Milhares de professores vão ter de mudar de escola outra vez
Esquerda e direita uniram-se, no Parlamento, para obrigar o Governo a abrir um novo concurso destinado a todos os professores do quadro. Secretária de Estado alerta que vão ser postas em causa mais de 13.000 colocações. Será Marcelo Rebelo de Sousa a ditar o desfecho.
O novo concurso para professores do quadro, aprovado nesta sexta-feira pelo Parlamento, ameaça pôr em causa milhares de colocações efectuadas no ano passado. O alerta partiu da secretária de Estado Adjunta e da Educação, Alexandra Leitão, durante uma intervenção acalorada na Assembleia da República. A opção dos deputados do BE, PCP, PSD e CDS “põe em causa a colocação de mais de 13 mil professores”, disse.
A governante referia-se aos docentes que em 2017 foram colocados no âmbito do chamado concurso de mobilidade interna, que se destina aos professores do quadro que pretendam mudar de escola. Apesar dos docentes de carreira não serem obrigados a concorrer, o Ministério da Educação insistiu, em resposta ao PÚBLICO, que a solução aprovada pelo Parlamento “põe em causa a estabilidade de mais de 13.000 docentes que tinham mais do que uma expectativa, um verdadeiro direito à plurianualidade da sua colocação”.
O próximo passo pertence a Marcelo Rebelo de Sousa, a quem compete promulgar ou não as alterações aprovadas pela Assembleia da República a um diploma do Governo que também lhe suscitou “reticências”.
Os docentes que foram colocados em 2017 deveriam permanecer até 2020 nas vagas que ocuparam, já que os concursos de mobilidade interna realizam-se por norma de quatro em quatro anos. O Ministério da Educação já tinha decidido quebrar esta regra, abrindo um procedimento extraordinário este ano destinado apenas aos professores que se sentiram lesados pelo concurso de 2017, mas o Parlamento obrigou agora o Governo a alargar o universo deste concurso a todos os docentes do quadro.
Professores lesados
Isto aconteceu no âmbito da apreciação parlamentar de um diploma de Fevereiro passado que consagrava a fórmula proposta pelo ME e que foi requerida pelos grupos parlamentares do BE, PCP, PSD e CDS. Na origem desta iniciativa estiveram protestos de centenas de professores que ficaram colocados a centenas de quilómetros de casa na sequência de uma alteração administrativa ao regime de concursos efectuada pelo ministério: ao contrário do que tem sucedido desde 2006, o ministério decidiu só pôr a concurso, na primeira fase dos procedimentos, os horários completos (22 horas de aulas por semana), o que foi feito sem aviso prévio.
Esta situação é referida pelos quatro partidos que agora encostaram o Governo à parede. Todos frisam também que aquela mudança foi feita sem que houvesse qualquer alteração legislativa nesse sentido. E sustentam que a solução proposta pelo Governo para minimizar os estragos apenas iria consolidar as “injustiças” então criadas, daí a alteração que introduziram ao diploma com vista à abertura de um concurso interno destinado a todos os docentes do quadro.
Na sequência do concurso de 2017 foram interpostos 799 recursos hierárquicos junto do ME, deram entrada centenas de acções judiciais, cujo desfecho deverá estar para breve e foram realizadas várias manifestações de protesto que levaram aliás Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa a receberem representantes dos professores lesados no concurso.
O Presidente da República não os esqueceu na nota com que acompanhou a promulgação do diploma do Governo. Referiu então que suscitava “reticências quanto à satisfação das expectativas dos docentes na correcção dos problemas relacionados com a sua colocação”, mas justificou a sua promulgação, entre outras razões, pela “premência de permitir à Assembleia da República debate mais amplo e atempado” sobre os regimes dos concursos.
Estabilidade em causa
No Parlamento, Alexandra Leitão alertou para o perigo de instabilidade nas escolas, já que um novo processo de colocação dos professores poderá não estar concluído antes do início das aulas, em Setembro. “Os problemas que poderão vir a ocorrer decorrerão inteiramente da opção aqui tomada hoje [sexta-feira]”, frisou.
"Nem pensar em tentar atribuir qualquer tipo de atraso à Assembleia da República. A responsabilidade é do Governo pelas decisões que tomou", respondeu Ana Mesquita do PCP.
“Podem ser boas notícias para os professores, mas para as escolas não são”, afirmou ao PÚBLICO o presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas, Filinto Lima, adiantando que o novo concurso vai pôr em causa a “continuidade e estabilidade” do corpo docente e dos projectos educativos que têm em mãos.
O líder da Federação Nacional de Professores (Fenprof), Mário Nogueira, lamentou que o Governo tivesse rejeitado a proposta que apresentaram em Setembro para resolver o problema: proceder à colocação administrativa dos docentes lesados, mantendo as restantes colocações.
Quanto à solução aprovada pelo Parlamento, refere que só existiam duas alternativas: “Ou não havia concurso ou a haver teria de ser aberto a todos os professores porque senão não servia para nada”. “O erro deveria ter sido logo assumido pelo ministério. Agora vamos ter também muitos outros professores que vão ficar descontentes”, acrescentou.