Os bastidores de um sobrevivente: Mexia a caminho de novo mandato na EDP
Os contornos ainda estão a ser negociados, mas o mais provável é que Mexia suceda a si próprio na liderança da EDP. A acompanhá-lo deverá estar Luís Amado, como chairman. Este é só um capítulo das polémicas que acompanham o percurso do líder da EDP e a luta para se manter nos mais altos cargos ao longo do tempo.
- Um liberal de bata branca
- Mexia e Moura Santos conhecem-se
- Uma estrela para o BESI
- BESI monta operações de Moura Santos
- Moura apresenta Mexia ao superministro
- Mexia chega a CEO da Galp
- Santana e Mexia: almas gémeas
- Desmantelamento da Galp é travado
- Geração Compromisso Portugal
- Moura Santos conversa com Salgado
- Mexia e o “mensalão”
- Salgado recusa Mexia para a Vivo
- Amorim recusa pequeno-almoço com Mexia
- Interesses colocam Mexia na EDP
- Com Mexia na EDP, o BES entra
- A gala EDP que não correu bem
- Lacerda Machado interroga Mexia
- Mexia à frente na guerra do BCP
- Pinho: das barragens aos bovinos
- Salgado já tem o CEO da EDP
- Privatização da EDP avança
- Catroga fala com Passos antes da decisão
- “Mexia quase chora”
- E... Mexia fica na EDP
- Americanos assustam chineses
- Mexia regressa a Pequim
- Em Santana, Mexia tem um amigo
Há cerca de um mês parecia certo que António Mexia estava de saída da EDP, onde chegou há 12 anos. Mas Mexia conhece como se processa o poder nas empresas. A sua origem é a de um banqueiro de investimento e, daí, o talento inato para defender os seus interesses. É assim que hoje volta a ser apontado como o mais provável sucessor de si próprio, mantendo-se como presidente executivo (CEO) da EDP. Desta vez terá a companhia de Luís Amado como chairman no lugar de Eduardo Catroga, que, ainda assim, poderá continuar no conselho geral e de supervisão (CGS) a representar o accionista chinês.
O pacto para um novo mandato está em curso entre accionistas e a perspectiva é a de que Mexia tenha um novo contrato, com data de saída estabelecido, mas que o protegerá através de indemnizações que alguns admitem milionárias. Mas para esta estratégia ter êxito é preciso que nada de muito grave aconteça, entretanto, nomeadamente do foro judicial.
Caso se confirme, a continuidade de Mexia na EDP será surpreendente depois de este Verão o gestor ter sofrido um duplo revés: foi constituído arguido por suspeita de corrupção activa e passiva e participação económica em negócio; e a fusão da EDP com a Gás Natural, que defendeu, escorregou mal ocorreu.
É sobretudo das autoridades nacionais que vem o principal perigo para as aspirações de Mexia. Ao aparecer a promover nos corredores a concentração com os espanhóis, o gestor atravessou-se no caminho de um entendimento entre dois Estados, o português (que vendeu a EDP) e o chinês, que controla a China Three Gorges (CTG). E, ao disto tomar conhecimento, o primeiro-ministro, António Costa, dirigiu duas mensagens a Pequim: não via com bons olhos o negócio entre a EDP e a Gás Natural; estava confortável com os compromissos celebrados entre o anterior Governo e a CTG. E de Pequim veio um recado para o gestor: não lhe cabe “tratar de assuntos dos accionistas”.
Tudo parecia contra António Mexia. Mas António Mexia é António Mexia e há sempre um mas...
Por um lado, nos bastidores desencadeou-se a contagem de espingardas entre os fundos de investimento norte-americanos, accionistas da EDP, que apoiam o gestor e querem a fusão, e do outro, a CTG, que aos confrontos abertos prefere os compromissos. Sabendo que António Mexia dispunha de forças para desencadear uma guerra pública, a GTG mudou de estratégia e abriu a porta à sobrevivência de António Mexia à frente da EDP.
É o que se depreende de tudo o que tem vindo a público e é referido nos bastidores. E é o que demonstram os documentos e os depoimentos recolhidos pelo PÚBLICO junto de mais de 20 fontes independentes ligadas a diferentes sectores. E de tudo aquilo que se diz tiram-se conclusões.
A primeira é que Mexia está em todo o lado. A segunda é que é o símbolo de uma época marcada pelo culto da imagem, pelos interesses e pela ânsia de protagonismo. A terceira é que tem uma perspectiva pragmática dos negócios, própria de quem se dedica à política: acotovela quem lhe faz frente; abandona os que não são úteis. Só o poder convém, atrás deixa inimigos.
As qualidades estão lá. Uns vêem-no como um “génio” de técnica e de inteligência. E determinação. E que o tornaram, nas duas últimas décadas, um actor permanente da vida económica e política portuguesa. Para muitos, é o último discípulo de Ricardo Salgado em funções executivas ao mais alto nível.
E para esta visão contribuem vários episódios. Um deles decorreu na segunda metade da década passada, em Lisboa, no Hotel Pestana Palace, como o PÚBLICO relata mais adiante.
Qualquer que seja o juízo sobre o gestor há um dado inquestionável: tem história para além do GES, foi capaz de construir pontes com vários universos e espectros políticos diferentes. Surfou na crista da onda de duas grandes empresas na esfera do Estado, a Galp e a EDP, de sectores que tendem a ser monopolistas. De ministro das Obras Públicas de Pedro Santana Lopes passou a alinhar com José Sócrates. E nunca perdeu as características de banqueiro de investimento, com pouca sensibilidade ao interesse colectivo.
