Formação de Governo: Líder do 5 Estrelas aposta em dividir direita e centro-esquerda
“Espero encontrar-me brevemente com os líderes do PD e da Liga”, diz Di Maio na véspera de ser recebido pelo Presidente. Começaram as consultas oficiais para formar governo, o que pode levar dois meses.
Um mês depois da ida às urnas em Itália, o Presidente Sergio Mattarella começou finalmente a ouvir os partidos e os seus antigos e novos interlocutores, os presidentes das duas câmaras do Parlamento e o seu antecessor, Giorgio Napolitano. Na véspera das audiências mais esperada, aquelas em que o chefe de Estado vai receber os dois verdadeiros candidatos à chefia do governo, um deles decidiu não esconder a estratégia – um risco, já que ninguém tem maioria para governar sozinho.
Já se sabia que Luigi di Maio, líder do Movimento 5 Estrelas, de longe o partido mais votado (32%) a 4 de Março, prefere um acordo com parte do centro-esquerda do que com a direita e a extrema-direita. Com o Partido Democrata (PD), que teve o seu pior resultado de sempre (18%), só não admite entender-se com o líder demissionário, Matteo Renzi, que também nunca se sentaria com ele. É um caminho difícil: partir o PD é simples, aliás, o partido está a desfazer-se sozinho; o problema é conseguir deputados suficientes para chegar à maioria.
Há uma segunda possibilidade, mais simples, se o mais importante forem as contas e não os programas. Uma aliança entre o M5S e parte da coligação de direita, a mais votada, com 37%. Mas aqui Di Maio tem um veto claro chamado Silvio Berlusconi. O veterano antigo líder da direita perdeu esse estatuto para Matteo Salvini. A sua Força Itália (FI) desceu para 14%, a Liga, de Salvini, subiu acima dos 17%. Desde as eleições que Di Maio recusa encontrar-se ou telefonar a Berlusconi. Faz sentido.
A transformação que o M5S atravessa - de partido anti-política para um que quer governar e saber que terá de ceder perante futuros aliados - quer mostrar aos seus apoiantes que não esqueceu completamente os princípios. Berlusconi nem é Berlusconi, é o que representa em termos de política italiana, é o símbolo de tudo aquilo que o M5S nasceu para combater, a corrupção, a impunidade, os conflitos de interesses.
“A Liga é a força política que teve mais votos no interior de uma coligação de centro-direita que, de facto, não existe, e que se apresentava com três programas e três candidatos”, escreve Di Maio na sua página da rede social Facebook, assumindo com todas as letras o que já muitas vezes sugerira. “[A Liga] deve decidir de que lado quer estar: se quer contribui para a mudança ou se continua ancorada ao passado e a Silvio Berlusconi, um homem que já teve a possibilidade de mudar a Itália e não o fez”.
Vetos e ordens
As reacções foram as esperadas, com Antonio Tajani, o presidente do Parlamento Europeu que Berlusconi escolhera para dirigir o país (ele próprio não se pôde candidatar por causa de uma condenação por fraude), a chamar “anti-democrático” a Luigi Di Maio.
O líder do M5S “não mostra respeito pelos quase cinco milhões de cidadãos que votaram Força Itália e não é o vencedor, o vencedor é a coligação de direita, que está sólida e é candidata a governar”, continuou Tajani, citado pelo diário La Stampa. O problema é que nem Berlusconi confia que Salvini se manterá fiel à aliança pré-eleitoral e desconfia até de um acordo secreto entre a Liga e o M5S.
“A coligação que conseguiu mais votos foi a de centro-direita e esse é o nosso ponto de partida”, voltou a afirmar Salvini. “Vamos dialogar com o 5 Estrelas, mas rejeito vetos ou ordens”.
O problema é que esta recusa soa menos firme quando se sabe que Salvini negociou com Di Maio as escolhas para presidir à Câmara dos Deputados e ao Senado – e o fez nas costas de Berlusconi, precisamente porque o M5S vetou a escolha do ex-primeiro-ministro, o senador Paolo Romani, já condenado por corrupção.
