Como se constrói em contra-relógio uma “experiência pedagógica”?
No papel estão previstas novas disciplinas e um leque grande de possibilidades de gerir as que já existem. Estes são os dias em que cada escola está a definir quantas turmas inscreve no teste e como.
São 16h30, tarde de Verão, e no Agrupamento de Escolas Dr. Costa Matos, em Vila Nova de Gaia, vários professores estão reunidos para discutir afincadamente o que será a “experiência pedagógica” de flexibilidade curricular que arranca já a partir de Setembro. As regras saíram em Diário da República na véspera. Primeira decisão: escolheram uma turma do 5.º ano e duas do 7.º para inaugurar a nova forma de ensinar que o país quer testar. Na do 5.º ano, o docente de Português e o de História e Geografia darão todas as semanas uma aula de 50 minutos em conjunto. Dois professores, uma turma. É apenas uma de muitas mudanças.
Significa isto que alunos desta turma deste agrupamento terão menos História ou menos Português do que até agora? Há disciplinas-base que vão perder horas? Aqui evita-se a palavra “perder”. “Tem que haver ajustamentos”, prefere dizer a professora Manuela Teixeira.
O que é que isto significa? Vamos a contas. A distribuição na “área” das Línguas e Estudos Sociais no 5.º ano era esta até agora: cinco aulas de 50 minutos de Português por semana, três de História, mais três de Inglês. Com a “experiência”, a turma do Agrupamento Dr. Costa Matos continuará a ter cinco aulas de Português, três de Inglês, mas apenas duas de História, diz a professora. São menos 50 minutos para História, mas como os meninos ainda terão mais 50 minutos por semana “de trabalho colaborativo”, em que o docente de História e o de Português trabalharão com a turma juntos, perde-se menos.
“Vai ter que ser tudo muito bem planeado”, conclui. E acrescenta César Viegas, o presidente do Conselho Geral do agrupamento, que também está na reunião: “A grande alteração desta experiência é que vamos trabalhar competências transversais. O conhecimento não é estanque, vamos mostrar aos alunos como os saberes se interligam... sim, é uma grande mudança para os professores, mas os professores têm grande capacidade de se moldar.”
Tudo isto contam, um após outro, ao telefone, professores do agrupamento de Gaia que interrompem a reunião para explicar como se está a montar o projecto. “Dá para perceber o entusiasmo?” — questiona Filinto Lima, que não só é o responsável pelo agrupamento Dr. Costa Matos (e também está na reunião), como é também o presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos de Escolas Públicas.
“O timing é muito curto”
Filinto Lima explica que há muito que na sua escola se decidiu que se iria embarcar na experiência que o Ministério da Educação propôs há uns meses — já houve, de resto, várias reuniões, com estes mesmo professores que se reuniram nesta quinta-feira, “homens e mulheres, de diferentes grupos disciplinares, incluindo do ensino especial”, conta.
Mas agora há, finalmente, um despacho a dizer o que se pode fazer, que novas conjugações de métodos de ensino se podem ensaiar, até onde se pode ir nesta nova autonomia... Prossegue Filinto Lima: há um ponto em que todas as escolas — e serão actualmente mais de 160 as básicas e secundárias inscritas na “experiência”, públicas e privadas — estão de acordo. “O timing é muito curto, essa é a crítica.” O despacho podia ter saído há mais tempo. É que daqui a dois meses (as aulas arrancam a partir de 8 de Setembro) esta pequena revolução tem de avançar. “Acho que só vamos conseguir ultimar o trabalho em Setembro, naquela semana mesmo antes das aulas começarem.”
Com a “experiência” mandam as regras que sejam incluídas duas novas disciplinas: Cidadania e Desenvolvimento e Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Como se fará aqui? No agrupamento Dr. Costa Matos já se decidiu que TIC será semestral, diz Filinto Lima, porque, feitas as contas aos minutos que as disciplinas base têm mesmo de ter só sobravam 25 minutos por semana para esta “cadeira” — e com 25 minutos nem se dá tempo para aos computadores arrancarem. Por isso, num dos semestres, os alunos “da experiência” terão TIC (50 minutos semanais). No semestre seguinte compensa-se e têm 25 minutos a menos de aulas.
Ainda por afinar está a forma como se organizará a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento nas três turmas experimentais — “passa a ser uma disciplina que conta para aprovar ou para não aprovar e a que o ministério está a dar muita atenção”, lembra Filinto Lima. Apesar de estar incluída na “área” das Línguas e Estudos Sociais, pode “ser dada por qualquer professor” desde que tenha “o perfil”, prossegue. Entre as matérias a incluir estão Educação para a Saúde e media, por exemplo. Se neste agrupamento será também semestral, ou anual, está por decidir.
“Estamos a lançar os alicerces de um grande projecto”, diz Filinto Lima. Em modo acelerado, mas “a pressão também pode ser boa”. O Conselho Pedagógico do agrupamento Dr. Costa Matos tem de aprovar o modelo ainda este mês.
Ideias-chave da "experiência"
— As escolas estão nesta altura a indicar ao ministério de Tiago Brandão Rodrigues quantas turmas embarcam na “experiência pedagógica” já em Setembro. Esse processo estará fechado dentro de dias.
— O Ministério da Educação (ME) tem garantido que apesar de surgirem duas novas cadeiras, a de Cidadania e a de Tecnologias, não se vai cortar em disciplinas como o Português e a Matemática nem aumentar a carga horária. Mas no despacho desta semana não estão definidos tempos “mínimos” para as disciplinas, apenas tempos de referência por grandes grupos, que a escola deve gerir.
— A decisão de aderir ao projecto deve ser discutida e validada pelos órgãos competentes, designadamente o Conselho Geral onde têm assento pais, lembra o ME. “O trabalho a desenvolver em cada turma envolvida no projecto deverá ser dado a conhecer aos pais dos alunos envolvidos.”
— As escolas podem gerir até 25% da carga horária inscrita nas matrizes curriculares-base, por ano de escolaridade, como entenderem. Dá mais de 5 horas por semana no caso do 2.º ciclo, por exemplo.
— As escolas podem passar disciplinas anuais a semestrais, fundi-las, ou redistribuir a carga horária das mesmas, promovendo tempos de trabalho de projecto interdisciplinar. O leque de possibilidades é vasto e as escolas decidem.
— No secundário os alunos podem trocar uma disciplina do seu curso por outra correspondente de um curso diferente.
— Não haverá provas nacionais diferentes para os alunos desta experiência, ao contrário do que o PÚBLICO escreveu ontem.