António Mexia aparece ainda no epicentro de acontecimentos que o enaltecem: lançou a fundação e o museu EDP, ícones da cidade de Lisboa. Mas os factos recentes fragilizam-no. E entre as zonas que despertam atenção está a conexão a António Moura Santos, um empresário comissionista da Galp e da EDP, de quem se tornou íntimo nos anos 80.
Definido em certos meios como o “cunhado de António Guterres”, e amigo de Ricardo Salgado, Moura Santos fez a ponte entre Mexia e Pina Moura e José Sócrates. E é aos quatro, e por esta ordem, Moura Santos, Salgado, Pina Moura e José Sócrates, que o líder da EDP deve a ascensão como gestor.
Para entender a resiliência de António Mexia num contexto em que muitos da sua geração caíram é preciso olhar para trás. E ter em vista que é um rosto da geração que preencheu o Compromisso Portugal com uma marca ideológica liberal. Aí pontuavam gestores de grandes empresas, de que não eram donos, e houve quem não se contentasse com um bom ordenado. O dinheiro e a influência sobrepuseram-se a tudo o resto.
Um liberal de bata branca
Na década de 80, nas faculdades, ou se era comunista ou anticomunista. Foi por esta altura que o economista António Borges, a dar aulas no Insead, a escola de Fontainebleau, França, se evidencia em Lisboa a falar de novas correntes, mais liberais. E António Mexia surge como docente (na Nova e na Católica) da cadeira de Economia Internacional.
“Como tinha estudado na Suíça, [Mexia] tinha a mania que era moderno, já gostava de ambientes glamorosos e descontraídos”, evoca um ex-aluno, hoje no mundo financeiro.
Nos tempos livres, Mexia dá-se a liberdades pouco habituais no meio académico. Recordam-no no ecrã da televisão de muitas formas. Uma delas é de bata branca a jurar que há um detergente com uma nova fórmula mais eficaz e económica para lavar a roupa, o Polo. Os dotes de comercial antecipam o que vai ser: angariador e promotor de negócios, vendedor de ideias e de sonhos.
Nos corredores da Universidade Católica é o diz que disse. Os mestres embaraçados: “Como é possível um docente fazer publicidade?” Um assistente da Católica lembra que os “professores mais novos ou se riam ou achavam-no ridículo”.
Hoje, Mexia justifica-se: “Comprei casa com crédito de emigrante e ganhava 25 contos por mês em cada faculdade. Pagava 35 contos da casa. Por cada anúncio, ganhava o equivalente a quatro meses do ordenado de assistente da faculdade.”
Em 1987, Aníbal Cavaco Silva garante uma primeira maioria absoluta e entrega a pasta do Comércio Externo a Joaquim Ferreira do Amaral, que convida para secretário de Estado Miguel Horta e Costa, que, a seguir, liga a António Borges, que sugere três nomes.
E um é o de António Mexia. “Era muito pró-activo, muitíssimo inteligente, pragmático na actuação, um óptimo relações públicas, com algum mundo, um trato muito fácil, bom relacionamento humano, sentido de humor. E os eventos eram um sucesso”, recorda Horta e Costa. E entre 1985 e 1991 é a este adjunto que confia os eventos para captar investimento estrangeiro.
Quando o presidente da Colômbia Virgílio Barco Vargas desafia os empresários portugueses a cooperarem no projecto de ligação do Atlântico ao Pacífico através de caminho-de-ferro, Cavaco Silva pede a Ferreira do Amaral que organize uma ida a Bogotá.
Mexia e Moura Santos conhecem-se
No avião está António Moura Santos, que compra carvão à Colômbia e tem como clientes a EDP e o IPE-Instituto de Participações do Estado, presidido por Faria de Oliveira, hoje na Associação Portuguesa de Bancos. E é quem recorda Moura Santos: “Era um negociador perspicaz, que cria empatia com o cliente.”
Mais tarde Moura Santos dirá que foi esse o momento em que conheceu António Mexia. Hoje não é possível olhar para a carreira do presidente da EDP sem pensar em Moura Santos, que, na gíria anglo-saxónica, é o que se designa “um comissionista”.
E é na viagem a Bogotá que Miguel Horta e Costa o reencontra: “O Tó Mané Moura [António Moura Santos] tinha conhecimentos em Bogotá, onde nos apresentou a grandes empresários locais.”
Mas foi na Europa que Moura Santos se revelou mais útil. “Como o Tó Mané era [e é] muito próximo do filho do maior amigo de Andreotti, o Andreotti recebe-nos em duas ocasiões distintas”, recorda Horta e Costa. E é o chefe do Governo italiano, que em 1995 foi condenado a 24 anos de cadeia, que lhe apresenta os donos da Parmalat que, em 1993, vão comprar a Vigor [da UCAL – União das Cooperativas de Leite de Lisboa]. A Parmalat faliu dez anos depois e os proprietários foram presos.
O início dos anos 90 são de dinamismo e todos os dias é um dia diferente. É neste período que a equipa de Horta e Costa vai a Detroit falar com a cúpula da Ford e à Alemanha, onde se encontra com a da Volkswagen. E começa ali o projecto Autoeuropa. Quem participou nas reuniões tem esta opinião: “Tecnicamente o António [Mexia] superava os outros nas questões da negociação, tocava as patilhas todas.” A mesma fonte sorri, a recordar: “Mexia dizia-nos: ‘Vamos dar tudo escrito ao Horta e Costa que ele lê e depois faz tudo bem.’”
“Sempre que um investidor industrial estrangeiro vinha a Portugal era a mim que se dirigia, apesar de os contratos serem assinados na esfera do Comércio”, lembra o ex-ministro da Economia e da Energia Luís Mira Amaral. Algo que gerou confusão. “O assessor de comunicação do Ferreira do Amaral [João Líbano Monteiro, actual dono de uma das maiores empresas de comunicação em Portugal] montou um grande show para passar a mensagem de que era o Joaquim [Ferreira do Amaral] que arranjava o investimento estrangeiro, o salvador da pátria, e que eu ia ser corrido do Governo.” Mira tem memória: “Quando o meu assessor de imprensa [António Mocho] refilava, o Mexia e o Líbano diziam-lhe: ‘Eh pá, isso veio do gabinete do primeiro-ministro.’”
