A pergunta de reitores e não só: porquê reduzir propinas se a prioridade é o alojamento para estudantes?
Em 2019/2020 as propinas vão baixar, o que acontecerá pela primeira vez em 16 anos. Líder da Federação Académica do Porto lembra que "os 50 milhões de euros que o Governo terá que dar às universidades pela perda de receitas das propinas daria para duplicar o número de residências existentes".
Os reitores foram surpreendidos, neste sábado, por um anúncio feito pela deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua. Numa longa reunião com o primeiro-ministro António Costa, que terminou já de madrugada, ficou acordado que o Orçamento de Estado (OE) para 2019 contemplará uma redução do valor máximo das propinas do ensino superior, que passará de 1068 euros para 856 euros, disse.
Será a primeira vez, em pelo menos 15 anos, que se opta por uma redução das propinas. O máximo a que se tinha chegado até agora foi o congelamento do valor máximo, que se encontra em vigor há três anos.
Esta medida levará a que no próximo ano lectivo, quando será posta em prática, exista uma redução de 40 a 50 milhões de euros nas receitas do conjunto das instituições do ensino superior, avaliou Mortágua. Por essa razão, os reitores contactados pelo PÚBLICO esperam que no mesmo OE para 2019 fiquem consagradas verbas para compensar esta diminuição.
“A não acontecer assim será uma tragédia”, alertou o reitor da Universidade do Porto, António Pereira. Este responsável estima que as receitas da UP sofram uma redução de um milhão de euros no próximo ano lectivo, um valor que poderá triplicar nos anos seguintes. Mas diz-se convencido de que o executivo “vai repor” as verbas que ficarão em falta. “Quero crer que o Governo vai honrar o pacto assinado com as universidades”, frisou.
Este acordo, assinado em 2016, prevê que universidades e politécnicos sejam ressarcidos financeiramente dos efeitos de qualquer alteração legislativa que os afecte, como será o caso agora.
Menos optimista parece estar o reitor da Universidade de Lisboa, António Cruz Serra, que chama a atenção para o facto das instituições ainda não terem sido ressarcidas pelo congelamento das propinas em vigor desde 2015/2016. “Concordo com a redução, mas tem de existir uma compensação por parte do Governo”, defende.
A UL é uma das quatro instituições do ensino superior que tem mantido o valor das propinas no máximo legal. As outras são a Universidade Nova de Lisboa, o ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa e a Universidade de Lisboa. Cruz Serra adianta que a redução das propinas terá um impacto de oito milhões de euros nas receitas da UL.
Alojamento é o problema "prioritário"
O reitor da Universidade de Lisboa não percebe as razões pelas quais se optou por uma redução de 20% e não por outro valor. E tem dúvidas também sobre as razões que levaram a que fosse dada prioridade a esta medida quando se sabe que “hoje o problema mais grave no sector é o do alojamento”, devido à carência de residências universitárias (só têm lugares para 12% dos mais de 100 mil alunos que necessitam de um quarto). “O que precisamos é de dotações orçamentais para construir residências”, reforça.
No mesmo sentido aponta Arlindo Oliveira, presidente do Instituto Superior Técnico, em Lisboa, que é uma das maiores faculdades do país e que irá perder dois milhões em receitas com esta redução. “Fico satisfeito com o que possa tornar o ensino superior mais acessível, mas a redução das propinas não vai beneficiar os estudantes mais desfavorecidos, porque já têm bolsas para cobrir estas despesas, e não responde aquele que actualmente o maior obstáculo no aceso ao superior, que é a dificuldade de encontrar alojamento acessível nos grandes centros urbanos”, afirma
“É uma medida positiva, mas não podemos ficar satisfeitos por existir uma redução para poucos de 200 euros, quando muitos têm de pagar 400 euros ou mais por um quarto”, diz também o presidente da Federação Académica do Porto, João Pedro Videira, frisando que a prioridade do próximo Orçamento de Estado deveria ser a questão do alojamento universitário, com tem vindo a ser reivindicado pelos estudantes. "Os 50 milhões de euros que o Governo terá que dar às universidades pela perda de receitas das propinas daria para duplicar o número de residências existentes", diz o líder estudantil.
O reitor da Universidade Coimbra, Gabriel Silva, considera que “baixar os custos do ensino superior para as famílias é sempre uma boa ideia”, mas avisa que tal “não pode ser feito à custa das instituições de ensino superior, que têm sofrido sucessivos cortes orçamentais e estão há muitos anos, todos o reconhecem, fortemente subfinanciadas”. E adianta também o seguinte: “a existirem 40 milhões de euros disponíveis [para o Governo devolver às universidades], eles seriam empregues de uma forma socialmente muito mais justa reforçando as bolsas de acção social em vez de dar um desconto de 200 euros a quem não pode pagar, mas também a quem pode pagar.”
Medida transversal
Já o presidente da Federação Académica de Lisboa, João Rodrigues, classifica esta medida como “extremamente positiva” e “um das mais felizes” dos últimos anos para os estudantes do ensino superior. “As propinas não podem continuar a ser a principal fonte de financiamento do superior, porque o acesso não deve ser medido em função do tamanho da carteira”, refere.
Frisa que esta é uma “medida transversal” uma vez que vai afectar todas as instituições, à excepção de quatros institutos politécnicos, cujas propinas já estavam abaixo do novo tecto agora fixado, e que por isso ajuda a que o “ensino superior seja mais justo e inclusivo”.
Também a reitora do ISCTE, Maria de Lurdes Rodrigues, aplaude a redução das propinas por considerar que o valor actual constitui “um obstáculo ao acesso ao ensino superior”. “Naturalmente existirá uma compensação do Governo às necessidades”, acrescenta, para defender ainda que agora ”é necessário ir mais longe no reforço da Acção Social das residências para estudantes”.
O reitor da Universidade do Porto também diz que, “em princípio concorda com a redução”. Mas lamenta que se tenha optado por uma medida que “trata todos os estudantes por igual, em vez de se adoptarem medidas que tenham como alvo os alunos mais desfavorecidos”.