Caso do juiz das mulheres adúlteras está há um ano por decidir
Neto de Moura continua a julgar casos de violência doméstica. Conselho Superior da Magistratura criou observatório para analisar decisões judiciais que ainda não saiu do papel.
O caso do juiz do Tribunal da Relação do Porto que desculpabilizou a violência doméstica praticada contra uma “mulher adúltera” continua por decidir: mais de um ano depois, o Conselho Superior da Magistratura não só não tomou qualquer decisão final sobre o assunto como se recusa a explicar por que motivo não o fez.
Desencadeou várias manifestações de indignação o célebre acórdão assinado por Neto de Moura e por uma juíza sua colega, que citava a Bíblia para falar no apedrejamento das mulheres infiéis aos maridos. Do presidente do Supremo Tribunal de Justiça ao Presidente da República, foram vários os detentores de cargos públicos a exprimir o seu repúdio, ainda que de forma mais velada do que os manifestantes que saíram à rua. O caso chegou a ser noticiado na imprensa internacional.
Lesto a abrir um inquérito convertido a seguir em processo disciplinar, o Conselho Superior da Magistratura escusa-se a dizer por que razão mais de um ano depois não tomou qualquer decisão relativamente aos dois juízes, que continuam no normal exercício das suas funções, no âmbito das quais têm julgado outros casos de violência doméstica. Depois de muitas insistências do PÚBLICO, o órgão de disciplina dos juízes limitou-se a dizer que o relator do processo, o juiz jubilado Gabriel Catarino, entregou as suas conclusões a um vogal deste conselho em Setembro ou Outubro passado, devendo o documento ser analisado numa das próximas reuniões plenárias. Questionado sobre a demora, este órgão respondeu que não excedeu o prazo legal para a tramitação de processos disciplinares na função pública, que é de ano e meio.
Há quem não compreenda tantas delongas. É o caso da ex-secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade e hoje deputada do PS Catarina Marcelino. “O que o juiz escreveu é inaceitável, vai contra a Constituição e as convenções internacionais. E não me parece desejável a demora do Conselho Superior da Magistratura em tomar uma decisão."
Elisabete Brasil, da União de Mulheres Alternativa e Resposta, fala desta falta de resposta em tempo útil como espelho de “uma justiça impávida e serena, que existe para si própria e não para as pessoas”, para dizer que esta demora “não é compreensível”.
“Já devia ter havido uma decisão”, concorda João Massano, vice-presidente do conselho regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, para quem este tipo de actuação da justiça leva à incompreensão por parte das pessoas. “Este protelar da actuação do Conselho Superior da Magistratura só vem reforçar a desvalorização da violência sobre as mulheres e a legitimação dos agressores”, observa por seu turno a deputada bloquista Sandra Cunha.
Várias das organizações que em Outubro de 2017 repudiaram o teor do acórdão preferem não se pronunciar neste momento sobre a demora na resolução de um caso que não se afigura complexo: nem a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, nem a Amnistia Internacional nem a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas quiseram comentar o assunto.
Já Inês Ferreira Leite, uma assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa que se tem debruçado sobre esta temática, diz ser normal que os processos disciplinares demorem muito tempo, pela sua natureza. “As formalidades relacionadas com os direitos de defesa têm de ser respeitadas”, exemplifica. Outra opinião terá, ressalva, se o processo “se arrastar muito mais no tempo ou redundar no nada”.
Em Fevereiro deste ano o Conselho Superior da Magistratura decidiu criar um Observatório Judicial da Violência de Género e Doméstica. Que não saiu do papel até hoje.