“O Mexia e o Líbano [Monteiro] ficaram conhecidos como ‘o duo maravilha’”, os mentores de uma network jornalística, recorda Mira Amaral.
Aproveitar as missões empresariais oficiais para fazer negócios não é proibido. E o Presidente da República à época, Mário Soares, dirige ao seu homólogo venezuelano, Carlos Andrés Pérez, uma carta a recomendar os serviços de Moura Santos. E é nesta fase que o ex-ministro da Indústria ouve falar pela primeira vez do comissionista e pede as coordenadas a António Mocho: “Vende carvão colombiano em toda a Europa, é amigo do António Martins da Cruz [então assessor diplomático de Cavaco Silva] e de Mexia, e é cunhado do António Guterres.” E Mira Amaral recebe-o: “Foi disponibilizar os bons ofícios para quando fosse necessário, pelas excelentes relações no domínio da energia e dos carvões.” “Quando o Joaquim Silva Correia, que liderava a EDP, substituiu o responsável pelas compras de carvão da empresa, o Moura Santos telefonou-me a dizer que era um erro, e eu disse-lhe que a decisão cabia ao presidente da empresa, e não ao ministro.”
Antes de sair do Governo, em 1991, Horta e Costa designa António Mexia vice-presidente do ICEP, que entra em desarmonia com o número um, António Alfaiate, a quem falhava “no reporte institucional”, evoca o responsável político à época.
Uma estrela para o BESI
“[Tempo depois, com o Governo de Cavaco Silva a implodir de escândalos] o Mexia veio dizer-me que não se revia no cavaquismo e pedir para sair do ICEP”, conta Fernando Lima, assessor do então primeiro-ministro.
Na linha da frente para chefiar a Grupo Espírito Santo (GES) estivera José Roquette a quem falta um apelido. E é em Ricardo [Espírito Santo] Salgado que a família delega a sua condução.
Certa tarde, Salgado telefona a Horta e Costa, então na ESI (BESI): “Temos acções da Marconi [Portugal Telecom (PT)] e queremos ter voz na privatização e o BESI vai apoiar.” O banqueiro informa o seu interlocutor de que recrutou “duas estrelas para o grupo, o António Mexia e o António Carrapatoso”, e a ambos confia a área das telecomunicações. A banca de investimento está em ascensão e atrai os jovens seduzidos por Wall Street.
A 25 de Julho de 1995, a privatização da PT é ganha pelo BES, assessorado pelo BESI.
Acontece que, em 2015, no âmbito das investigações ao GES, Brian Henderson, do BES Miami, manifesta disponibilidade para facultar ao Banco de Portugal dossiers que o supervisor remete para as autoridades norte-americanas, como confirmado ao PÚBLICO. Entre outras coisas, Henderson conta ao Banco de Portugal que “nos anos 90, na privatização da PT, António Mexia se movimentou junto dos bancos de investimento norte-americanos a pedir apoio financeiro para financiar partidos”.
BESI monta operações de Moura Santos
“O banco montava as operações do Tó Mané e o Manuel Serzedelo [CEO do banco] é que as apresentava ao Salgado, sem referir o nome do cliente. Como o Mexia sabia que os dois se conheciam, diligenciou um almoço entre eles”, relembra um administrador do BESI.
Um dia, os directores Luís Pacheco de Melo, futuro responsável financeiro (CFO) da PT, e Francisco Cary, hoje na CGD, foram chamados à administração: “Há um cliente que precisa de crédito para comprar carvão à Colômbia, vão falar com ele, é amigo do Salgado e do Mexia.” E Moura Santos sugere uma ida à Colômbia para tomar o pulso ao negócio. Pacheco de Melo confirma o encontro no escritório de Moura Santos, mas este não se lembra de nada.
É a partir do almoço que Mexia promove a relação entre Salgado e o empresário, que se aprofunda, mantendo-se ainda hoje.
Moura apresenta Mexia ao superministro
Em Outubro de 1995, com a subida ao poder do seu cunhado, António Guterres, o nome de Moura Santos chega à ribalta. No Governo a voz forte é a de Joaquim Pina Moura, que o comissionista conhece bem.
Já em 1998, o ministro da Economia arranca com um plano para o sector da energia e dá o primeiro passo em Janeiro com a troca de participações entre a EDP e a espanhola Iberdrola, que Pina Moura virá a liderar em Portugal mais tarde.
Mais adiante, Moura Santos espera na sua casa, na zona de S. Mamede, em Lisboa, por dois convidados, António Mexia a Pina Moura. Na ementa está o sector da energia. Em Abril, Mexia é nomeado presidente da GDP e da Transgás e o presidente da EDP, António Almeida, demite-se e faz-se ouvir: “Vão correr comigo porque tentei pôr travão nos negócios do Moura Santos.” Em seu lugar, Pina Moura coloca Mário Cristina de Sousa.
É no grupo GDP que Mexia se cruza pela primeira vez com o ex-secretário de Estado da Energia Henrique Gomes, à época administrador em fim de mandato. No quadro da reestruturação da empresa, Gomes procura Mexia, o novo CEO, com uma oferta de aquisição para os activos que estavam à venda. Fica à espera que Mexia o contacte, mas o negócio é entregue a terceiros.
Confrontado com a informação, Gomes não a quis comentar, pois é do passado. Por seu turno, Mexia não se lembre de nada e até “seria estranho que ele [Gomes] chegasse à empresa de onde saiu a propor comprar activos, o que configuraria conflito de interesses”.
