Comissão de inquérito: BE quer saber tudo sobre as rendas da energia
Bloquistas querem ouvir todos os responsáveis da área desde o Governo Barroso até ao actual para analisar a eventual existência de corrupção e de "omissão ou falha" dos reguladores e a dimensão dos custos para o Estado dos CMEC. Projecto de resolução vai a votos no dia 11.
O Bloco de Esquerda já deu entrada no Parlamento o projecto de resolução com vista à constituição da comissão de inquérito às rendas da energia, que deverá funcionar por quatro meses e abranger os governos entre 2004 e 2018, ou seja os executivos liderados por Durão Barroso, Pedro Santana Lopes, José Sócrates, Pedro Passos Coelho e António Costa.
"A existência de corrupção de responsáveis administrativos ou titulares de cargos políticos com influência ou poder na definição destas rendas", bem como “as condições em que foram tomadas decisões governativas, designadamente, em face de eventuais estudos e pareceres de entidades reguladoras ou outras com atribuições” no sector da electricidade fazem parte do objecto do pedido. O BE quer ainda saber se houve “omissão ou falha nas obrigações entidades reguladoras” e se se verificou “a existência de favorecimento por parte de governos relativamente à EDP, no caso dos CMEC”.
O BE pretende também que a comissão de inquérito se debruce sobre "o pagamento de rendas e subsídios aos produtores de eletricidade, sob a forma de Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC) ou outras", analisando "a dimensão dos pagamentos realizados e a realizar neste âmbito, o efeito sobre os custos do sistema elétrico produzido pelas alterações legislativas e actos administrativos realizados no âmbito dos CMEC" até à actualidade, assim como "o efeito sobre os custos do sistema elétrico produzido pela extensão do regime de tarifa subsidiada à produção eólica".
A proposta da comissão de inquérito vai ser discutida e votada no próximo dia 11 em plenário. O líder da bancada bloquista Pedro Filipe Soares mostrou-se disponível para aceitar contributos de outros partidos sobre o texto apresentado. “Gostaríamos que fosse aprovado por unanimidade”, tinha já afirmou ao PÚBLICO o deputado Jorge Costa.
Até esta quinta-feira, dia 3, os grupos parlamentares podem entregar sugestões de alteração do objecto da comissão. Pelas regras da rotatividade da presidência das comissões, desta vez caberá ao PSD o lugar de presidente, sendo os dois vice-presidentes do PS e do PCP. Ainda não se sabe se o PEV poderá integrar a comissão, mas numa primeira distribuição de lugares, o PSD terá sete deputados, o PS seis, e Bloco, CDS, PCP e PEV um cada. Se o PEV não participar esse lugar caberá ao PS.
À margem da conferência de líderes, onde foi feito o agendamento da discussão da proposta e da sua votação, Pedro Filipe Soares reforçou a ideia de que o BE não quer “poupar ninguém” envolvido nas decisões em torno das “rendas abusivas”. Questionado sobre se o tempo abrangido pela proposta de investigação – 14 anos – ameaça tornar a comissão de inquérito inconclusiva, o deputado considerou que é possível fazer um “trabalho capaz” sobre toda a “teia legislativa” em que os decisores políticos participaram, reforçando a ideia de “unanimidade” em torno da proposta.
Ao PÚBLICO, Jorge Costa não quis avançar nomes “a conta-gotas” de personalidades que o BE vai propor ouvir nesta comissão, que tem como protagonista o ex-ministro da Economia Manuel Pinho, mas já se sabe que quer ouvir todos os membros dos governos que tiveram responsabilidades sobre os CMEC (Custos de Manutenção de Equilíbrio Contratual, vulgo rendas da energia) desde que foram criadas, no Governo Durão Barroso, até ao actual secretário de Estado da Energia, passando pelos reguladores, pelo presidente da EDP e outros decisores desta área, como a Direcção-Geral de Energia.
“Queremos uma radiografia completa a esta renda e aproveitaremos esta comissão para tentar acabar com ela”, afirmou o deputado. Aalém das suspeitas de crimes sob investigação no âmbito da Operação Ciclone (que investiga os acordos da entrada em vigor dos CMEC), de que Manuel Pinho e António Mexia são os principais arguidos, o BE quer apurar todas as responsabilidades.
“Pode ter havido responsabilidades políticas muito sérias e importantes, já que estas rendas foram criadas no Governo de Durão Barroso e reguladas no de Santana Lopes. Não vamos branquear responsabilidades de ninguém”, diz Jorge Costa. “A direita está a reagir de forma violenta porque queria aproveitar esta oportunidade para sair do filme dos CMEC mas nós não lhe vamos fazer esse favor”.
No Parlamento, Pedro Filipe Soares foi ainda questionado sobre se faz sentido manter a proposta do PSD de ouvir Manuel Pinho na comissão de Economia. “O PSD dirá o que entender, mas as declarações do seu advogado [Ricardo Sá Fernandes] já retiram muita pertinência” à iniciativa”, respondeu aos jornalistas.
Follow the money, pede o Bloco
O Bloco aproveitou as declarações políticas para defender no plenário a sua proposta para a comissão de inquérito, acabando por receber o apoio das restantes bancadas. O deputado Jorge Costa fez uma listagem dos processos das rendas à EDP, dos avisos que a ERSE foi fazendo ao longo dos anos sobre os valores excessivos, e falou da constituição de Manuel Pinho como arguido. Afirmando que a "corrupção mina a democracia" e criticando a "promiscuidade entre políticos e negócios", defendeu que a ordem agora é "follow the money", ou seja, é preciso "seguir o rasto do dinheiro" para saber "quem ganhou com as decisões tomadas, quem decidiu e em que se baseou, porque decidiu dar tantos milhões e a quem". É isto que é preciso "desmascarar" na comissão de inquérito, vincou o bloquista.
O social-democrata Emídio Guerreiro apressou-se a dizer que o PSD "está disponível para perceber tudo" sobre todas as pessoas envolvidas no caso e desafiou o Bloco a juntar-se à direita para combater o imposto sobre os combustíveis ou a "borla fiscal" de 170 milhões de euros à EDP na sequência da reavalização de activos.
Pelo PCP, João Oliveira desafiou o Bloco a alargar o âmbito do objecto da comissão de inquérito para incluir, além das rendas da energia, "outros sectores, privatizações e PPP onde estes problemas de corrupção e de tráfico de influências" também existem.
O socialista Carlos Pereira prometeu que o PS "contribuirá para toda a transparência nesta matéria para aprofundar e detectar o que tem que ser detectado nesta matéria". O deputado queixou-se das dificuldades enfrentadas pelo actual Governo para reduzir os preços da energia e do gás natural e dos "entraves" para cortar os custos das rendas.
O centrista Helder Amaral desafiou o Bloco a "seguir o rasto do dinheiro" também em questões que ajudou o Governo e o PS a aprovar, como a reavaliação de activos da Galp, EDP, e REN, ou a possibilidade de remeter para os consumidores o custo com a mudança para os contadores digitais. O deputado realçou que o actual Executivo é o primeiro a ter legislação para a redução das rendas excessivas mas que não a tem aproveitado.
Nas respostas, Jorge Costa prometeu que o Bloco voltará à carga com a sua proposta sobre uma contribuição para as energias renováveis (chumbada no OE2018), admitiu que o Governo reduziu o preço da energia "mas ainda não o suficiente" e que este tem conseguido "evitar o ciclo de aumentos mas ainda não baixou a factura".