Conselhos de turma são "uma tábua de salvação" para muitos alunos
Pela primeira vez, os conselhos de turma vão realizar-se em regime de "serviços mínimos". O PÚBLICO pediu a seis professores que descrevessem como funcionam estas reuniões, por que razão se devem realizar só quando todos os docentes estão presentes e de que modo podem ser importantes para os alunos.
A partir desta segunda-feira e até ao próximo dia 5, muitos professores vão ser obrigados a estar em reuniões para determinar as notas finais dos alunos do 9.º, 11.º e 12.º anos de escolaridade, cujas regras de realização contrariam a lei em vigor e que atentam contra a concepção de avaliação que foram ensinados a praticar.
Segundo o Ministério da Educação, 23% dos alunos daqueles anos ainda não têm notas atribuídas. O PÚBLICO foi ouvir seis professores para tentar perceber o que se passa nas reuniões de conselho de turma e qual a razão por que se sentem tão “magoados” com a decisão da passada semana do colégio arbitral. Face à greve às reuniões de avaliação iniciada a 4 de Junho pelos professores contra o "apagão" de mais de nove anos do seu tempo de serviço, e a pedido do Ministério da Educação, o colégio arbitral decidiu convocar serviços mínimos para os conselhos de turma dos anos com exames (9.º, 11.º e 12.º), determinando que estes se poderão realizar mesmo que estejam ausentes quase metade dos docentes envolvidos, apesar da lei que os regulamenta estipular que têm de estar todos.
“Como pode alguém subir ou descer notas da minha disciplina sem pelo menos me ouvir?”, questiona Luís Braga, professor de Português e História do 2.º ciclo. A questão não é supérflua uma vez que, relatam todos os docentes ouvidos, as notas que alunos e pais vêem nas pautas resultam muitas vezes de um consenso a que os professores da turma chegam naquelas reuniões, ou de uma votação quando os casos são “mais renhidos”.
A composição dos conselhos de turma varia em função do ciclo ou do ano de escolaridade, da modalidade de formação e das características dos alunos da turma. Nestas reuniões, que duram em média entre duas a três horas, têm assento obrigatório os professores de todas as disciplinas, cujo número varia entre seis no 12.º ano e 13 no 3.º ciclo. Mas o número de participantes pode chegar aos 20 porque muitas vezes, sobretudo quando existem alunos com necessidades educativas especiais, são ainda chamados os docentes do ensino especial e o psicólogo/a do agrupamento.
Por norma, existem seis reuniões ao longo do ano lectivo. As do final do ano lectivo são geralmente as mais complicadas, porque é ali que se pondera quais são os alunos que passam de ano e quais os que chumbam. Como a decisão não resulta apenas da média aritmética das notas, discute-se por exemplo se um aluno deve passar de ano mesmo que tenha mais negativas do que as admitidas para o efeito, ou se pelo contrário fica retido. “São reuniões que podem decidir vidas”, frisa a este respeito Isabel Hortas, professora de Matemática do ensino secundário no Agrupamento de Escolas Clara de Resende, no Porto.
Há anos de escolaridade mais complicados do que outros. No secundário, aponta esta docente, é o 10.º ano, o primeiro deste nível de ensino: “É aqui, neste ano, que se faz a grande triagem dos alunos [porque muitas vezes as opções que fizeram não são as mais indicadas] e temos de analisar, no conselho de turma, qual a melhor solução. Reprovar de ano? Mudar de curso? Mudar para cursos profissionalizantes?”.
Já no 3.º ciclo, o ano mais complicado é o 7.º ano de escolaridade, refere Lurdes Alberto, professora de Matemática do 3.º ciclo e directora de turma no Agrupamento de Escolas Rainha Santa Isabel, em Leiria. “Quando chega ao final do ano lectivo, o conselho de turma já conhece bem os alunos que vai avaliar. Cada professor faz a sua proposta de atribuição de um nível [1 a 5 no básico; 0 a 20 no secundário) e esta é analisada por todos os docentes que têm em conta as várias dimensões de um aluno”.