A 25 de Outubro de 1999, no seu segundo mandato, Guterres confia a Pina Moura duas pastas: Economia e Finanças. A acumulação de responsabilidades é interpretada como reforço de confiança de Guterres no seu ministro e a garantia de que as mudanças no sector da energia se vão aprofundar.
Mexia chega a CEO da Galp
Na viragem do milénio, a GDP (gás) e a Petrogal (petróleo) são colocadas sob uma holding, que se designa Galp SGPS, com um presidente, Bandeira Vieira, e dois vice-presidentes, Mexia e Manuel Ferreira de Oliveira.
E arranca a discussão sobre o novo projecto empresarial, com dois príncipes a defenderem os reinados. Duas visões e duas gerações: Ferreira da Amaral, com 51 anos, privilegia a exploração e a refinação, e Mexia, com 42 anos, a relação com o consumidor e o foco na distribuição e no gás.
A estratégia de Pina Moura inclui a venda de 33,34% da Galp à italiana ENI, que pretende com o seu investimento garantir o gás e a distribuição. Os pormenores do contrato abriam a porta ao controlo da Galp pela ENI, o que levanta interrogações – as reacções chegam nos meses seguintes.
A primeira em Junho de 2000. “Ao verificar que o acordo dava o controlo à ENI, coloquei o meu lugar à disposição”, diz Ferreira de Oliveira, para quem “a relação com António Mexia foi sempre cordial”. “Mas compreendo que ele defendesse a sua gente e o negócio do gás.”
Quem também quer saber pormenores sobre o que se está a passar é o então Presidente da República, Jorge Sampaio, que confronta António Guterres.
A 14 de Setembro de 2000, Pina Moura é substituído na Economia por Mário Cristina de Sousa, que liderava a EDP. E à demissão de Ferreira de Oliveira segue-se, em Fevereiro de 2001, a do presidente da Galp, Bandeira Vieira.
Na petrolífera há agora uma máquina de propaganda que passa para a opinião pública que Ferreira de Oliveira e Bandeira Vieira são a velha guarda, que impede o sangue novo de avançar.
E é assim que Mexia se torna um dos raros gestores de topo a sentar-se na cadeira principal com pouco mais de 40 anos.
Ainda no primeiro trimestre de 2001, Guterres nomeia Rui Vilar chairman da Galp. E Vilar conta que tinha três missões: “Resolver a relação com a ENI, reduzir o fortíssimo endividamento, definir a estratégia para o sector da exploração e da produção de petróleo.”
Na lista de quem tem ideias Mexia fica à frente. Em regra os consultores fazem o que o cliente lhes pede. E Mexia leva à administração um estudo da McKinsey a sustentar a tese contrária ao que é o core business de uma petrolífera, a exploração e a produção. E começa a defender a venda dos blocos de Angola e do Brasil e a aposta na distribuição de combustível na Península Ibérica.
“O assunto foi de grande preocupação para Braga da Cruz [que entretanto já tinha substituído Mário Cristina de Sousa na pasta da Economia] e só a acção do Vilar impediu que a estratégia na Galp evoluísse”, admite Oliveira Fernandes, à época secretário de Estado da Economia.
Quando a 14 de Janeiro de 2002 a petrolífera se apresenta de cara lavada, cor laranja e uma única letra, “G”, Mexia anuncia uma nova fase de privatização inscrita na “estratégia ibérica”, com “uma fatia para os pequenos investidores espanhóis”. E o rosto da campanha publicitária é o futebolista Luís Figo, com um contrato de 4,5 milhões por quatro anos, e que mais tarde acabaria visado na Operação Furacão por lesar o Estado em 399 mil euros.
Santana e Mexia: almas gémeas
Para Diogo Vaz Guedes, amigo e ex-sócio de Mexia na Aquapura Douro, o gestor “vê longe e antecipa o futuro para aproveitar oportunidades”, o que explica que, a certa altura, se tenha conectado com dois políticos a caminho de São Bento. Um é José Sócrates, que se perfila para disputar a liderança do PS. E é Moura Santos que apresenta o deputado socialista a Mexia.
O outro é o social-democrata Pedro Santana Lopes, parceiro de Sócrates no debate político semanal na RTP, e presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz. E quando o autarca promove um colóquio sobre energia quem aparece para intervir é Mexia. Data daí uma bela amizade, de duas almas gémeas. É o que se verá.
A 23 de Janeiro de 2002, Santana Lopes vence as eleições autárquicas e torna-se presidente da Câmara Municipal de Lisboa – tem a seu lado o presidente da Galp.
A 6 de Abril de 2002, depois de António Guterres se afastar após a derrota nas autárquicas, Ferro Rodrigues perde as legislativas para Durão Barroso. O novo ministro da Economia, Carlos Tavares, tem de resolver um assunto: “Reequacionar a reorganização do sector da energia, que entrega a João Talone.” E tem duas preocupações: “Desfazer o acordo com a ENI e impedir o desmantelamento da Galp.”
A pedido de Jorge Sampaio é organizado na Ordem dos Engenheiros um debate sobre energia. “Quando o Sampaio aparece, a sala está cheia e senta-se na primeira fila. E a estratégia do Pina e do Mexia para a Galp enfraquece”, conta Mira Amaral.
Desmantelamento da Galp é travado
Eis senão quando, a 2 de Maio, Rui Vilar é substituído como chairman da Galp por Joaquim Ferreira do Amaral, que havia sido derrotado nas presidenciais por Jorge Sampaio. Passado pouco tempo Ferreira do Amaral dá uma entrevista ao Expresso, em que anuncia que a Galp já decidiu vender os poços de petróleo e fechar as refinarias. As declarações surpreendem o ministro da Economia, que não as validara e até as desaprova.
