade curricular que está em vigor em todas as escolas permite, por exemplo, que estas possam decidir fundir disciplinas (ou organizá-las em semestres em vez de serem anuais), ou ainda substituir as aulas tradicionais por períodos em que toda a escola trabalha o mesmo tema de forma interdisciplinar.
Dar às escolas ainda mais margem de autonomia para gerirem os tempos atribuídos às disciplinas poderá, contudo, agravar uma situação para a qual já alertaram vários investigadores e professores e que se está já a tornar realidade: neste caminho há saberes considerados essenciais que estão a ser prejudicados.
Por esta razão, a Associação de Professores de História (APH), através de uma petição lançada em Novembro, já solicitou ao ministério que estabeleça “tempos mínimos obrigatórios” para o ensino da disciplina.
Nas matrizes curriculares em vigor, as cargas horárias são no geral atribuídas por áreas de formação e não por disciplinas. Por outro lado, no diploma da flexibilidade curricular assume-se que as cargas horárias são “um valor de referência, a gerir por cada escola, através da distribuição dos tempos fixados nas matrizes”.
Em declarações ao PÚBLICO, o presidente da APH, Monteiro Barros, denuncia que esta possibilidade está a ser utilizada por várias escolas “para cortar tempos lectivos à História”. Este professor frisa que nada na legislação aprovada por este Governo “aponta nesse sentido” e que, como tal, “só a má-fé pode levar algumas escolas a efectuarem esses cortes”.
Monteiro Barros refere também, a este respeito, que a APH “teve a garantia por parte da Secretaria de Estado da Educação, reiterada mais do que uma vez, de que os tempos lectivos de História em nada seriam prejudicados”.
Para o presidente da APH, as escolas aproveitaram também “a boleia” das novas aprendizagens essenciais, que simplificaram os programas em vigor, para procederam aos cortes referidos.
Ao PÚBLICO, o ministério indicou que “não tem registo de queixas de diminuição de tempos em disciplinas em particular”, mas salienta que as escolas têm agora essa possibilidade de “gerir o tempo ao longo dos anos, em função das suas necessidades e projectos específicos”. Miguel Barros garante, por seu lado, que os exemplos de cortes nos tempos da disciplina, denunciados por associados da APH, “são muitos e espalham-se de Norte a Sul do país”.
Uma consulta aleatória de horários elaborados para este ano lectivo permite constatar, por exemplo, que várias escolas decidiram só atribuir dois tempos lectivos semanais de 45 minutos à disciplina de História e Geografia de Portugal (HGP) do 2.º ciclo de escolaridade (5.º e 6.º ano), quando a matriz em vigor permitiria chegar a mais de três. Isto se houvesse uma distribuição equitativa entre as três disciplinas “tradicionais” que integram a área de Línguas e Estudos Sociais (Português, Inglês e HGP) e se se reservasse apenas 45 minutos para a nova disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, que passou também a integrar esta área.
Mas, na prática, o que está a acontecer em várias escolas é que os alunos de 10 e 11 anos têm apenas 90 minutos semanais para dar conta de um programa que, no 5.º ano de escolaridade, vai dos primeiros povos da Península Ibérica até à restauração da independência em 1640. E que no 6.º ano vai do século XVIII até aos dias hoje.
A APH não tem dúvidas de que para existirem aprendizagens efectivas a carga horária da disciplina de HGP no 2.º ciclo não poderá “ser nunca inferior a três tempos lectivos semanais” tanto no 5.º como no 6.º ano. Os mesmos tempos lectivos semanais devem também ser garantidos, por ano de escolaridade, para a disciplina de História leccionada no 3.º ciclo.
Sem que tal aconteça, frisa Miguel Barros, não será possível responder ao desafio do Conselho da Europa (CE), num documento intitulado Qualidade da educação histórica no século XXI onde se proclama que “o estudo da História (…) permite aceder às complexidades e à diversidade dos comportamentos humanos passados; possui a capacidade de questionar narrativas diferentes e até opostas; requer que os argumentos apresentados sejam sustentados por evidências sólidas”.
Mas estes contributos só poderão ser garantidos pela História nas escolas, diz também o CE, “se o que é ensinado, a forma como é ensinado e a qualidade das fontes o permitir”. E, para isso, também é preciso tempo, razão pela qual Miguel Barros exorta o ministério a “ter coragem política para estabelecer os tempos mínimos que a APH exige”.