Saída de Azeredo do cargo já é defendida dentro do Governo
Ana Gomes apela a intervenção de Marcelo no caso de Tancos: “Está em causa o Estado de direito.” Continuidade do ministro da Defesa é posta em causa entre os seus próprios pares.
Azeredo Lopes sobreviveu politicamente ao roubo das armas de Tancos, ao seu reaparecimento (encenado), mas o risco da não sobrevivência à constituição de arguidos dos dirigentes da Polícia Judiciária Militar — por si tutelada — já é admitido dentro do próprio Governo.
Ao que o PÚBLICO apurou, a saída do ministro da Defesa do Governo poderá ocorrer depois de aprovado o Orçamento do Estado para 2019 — se não for constituído arguido antes, cenário em que a cessação de funções seria imediata, como já confirmaram publicamente o presidente do PS e o primeiro-ministro.
Dentro do Governo a situação é considerada muito grave. A constituição de arguidos do director da Polícia Judiciária Militar e do seu ex-porta-voz, Vasco Brasão —, o responsável pela investigação do caso Tancos —, é considerado um facto que aprofunda a fragilização do ministro da Defesa, tanto mais que a possibilidade de vir a ser chamado à justiça não só é clara como é discutida na praça pública.
Também o Presidente da República preferia uma rápida saída do ministro da Defesa do Governo, sabe o PÚBLICO. Mas, para já, António Costa estará tentado a adoptar o “precedente Constança” — aguentar pelo menos até à aprovação do Orçamento do Estado. Na verdade, a saída de Constança Urbano de Sousa já estava prevista no Governo quando a intervenção do Presidente, na sequência dos fogos de 15 de Outubro, acelera o processo.
António Costa está precisamente a fazer com Azeredo Lopes o que fez com Constança — servir de escudo até ao último minuto. Esta semana, defendeu Azeredo no 5 de Outubro — “Quer o senhor ministro da Defesa Nacional, quer o tenente-general Martins Pereira, que era então seu chefe de gabinete, já fizeram um desmentido absolutamente categórico de notícias que têm vindo a lume de factos que lhe teriam sido imputados. Não vejo nenhuma razão para alterar essa confiança” — numa visita à base aérea n.º 5 e no Parlamento durante o debate quinzenal.
No PS, as reacções de apoio a Azeredo são cautelosas. E a Belém têm chegado várias mensagens de que as Forças Armadas estão a atravessar um dos momentos mais difíceis com esta crise de Tancos.
A eurodeputada do PS Ana Gomes apelou ontem a uma intervenção do Presidente da República enquanto comandante supremo das Forças Armadas, por causa da encenação da devolução das munições roubadas em Tancos: “É o mais grave atentado ao Estado de direito.”
“Se alguém dentro das Forças Armadas foge ao controlo político é o Estado de direito que está em causa”, afirmou ao PÚBLICO a socialista, referindo-se à combinação feita entre a Polícia Judiciária Militar (PJM) e o assaltante para a devolução das munições e ao ex-chefe de gabinete do ministro da Defesa que não lhe terá feito chegar o memorando desta polícia. Para Ana Gomes, “esta matéria tem de ter absolutamente a intervenção do Presidente da República que é o comandante supremo das Forças Armadas”.
“As Forças Armadas são estruturantes mas têm que respeitar o Estado de direito. Não é admissível que pessoas qualificadas sejam abastardadas pelo comportamento de alguns indivíduos que são criminosos. A tese de que foi a defesa do interesse nacional [que ditou a encenação do achamento do material roubado] é escabrosa. Isto é devastador para a nossa imagem internacional e tem repercussões na NATO e na UE”, insiste, acrescentando: “Faço parte da comissão de Segurança e Defesa do Parlamento Europeu. Toda a gente conhece este caso, que é citado como altamente preocupante. Quando toda a gente está a querer um maior controlo do fornecimento de armas a grupos terroristas, é de bradar aos céus haver cumplicidade com uma rede de venda de armas. E se houve encobrimento é gravérrimo.”
Questionada directamente sobre se o ministro da Defesa, Azeredo Lopes, se devia demitir, respondeu: “Não quero responder a essa questão, mas sei o que eu faria.”
O memorando sobre a recuperação do material de guerra roubado em Tancos, entregue na quarta-feira pelos advogados do tenente-general Martins Pereira no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), não deixou qualquer rasto no Ministério da Defesa. Ou seja, pura e simplesmente não existe.
Daquele documento, entregue em Novembro de 2017 ao então major-general Martins Pereira, à época chefe de gabinete do ministro da Defesa, Azeredo Lopes, pelo anterior director da Polícia Judiciária Militar (PJM), coronel Luís Vieira, e pelo major Vasco Brazão, ex-porta-voz daquela polícia, constará uma descrição dos factos que aponta para uma montagem da PJM.
A investigação interna no Ministério da Defesa sobre o paradeiro do documento começou há, precisamente, uma semana quando o Expresso divulgou, e o PÚBLICO confirmou, a existência do memorando. E não se encontrou qualquer rasto do mesmo.