A reacção de Carlos Tavares fala por si. “Ia nesse sábado a uma conferência e quando os jornalistas colocam a questão a resposta foi que o accionista [o Estado] não tomou qualquer decisão.” A seguir, o ministro chama Ferreira do Amaral e António Mexia à Horta Seca.
A segunda-feira seguinte é agitada. Tavares ouve as explicações de Ferreira do Amaral: “A Galp não tinha dimensão para ter uma presença forte na produção.” E a Tavares Mexia diz: “A Galp ganha mais num litro de cerveja do que num litro de gasolina.”
Paulo Pinho, assessor do ministro, ouve do CEO da Galp: “O Bloco 14 [em Angola] dá apenas para abastecer 20 bombas de gasolina em Lisboa.” Mexia esquece um detalhe. E importante: as prospecções, nomeadamente ao Bloco 14 (que se vai revelar um dos mais valiosos), mal tinham começado, é cedo para tirar conclusões.
Por unanimidade, especialistas na área petrolífera consultados por Tavares rejeitam a estratégia de Mexia, que incluía ainda desactivar a refinaria de Leça de Palmeira para construir um empreendimento no local, tendo o apoio de Narciso Miranda, o autarca de Matosinhos.
“O Governo impediu o fecho da refinaria, não só por não fazer sentido, como se veio a provar, mas também porque esvaziava o pólo industrial de Estarreja”, observa Paulo Pinho, hoje professor universitário. Algo que não era importante para o líder da Galp. O académico recorda mesmo o que Mexia lhe dizia: “‘Não me cabe manter a funcionar as fábricas dos Melos no pólo industrial de Estarreja [que dependiam da refinaria].’”
“Como nunca apresentou razões conclusivas, o Governo considerou toda a estratégica sem lógica e não a autorizou”, confirma Paulo Pinho, que calcula que “em 2017 mais de metade do valor da Galp tenha origem na área dos blocos” – os que iam ser vendidos “a preços de saldo e que agora valem entre sete e oito mil milhões de euros”.
Na Rua de S. Bernardo, em Lisboa, sede do GES, a comissão da venda dos activos petrolíferos da Galp dava jeito. É que foi à Escom, do GES, que a venda foi encomendada. E na Escom Moura Santos tem gabinete e secretária. E um grande amigo: Luís Horta e Costa, sócio de Hélder Bataglia, visados nos escândalos dos submarinos e na derrocada do GES.
A reorganização do sector da energia que João Talone queria levar por diante é tudo menos pacífica e não convence Mexia, que detecta uma evidência: a EDP vai ganhar poder (pois fica com o sector do gás) e reduz a concorrência. E prejudica a Galp, na qual as sinergias entre gás e petróleo são óbvias. E o diálogo torna-se de surdos.
E a 8 de Maio de 2003 os receios de Mexia aumentam com Talone a assumir a liderança da EDP. E a relação de Moura Santos com a empresa de electricidade altera-se. Versão número um, que é a de Talone: o contrato de fornecimento de carvão que a empresa tinha com o intermediário foi interrompido. Versão número dois, que é a de Moura Santos: em 2003 a EDP já não era sua cliente.
Seja como for, a entrada de João Talone na EDP mexe no statu quo. São substituídos os assessores de imprensa, chefias de departamentos, entre outros. E Talone começa a receber chamadas anónimas com ameaças. O assunto ganha tamanha gravidade que este responsável se dirige a S. Bento para denunciar as pressões a Durão Barroso, que as ignora. Pelo contrário, Jorge Sampaio indigna-se e pede à Procuradoria-Geral da República que investigue. E, de um momento para o outro, os telefonemas cessam, mas deixam um rasto de dúvidas. “Nunca falei da minha passagem pela EDP, não vou falar agora”, declara Talone, hoje à frente de um fundo de investimento, sem desmentir o incidente.
Geração Compromisso Portugal
Na manhã de 10 de Fevereiro de 2004, ao Convento do Beato está a chegar a geração de gestores que acaba de ascender ao poder nas grandes empresas, ou dele se aproxima. E que se consideram os líderes de então e os líderes de amanhã.
Estão todos ali para participar na primeira conferência do Compromisso Portugal, um projecto político que se veio a designar “neoliberal”. E com protagonistas: António Mexia, Galp, António Carrapatoso, Vodafone, Diogo Vaz Guedes, Somague, Alexandre Relvas, Logoplaste, Zeinal Bava, PT, Antonio Horta Osório, Santander (agora Lloyds).
E se lhes perguntam por centros de decisão nacionais, interrogam-se: “Mas o que é isso?” À comunicação social Mexia recusa um Estado “proteccionista”, pois o que importa é o preço a que o produto chega ao consumidor, a remuneração do capital. Ao espanhol Expansion, no entanto, declara: “Há que defender um certo proteccionismo ibérico para manter os centros de decisão das empresas energéticas.”
Mas ali, no Beato, só há um génio. E chama-se Rafael Mora, o organizador do evento e que com o sócio Nuno Vasconcelos lidera a empresa de head hunting Hidrick Struggles e mais tarde a Ongoing. O plano é simples: com as portas abertas das grandes empresas, estas contratam-nos para “caçar crânios”, que depois de recrutados lhes entregam trabalhos. Nos anos seguintes, Mora e Vasconcelos aparecem nas comissões de remunerações a fixar os vencimentos dos órgãos sociais, por exemplo na EDP, PT ou BCP.
A Mora e a Vasconcelos, como a muitos outros da mesma geração, a vida não vai, no entanto, correr bem, como o tempo viria a demonstrar. Hoje já ninguém fala do Compromisso Portugal.
