Milhares de iranianos na rua contra preços altos, a mesma queixa de Khamenei

É significativo que os protestos tenham estalado na cidade que guarda o local mais sagrado do Irão e que é um microcosmo das divisões políticas actuais no país. Ouviram-se palavras de ordem contra o presidente Rohani.

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Khamenei não gostou de ver Rohani reeleito em Maio Abedin Taherkenareh/EPA

Desde a chamada revolução verde de 2009 que os protestos são quase inexistentes no Irão. Os líderes da teocracia esmagaram o movimento que então se formou, constituído essencialmente por jovens e académicos, em redor do protesto por umas eleições consideradas fraudulentas e que deram a vitória e um segundo mandato ao radical Mahmoud Ahmadinejad.

Com os manifestantes presos ou em fuga, os iranianos ousaram mesmo assim eleger e reeleger um Presidente centrista e moderado no que respeita a parte da política externa e a algumas políticas de costumes, Hassan Rohani.

A reeleição, em Maio, não agradou nem um bocadinho à linha dura, em particular ao Guia Supremo (e líder com mais poder na República Islâmica), o ayatollah Ali Khamenei. As críticas deste às políticas de Rohani têm sido constantes – na quarta-feira, pediu aos políticos que resolvam “com determinação” os problemas “dos preços altos, inflação e recessão”.

Por acaso ou não, um dia depois, milhares de iranianos (alguns sites falam em 10 mil) e há vídeos no Twitter onde se conseguem perceber multidões, saíram à rua na segunda maior cidade do país, Mashad, no Noroeste, havendo notícias de outros protestos em cidades mais pequenas da província de Razavi Khorasan (Neyshabour, Kashmar) e em pelo menos uma cidade do Sul (Yazd) e outra do Norte (Shahroud).

“Morte ao ditador”, “morte a Rohani”, gritaram os manifestantes”, queixando-se dos preços altos. Alguns foram detidos, por “tentarem destruir propriedade pública”, e a polícia usou canhões de água e gás lacrimogéneo para dispersar os protestos.

A grande justificação interna para a assinatura, por parte do Irão, do acordo nuclear negociado com os Estados Unidos de Barack Obama e com a União Europeia, em 2015, era precisamente a crise económica terrível fruto das sanções impostas pelo resto do mundo ao país. O Irão queria voltar ao palco do mundo, dizia Rohani, exportando, voltando a fabricar (impedidos de importar peças, parte da indústria agonizava) e a negociar de igual para igual com o resto dos países.

O elemento Trump

Os governos de Rohani reduziram a inflação, que já baixou dos dois dígitos (com Ahmadinejad estava nos 40%), mas os iranianos viram o desemprego crescer de 2016 para 2017 (1,4%), estando agora nos 12,4% (na prática, 3,2 milhões dos 80 milhões de iranianos estão sem emprego). E apesar das melhorias na inflação, a verdade é que o preço de alguns bens básicos tem subido muito – os ovos, por exemplo, segundo a Associated Press –, nalguns casos 30% a 40% só nos últimos dias.

A recuperação tornou-se mais lenta ao longo de 2017, em grande parte por causa da eleição de Donald Trump. O novo Presidente americano ameaça reintroduzir sanções ou fazer aprovar novas restrições à economia do maior país do islão xiita, o que levou muitos bancos e outras empresas a desistirem de investir no Irão.

Mashad é uma cidade-santuário, onde para além do mausoléu do imã Reza, o local mais sagrado do país, se ergue o que se pensa ser a instituição mais rica do país, a fundação religiosa Astan-e Qods Razavi, que gere várias mesquitas e propriedades na zona. Ali se fez muita oposição a Rohani antes das presidenciais de Maio. E por lá se conspira bastante nestes tempos em que muitos religiosos se tentam posicionar em antecipação da morte de Khamenei, que aos 77 anos já teve vários problemas de saúde graves.

“Pensem em nós”

Estes protestos podem ser orquestrados por religiosos contra Rohani, ou, pelo contrário, tratar-se de genuínos manifestantes fartos tanto do Governo como das políticas do governador de Mashad, Mohammed Rahim Norouzian. Também se ouviram slogans contra a participação iraniana com militares e dinheiro na guerra síria, ao lado de Bashar al-Assad: “Saiam da Síria, pensem em nós.” Oficialmente cabe a Khamenei e não a Rohani decidir sobre política externa.

A verdade é que dos mais de três milhões de habitantes (de uma cidade que recebe por ano 27 milhões de peregrinos), um terço vive em bairros de barracas e enfrenta a pobreza e o desemprego.

Como o Financial Times confirmou, numa reportagem antes das eleições de Maio, muitos se queixam de não ganhar nada por viverem numa cidade rica pelo seu estatuto de santuário. A verdade é que os opositores de Rohani em Mashad tentam culpá-lo e é difícil perceber se os habitantes responsabilizam também as autoridades que gerem os bens religiosos. Outra verdade é que desde 2009 convém não ignorar quaisquer ameaças de protestos no Irão.

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