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Milhares de professores estiveram em Lisboa para dizer "já chega"

Docentes exigem que todo o tempo que deram aulas durante o período de congelamento das carreiras seja contado para efeitos de progressão. São mais de nove anos. O Governo só quer que sejam contados dois.

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Fenpriof diz que estiveram 50 mil professores na manifestação deste sábado LUSA/ANTÓNIO COTRIM

Falta menos de um mês para o final do ano lectivo, mas a professora de Educação Especial Filipa Costa não sabe se terá forças para aguentar ainda esta recta final. Diz que está “exausta” e “desgastada psicologicamente” porque este tem sido um dos piores anos da sua vida.

Veio à manifestação de professores que se realizou neste sábado em Lisboa para lembrar que ela, e milhares de outros, foram “profundamente lesados” pelo concurso para os professores do quadro realizado no ano passado e que devido a uma alteração de regras, feita sem aviso prévio pelo Ministério da Educação, levou a que ficassem colocados a muitos quilómetros da sua área de residência.

Souberam-no a 25 de Agosto de 2017, quando foram divulgados os resultados do concurso. Filipa Costa, 42 anos, professora há 16, vive em Guimarães e ficou colocada em Coruche, a mais de 300 quilómetros de casa. Na manifestação ostenta um cartaz onde resume o que passou desde então: “Tou tramada; Tou de viajem; Tou de rastos; Tou nas lonas...”

A manifestação nacional deste sábado foi convocada por todos os sindicatos de professores, como já tinha acontecido no último protesto de rua, realizado em Novembro, nas vésperas da aprovação do Orçamento do Estado para 2018, e nas greves de docentes ocorridas em Março. Tudo isto pela mesma razão: exigem que o Governo contabilize, para efeitos de progressão na carreira, os nove anos, quatro meses e dois dias em que as suas carreiras estiveram congeladas. Até agora, o Governo só acedeu em contar dois anos, nove meses e 18 dias.

“Só quero o que é meu. Não roubei... Trabalhei!”, lê-se no cartaz empunhado por uma professora que se aproxima do palco montado no Marquês de Pombal, em Lisboa, onde a manifestação teve início, sensivelmente ao mesmo tempo em que o líder da Federação Nacional da Educação (FNE), João Dias da Silva, lamenta que para “os banqueiros haja sempre folga orçamental”, enquanto os professores são “pisados” nos seus direitos.

“Ultrapassou todas as expectativas”, disse à Lusa o líder da Federação Nacional de Professores (Fenprof), já no final da manifestação, que terminou no Rossio. Segundo Mário Nogueira, que disse ter tido a ajuda da PSP para fazer o balanço, estiveram no protesto cerca de 50 mil docentes (os sindicatos tinham apontado para uma participação entre 30 mil e 40 mil). “É provável. Não posso confirmar nem desmentir. Só posso dizer que correu tudo bem”, disse ao PÚBLICO o oficial de serviço no Comando Metropolitano de Lisboa da PSP, comissário Morais, lembrando que não estão autorizados a divulgar estes números. O que nem sempre é respeitado.

Na esquina entre o Marquês de Pombal e a Avenida da Liberdade, Ana Barroco, professora há 32 anos, marca presença como vários dos seus colegas da escola Paula Vicente, uma das que integram o agrupamento do Restelo. “Não é só pelo apagão do tempo de serviço que estou cá, mas sim sobretudo pela falta de recursos com que estamos confrontados devido a este grande desinvestimento na educação”, explica.

A última vez que Ana Barroco saiu à rua, numa manifestação de professores, foi em 2008, quando cerca de 100 mil docentes disseram não à então ministra Maria de Lurdes Rodrigues. “Estava à espera de mais gente, gostava que fôssemos tantos como há dez anos, porque a situação é hoje muito pior do que era então”, confessa, para adiantar que talvez os professores estejam “saturados” ou até “mais acomodados”, mas que é preciso não cruzar os braços. “Estamos mesmo mal”, insiste.

Gonçalo Gonçalves veio a Lisboa também para exigir “melhores condições” para uma profissão em que, diz, muitos “pagam para trabalhar” devido aos muitos quilómetros acumulados nas deslocações diárias para as escolas onde estão colocados.

Ele é um dos cerca de 3500 professores contratados que entraram nos quadros neste ano lectivo. Por essa razão, este docente do 1.º ciclo de Aveiro, que esteve a contrato durante 16 anos, também já pode exigir que lhe sejam reconhecidos, para progredir na carreira, os anos em que deu aulas durante o período de congelamento das carreiras. Se ainda fosse contratado, tal não seria possível: independentemente do tempo de trabalho nunca passam do índice 167, que tem como remuneração bruta cerca de 1500 euros mensais.

É este o caso de Ângela Correia, professora de Inglês a contrato há 14 anos. Uma etapa que espera estar no fim, já que acredita que estará entre os cerca de dois mil professores que vão entrar no quadro ainda este ano, na sequência do concurso de vinculação extraordinária que está a decorrer e cuja realização ficou consagrada na Lei do Orçamento do Estado para 2018. É um dos seis concursos de colocação de professores que estão em curso e que, mais uma vez, têm sido marcados por uma série de “erros” e “ilegalidades”, denunciam os sindicatos.

A “reposição da legalidade” nestes procedimentos é, aliás, uma das exigências que constam da resolução aprovada ainda no Marquês de Pombal, quando já tinham passado mais de duas horas desde o início da concentração naquela praça e depois de terem falado os líderes de todas as dez estruturas sindicais de docentes.

Na resolução, que tem como destinatário o ministro da Educação Tiago Brandão Rodrigues, exige-se também a contagem integral de todo o tempo de serviço, o cumprimento na prática das 35 horas de trabalho semanais (muitos dizem trabalhar cerca de 46) e a criação de um regime específico de aposentação para uma classe onde cerca de metade já têm 50 anos ou mais. E há um prazo que ficou marcado: a 4 de Junho, nas reuniões com os sindicatos marcadas pelo ministro esta semana, tem de ser dada de vez resposta a tudo o que tem estado pendurado ao longo de todo este ano lectivo.

“Já chega. Exigimos respeito e a dignidade que nos foi retirada”, resume Isabel Monteiro, professora há 26 anos. No palco, Mário Nogueira confessa que continua a ter “um sonho”: “Que um dia teremos um Governo que respeite e valorize os professores.”

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