Moura Santos conversa com Salgado
Naquela Primavera de 2004, Salgado está em Genebra a trocar impressões com Moura Santos sobre quem deve substituir Horta e Costa na PT. E ouve o conselho: “Sei que não vais querer, mas devias ir buscar o Mexia.” O banqueiro está relutante, não diz que sim, nem que não. Semanas depois, volta a pedir a opinião ao amigo, que insiste em Mexia. Moura Santos acaba a replicar: “O que tu queres é um yes man. Então deixa lá estar o Miguel [Horta e Costa], que faz a vontade a toda a gente.” “E ficou o Miguel até à chegada de Henrique Granadeiro”, relembra hoje o comissionista.
A 17 de Julho de 2004, Barroso vai presidir à Comissão Europeia e Santana Lopes, que tinha tido o apoio de Mexia na Câmara de Lisboa, entra em São Bento. E delega em Mexia a pasta das Telecomunicações e Obras Públicas. Mira Amaral ironiza: “Face ao que ia fazer na Galp, [Mexia] foi castigado ao ir para um governo do Santana. Mas o Sampaio meteu lá o Barreto [Álvaro] para os travar.”
Quem se mantém na esteira do novo Governo são Mora e Vasconcelos, ainda muito influentes. E a quem, naquele período, é dado acesso às grandes empresas tuteladas por Mexia.
A 3 de Setembro de 2004, a revista Sábado traça o perfil do ministro das Obras Públicas e dos vários depoimentos feitos há um a memorizar: “Mexia e Santana são parecidos na preocupação com as questões de comunicação e visual.”
No final de 2004, quando Cavaco Silva já prepara a candidatura a Belém, a imprensa especula sobre o substituto de Jardim Gonçalves no BCP. Ora, só tem poder quem tem uma agenda de contactos e a sabe usar. E Moura Santos prevê que Santana Lopes não vai cumprir o mandato até ao fim e que Cavaco será o próximo Presidente. E telefona a Fernando Lima.
A conversa é sobre banalidades, mas acabam a falar de um amigo: “O Cavaco levantaria dificuldades se o nome do Mexia surgisse para substituir o Jardim Gonçalves?” O ex-assessor comenta “que Cavaco sabe que o Mexia saltou do barco, em 92, a dizer que não se revia no cavaquismo e o estilo também não lhe agrada”.
Ao PÚBLICO Fernando Lima prefere “não se pronunciar sobre o que [foi conversado]”. Mas ao sondar Cavaco diz que “este ficou em silêncio”.
E é em Paulo Teixeira Pinto, ex-subsecretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros de Cavaco Silva, que Jorge Jardim Gonçalves delega o poder no BCP.
Mexia e o “mensalão”
O próximo episódio é daqueles que, é claro, hoje todos desejam apagar. No epicentro está o publicitário brasileiro Marcos Valério, visado no “mensalão”. Para Horta e Costa “o Valério soube que o consórcio PT-Telefónica tinha interesse em ficar com a Telemin e teve receio de perder a conta. E fez a aproximação à PT e à Telefónica”. E quando Salgado pede a Horta e Costa que atenda Valério, o CEO da PT achou natural e recebeu-o durante “não mais de 15 minutos”.
O tempo suficiente para ouvir o publicitário transmitir que “tinha informações sobre políticos do Brasil” e, por qualquer razão, Horta e Costa parte do princípio que podem interessar ao ministro das Obras Públicas. E é Horta Costa que relembra agora que “o António recebeu o Valério, mas não mais de cinco minutos, cumprimentaram-se e pôs-se a andar, pois tinha um almoço”.
Não obstante, Valério embrulha todos no megaesquema de corrupção ao testemunhar que a PT e o BES pagaram ao Partido dos Trabalhadores a troco de favores nos negócios no Brasil. O processo é arquivado e reaberto em 2017.
O presidente Sampaio considera que Santana Lopes não tem condições para ser primeiro-ministro. Mas, antes de o demitir, o ministro da Economia, Álvaro Barreto, tem uma tarefa a completar: regulamentar os “custos para a manutenção do equilíbrio contratual”. E adia as contas finais para o mandato seguinte. Perante a iminente convocação de eleições, António Mexia surge como redactor do programa eleitoral do PSD.
Salgado recusa Mexia para a Vivo
No dia 12 de Março de 2005, Sócrates é eleito primeiro-ministro e na PT Horta e Costa ainda é o presidente. E sugere a Ricardo Salgado que “o António [Mexia] seria um bom CEO da Vivo [operadora brasileira da PT-Telefónica]”. Salgado continua com dúvidas: “Não sei... acabou de sair do Governo, e as relações com o Sócrates podem não ser boas.” E Horta e Costa tira a conclusão: “Se o Salgado confiasse no Mexia, teria anuído. Acho que unha com carne só com o Granadeiro.”
No final de 2015, o destino de Talone na EDP está selado. É o que Mira Amaral constata durante um almoço, no Hotel Altis, com José Penedos, da REN, de quem ouve o desabafo: “O que seria bom é que eu fosse para CEO da EDP e você [Mira] para chairman.”
Dias depois, a 15 de Setembro, interrogado pelo Negócios à parte, se está disponível para chefiar a EDP, Penedos clarifica: “A minha resposta, quando tiver de ser dada, é aos accionistas.” A verdade é que Penedos não faz a mais pequena ideia de como se movimentam os interesses nos bastidores.
A relação de Mexia com Moura Santos não basta para fazer de Mexia o que ele é hoje, gestor de topo. Mas foi graças a este amigo que Mexia chegou à Galp e hoje está onde está na EDP. Naquela fase de transição, pós-saída do governo, Mexia anda abatido, e ao vê-lo naquele estado o comissionista recomenda: “O Sócrates sempre gostou de ti, vai falar com ele.” O gestor hesita, mas Moura Santos relata o que lhe sugere: “Diz-lhe que gostavas de ser CEO da EDP.”