Na noite anterior às votações finais, Di Maio desistiu do candidato que apresentara em cima da hora à câmara baixa, permitindo que todos surgissem como tendo cedido. E depois de uma longa conversa entre os líderes da Liga e do M5S, os deputados elegiam Roberto Fico (M5S) e os senadores Maria Elisabetta Casellati (que, não sendo a escolha de Berlusconi, é uma das suas mais fiéis apoiantes dentro da Força Itália), ambos recebidos por Mattarella esta quarta-feira.
Verdades inaceitáveis
Di Maio não pôs só a direita em alvoroço; fez precisamente o mesmo ao centro-esquerda. “A proposta do líder do 5 Estrelas é inaceitável”, escreveu no Twitter o líder da bancada do PD no Senado, Andrea Marcucci.
O que diz Di Maio de tão inadmissível? “Também o PD é chamado a fazer uma escolha. Deve escolher se segue a linha de Renzi, que por despeito ao 5 Estrelas quer lavar as mãos dos problemas do país, ou a linha dos que querem trabalhar para os cidadãos”, escreveu o líder do M5S. “O PD tem a oportunidade de não ignorar a mensagem dos eleitores, que recusaram claramente as suas políticas e a lei eleitoral que leva a sua assinatura”.
E assim se põe à vista de todos os problemas internos dos outros. Porque há quem na FI queira deixar cair Berlusconi e agarrar-se a Salvini e há quem no PD não perdoe a Renzi ter anunciado que o partido seria oposição ao mesmo tempo que se demitia. Alguns membros do centro-esquerda acreditam que o melhor seria aliarem-se ao M5S, contribuindo para a institucionalização do movimento, em vez de entregar o país à extrema-direita de Salvini.
“Espero encontrar-me brevemente com os líderes do PD e da Liga. O que oferecemos não é um engodo, é um contrato à alemã”, diz Di Maio.
Aproximar programas
“Ao Presidente diremos o que queremos fazer para mudar o país. Depois chegaremos ao resto. Voltaremos a expor os principais pontos do programa do centro-direita, aqueles que estamos dispostos a discutir com quem quer que seja”, afirmou à Radio Capital o líder do grupo parlamentar da Liga, Giancarlo Giorgetti.
Ora é precisamente essa a aposta de Mattarella: nos primeiros encontros com os líderes, o Presidente pretende falar dos seus programas e tentar encontrar pontos em comum. Ouvir e procurar que os seus interlocutores lhe falem “de forma concreta, para medir as distâncias irredutíveis ou as possíveis convergências entre os vencedores de 4 de Março”, como explica o jornal Corriere della Sera.
Segundo o mesmo diário, o Presidente admite que as tentativas para formar governo possam durar dois meses.
Claro que Di Maio também vai preparado para discutir os pontos do seu programa com Mattarella. Quis foi traçar algumas linhas vermelhas, contribuir para as divisões entre os adversários que quer vir a ter como aliados e animar as suas próprias bases, que recebem bem a sua recusa em sentar-se com dois ex-primeiros-ministros, Berlusconi e Renzi.
Di Maio, já se percebeu, gosta de correr riscos. No fim da campanha eleitoral, decidiu mostrar a todos os italianos quais seriam as suas escolhas para as diferentes pastas se estes lhe dessem os votos para governar. Fez uma lista de nomes, com pequenas biografias e até a enviou para o presidente. Isto num país em que os partidos nem costumam anunciar quem é o seu candidato à chefia do governo antes das eleições – ainda que muitas vezes isso seja óbvio.
Os outros partidos, assim como muitos comentadores, bem aproveitaram para gozar com o jovem Di Maio, 32 anos. “Que parvoíce. Uma lista de ministros…. E enviou-a para a presidência”. Alguns sugeririam que a opção, inaudita, tinha como objectivo fazer esquecer que Di Maio não completou nenhuma licenciatura (havia muitos académicos entre os potenciais ministros). A brincadeira durou pouco e o M5S teve mais votos do que qualquer sondagem antecipara.