Alunos não são maçãs
Por exemplo, prossegue, “se o aluno teve planos de acompanhamento, que também são definidos pelo conselho de turma em reuniões anteriores, temos que avaliar que resultados estes tiveram. Se teve de ter acompanhamento do psicólogo/a do agrupamento, devido a problemas cognitivos ou emocionais, temos de conhecer que avaliação é feita por este técnico. Se o aluno está em risco de retenção temos de verificar que competências não adquiriu e se, nestas circunstâncias, será mais benéfico para ele transitar de ano ou ficar retido”.
“Seria muito mais fácil ter a fronteira definida entre a positiva e a negativa: 9 não é 10, 40% não é 50%, contar-se as negativas e decidir se transita ou não. Mas não estamos a contar maçãs”, diz Fátima Gomes, professora de Português do 12.º ano na Escola Secundária de Barcelos. E, por isso, porque não se está a contar maçãs, nos conselhos de turma do secundário “um 9 pode passar para 10 para permitir que o aluno frequente uma disciplina como interno, quando está em condições de transitar de ano”, descreve. Na verdade, salienta, uma decisão destas “não constitui um grande ‘favor’, pois o aluno terá de fazer um exame e prestar provas, que ninguém fará por ele, mas devido à decisão [de lhe subir a nota] pode frequentar as aulas de uma disciplina onde já tem dificuldades e isso é um benefício para ele”.
Luís Braga frisa que estes “debates nos conselhos de turma são normalmente fruto da defesa dos interesses dos alunos”. E explica porquê: “É raro algum professor defender que se baixe notas de um aluno propostas por um outro colega. Mas é relativamente comum alguém sugerir ponderação em casos de negativas”.
Também é “relativamente comum debaterem-se casos de professores que proponham muitas negativas, o que no ensino básico implica aliás uma explicação formal destes docentes perante o conselho de turma”, acrescenta. Por todas estas razões, frisa, “o conselho de turma é uma estrutura coordenadora e reguladora da avaliação, que garante a qualidade desta e pode servir para se reparar injustiças, para que os professores que conhecem melhor um aluno ajudem os restantes a verem-no com olhos mais favoráveis”.
Paulo Guinote, professor de História e Geografia do 2.º ciclo, conta que na sua experiência como docente tem comprovado que as decisões que obrigam a uma votação nos conselhos de turma [quando assim acontece têm de ser aprovadas por maioria absoluta e não são permitidas abstenções] dizem respeito à transição ou à retenção do aluno. “Lembro-me mesmo de empates na votação em que foi necessário o voto de desempate do director de turma. Estas decisões, da transição ou retenção, são as mais complicadas, as que geram mais debate e ocupam mais tempo, com todos os elementos do conselho de turma a pronunciarem-se”, refere.
Professores não são iguais
Fátima Gomes refere, a propósito, que os professores “não são um universo uniforme, mas sim extremamente diversificado, o que justifica também as discussões nos conselhos de turma”, onde estes se dividem em dois grandes grupos: “há os ‘professores paizinhos’, que se esforçam, na hora da classificação, para que os alunos transitem atendendo ao esforço que desenvolveram, mesmo que sem sucesso (o que será aplaudido pelos pais de alunos com dificuldades e reprovado pelos restantes) e há os professores ‘rígidos/exigentes’ para quem o aluno não ganha nada em transitar sem saber o que se entende como necessário”.
Para muitos alunos, “os conselhos de turma acabam por ser uma tábua de salvação”, constata Lurdes Alberto.
Quando questionada sobre as decisões que foram mais difíceis de tomar, Isabel Le Guê, directora da Escola Secundária Rainha D. Amélia, em Lisboa, responde assim: “Os dilemas de consciência, pois as pessoas (os jovens) não se reduzem a números lançados numa folha de cálculo. Estarei a ser exigente demais? Exigente de menos? Será isto o melhor para ele/ela? Que leitura fará ele/ela desta classificação? Vai empenhar-se mais ou menos?”.
“A verdade é que, mal-grado tantos e tantos anos de serviço, se tudo correr bem, os professores confrontar-se-ão anualmente com estas interrogações, na hora de decidir. E, desejavelmente, decidirão bem…”, afirma.