A fronteira entre o que é ideologia e o que são os interesses é porosa. E, quando estes estão em causa, não há idealistas. Ano e meio depois de ir ao Beato defender a separação entre o que é do foro privado e o do público, Mexia tenta uma jogada arrojada. Entra em S. Bento para falar com José Sócrates. Conversam. Um amigo dos dois conta como terá reagido o primeiro-ministro: “Disse-lhe que, se ele não tivesse colaborado no programa eleitoral do PSD, estaria no seu governo.”
Amorim recusa pequeno-almoço com Mexia
Quando, a 7 Dezembro de 2005, Américo Amorim adquire à EDP as acções que esta tinha na Galp, Mexia convida o industrial para um pequeno-almoço, recordam colaboradores do Américo Amorim, adiantando o que este lhe disse: “Pequenos-almoços só em casa.” É preferível almoçarem. Mas o almoço não corre como esperado. No grupo, ouvem Amorim referir-se ao gestor pelo “Mexias”. Ao regressar à empresa, o industrial comenta: “O Mexias tentou convencer-me a não contratar o Ferreira de Oliveira. E eu respondi: ‘Ó meu amigo, nas minhas empresas mando eu.”
Informado do diálogo, e especialmente de quem partira, Ferreira de Oliveira fica a pensar no que fazer. Sabe-se agora, estava indignado com o que classifica de “ruído”.
Se houve tentativa de o anular, ela não tem consequências, pois, daí a meses, Amorim convida Ferreira de Oliveira para regressar à Galp. Quando chega, o gestor ordena uma auditoria às áreas de aprovisionamento e de trading e apura que estão sem controlo e, aparentemente, de forma intencional. E o responsável, em funções interinas, nunca mais é visto.
A parte difícil vem a seguir. Esquecer o episódio talvez não seja a intenção de Ferreira de Oliveira, pois entrega a Amorim um dossier sobre a gestão anterior. Se há algo que o industrial não é é ingénuo. Exclama: “Ó homem, guarde-o, que pode ser preciso mais tarde!” E a partir dali a Galp torna-se no que é hoje: uma das maiores empresas, mais petrolífera, menos distribuidora. Ferreira de Oliveira declinou comentar factos “do passado”.
Interesses colocam Mexia na EDP
Em S. Bento José Sócrates tem um plano de sucessão para a EDP, que altera, quando recebe os accionistas privados, nomeadamente Paulo Teixeira Pinto (BCP), Vasco de Melo (Brisa) e Ferro Ribeiro. E que manifestam vontade de ter uma palavra decisiva na escolha do próximo CEO da empresa de electricidade. Sócrates pede três alternativas.
No BCP, Teixeira Pinto tem problemas para resolver. Um deles está na operadora de rede fixa Oni (23%) moribunda, uma parceria com a EDP (56,6%) e a Brisa (17,8%), accionista do BCP e da EDP.
Se nada fizer, o banqueiro terá de reconhecer imparidades acima de 500 milhões de euros. Então, aposta em Mexia para substituir Talone na EDP e esperar que este resolva a questão.
E, nos últimos dias do ano, o frenesim dispara. Como tem o sentido comercial próprio de um banqueiro de investimento, Mexia arranca em roadshow. As palavras são perfeitas. E regozija-se ao perceber que a vida está facilitada. “Os accionistas ficaram todos fascinados, nisso é imbatível”, opina Moura Santos. De regresso a S. Bento, Teixeira Pinto leva o nome que já tinha na cabeça: António Mexia.
Entre o Natal e o Ano Novo, torna-se óbvio para Talone que perdeu o lugar. Antes de se render, escreve o comunicado de saída no qual classifica de inadmissível que “um dos mais importantes concorrentes da EDP”, a Iberdrola, possa vir a estar representada na gestão”. Isto, porque é uma solução em cima da mesa.
“O Pina só aceita apoiar a nomeação de Mexia depois de ter o compromisso de que a eléctrica entregava à Iberdrola o sector das renováveis e lhe abria a porta da administração”, recorda um advogado. Não resulta. E a culpa não é da Iberdrola. “Ainda hoje, o Ignacio Galan [presidente da empresa espanhola] e o Pina se dizem traídos por Mexia e alegam que ele se comprometeu a tomar as decisões que não tomou. E, se o fez, fez bem”, observa uma fonte da empresa, pois “o Mexia sabia que o futuro estava nas renováveis”.
Quem também se está a mexer nesta fase é o então ministro da Economia, Manuel Pinho: “O António de Almeida detestava o Pina Moura [que em 1998 o substituíra na eléctrica por Mário Cristina de Sousa] e propus ao Sócrates que o Estado o indicasse para chairman. Sabia que ele não ia deixar passar nada.”
Com Mexia na EDP, o BES entra
A 5 de Janeiro de 2006, Manuel Pinho confirma Mexia como CEO da EDP por proposta dos privados e António Almeida como chairman. E Mexia vai buscar o CFO, Nuno Alves, ao BCP.
Menos de 24h00 depois, a 6 de Janeiro, no quadro da estratégia de ter presença em empresas onde está o Estado para se articular com ele, o BES assume-se accionista estratégico da empresa de electricidade ao lado do BCP. Os tubarões vão comer a sardinha, que é a CGD, também accionista da EDP e do BCP.
A 1 de Fevereiro de 2006, o BCP e a EDP reforçam os capitais da Oni em mais 210 milhões de euros que utilizará a verba para reduzir endividamento para 300 milhões de euros. Leia-se, pagar aos bancos.
No final de Junho, a EDP comunica que vendeu a Oni à Win Reason, private equity norte-americana, mas o acordo só é fechado no ano seguinte. E o encaixe é de 160 milhões de euros. Antes a EDP vai comprar as acções do BCP e da Brisa na Oni por um euro cada e assumir as dívidas bancárias da Oni junto dos principais credores. E o BCP divulgará, no final de 2006, lucros de 780 milhões.
A 13 de Julho de 2006, na primeira reunião do conselho geral e de supervisão (CGS), chefiado por António Almeida, António Mexia apresenta um estudo da Mackenzie com os mercados prioritários: Portugal, Espanha, Brasil, EUA, Grécia e Turquia.
O tema suscita discussão. Desde logo pela presença da Grécia e da Turquia. E o administrador não executivo Diogo Lacerda Machado estreia-se a defender que, a par de Portugal, do Brasil e dos EUA, a EDP deve olhar para Angola, Moçambique e para a China.
A simples referência ao gigante asiático gera uma sonora gargalhada de Eduardo Catroga, que agora explica ao PÚBLICO porquê: “O mercado chinês não tem estabilidade política, regulatória e fiscal. A EDP seria um mosquito na China.”
A gala EDP que não correu bem
A ânsia de visibilidade acompanha quase sempre os grandes executivos, o que se acentua porque estes se rodeiam de assessores que só pensam nisso. Tal como o BES e a PT, Mexia monta na EDP uma máquina de propaganda central na estratégia de promoção do chefe, que, entretanto, se torna exímio no jogo da comunicação social. E a celebração dos 30 anos da EDP é a oportunidade de brilhar.
A 12 de Dezembro de 2006, no Campo Pequeno, há um espectáculo com transmissão directa pela RTP, mas o evento não corre como previsto quando o anterior líder da EDP João Talone é ovacionado de pé pelos trabalhadores da empresa de electricidade.
A política e os interesses andam muitas vezes de mãos dadas. O ministro Manuel Pinho tem em cima da mesa a prorrogação do prazo de exploração das barragens da EDP e a revisão dos CMEC. E tudo depende de Mexia, que pede ajuda a João Manso Neto, chefe da EDP Renováveis. E é Manso Neto que encaminha um email para Mexia com “o draft da RCM [resolução do Conselho de Ministros] que [a EDP propôs] ao Governo”.
Pelo detalhe, percebe-se que a informação não é para sair dos computadores. Mas é o que vai acontecer depois de a Polícia Judiciária entrar, já este ano, na EDP e se deparar com esta documentação e outra, como a que foi trocada entre a gestão de Mexia e a equipa de Pinho.
Não é fácil imaginar Portugal em 2007, um país que irradia optimismo: um governo e empresários hiperactivos. No iate Clube, na Urca, no Rio de Janeiro, um advogado dirige-se a um gestor: “O Tó Mané e o Mexia andam para aí a fazer compras para a EDP de centenas de milhões de euros.” E um deles explica ao PÚBLICO: “A EDP comprava as distribuidoras de electricidade e quem aparecia na primeira fase era o Moura Santos a tratar dos detalhes.”
“Não é verdade. Negócios com o Mexia? No Brasil? Zero”, afiança Moura Santos, que se declara grande amigo do CEO da EDP. Tão amigo que foi a ele, Moura Santos, que a meio de uma disputa de partilhas com Mexia a outra parte lhe foi bater à porta: “Tenho esta questão para resolver com o teu amigo, trata dela.” E Moura Santos tratou.
De tudo o que sabe, do que Moura Santos pode ser acusado não é de rebentar com a caixa dos clientes, pois não acede aos seus orçamentos. Mas de poder ter estado omnipresente em negócios com grandes empresas com presença estatal, em que pode, ou não, ter sido privilegiado.
Lacerda Machado interroga Mexia
Na área externa, a prioridade da EDP é o sector das renováveis, em grande crescimento. E a 27 de Março de 2007 a EDP está nas primeiras páginas dos jornais económicos internacionais. Um fundo do banco Goldman Sachs (GS) vende à EDP o grupo Horizon Wind Energy (ex-Zilkha) por 2,9 mil milhões de dólares.
Quando estão em causa operações desta dimensão, é difícil não pensar nas comissões que envolvem. E a história demonstra que suscitam quase sempre dúvidas e tensões, pois, para facilitar os arranjos ou evitar dificuldades futuras, entram em campo os intermediários.
A ligação de Mexia a Moura Santos continua a intrigar os amigos e a confundir os colaboradores. Os rumores de que possa estar associado à operação aumentam de volume quando se começa a falar nas mais-valias que o fundo da Goldman arrecadou, de 700 milhões. Questionado pelo PÚBLICO, Moura Santos tem palavras prontas: “Zero ligação. Acha que a GS necessita de mim para fazer estas operações?”
“É absolutamente falso”, certifica Mexia, que só se refere ao banco norte-americano e nunca ao fundo que efectivamente negociou a transacção: “Houve um concurso internacional e foi uma equipa da EDP liderada por um dos actuais membros do conselho que lidou com o GS. Não houve ninguém envolvido numa ligação directa entre eles e nós.” Com a compra da Horizon “a EDP Renováveis é cotada em bolsa e ganhou massa crítica. Hoje, vale mais de um terço do valor da EDP”.
Meses depois, os membros do CGS viajam para Oviedo, sede da EDP Renováveis, para um encontro descentralizado.
As actas do CGS da EDP são cada vez mais longas, incluem pormenores. E isto porque um dos membros, o socialista Vital Moreira, assim aconselha: “É preciso que contem tudo, para se tornarem documentos históricos.”
Um relatório da Goldman, de Junho, refere que a venda da Horizon à EDP rendera ao grupo norte-americano a choruda mais-valia. Quem esteve em Oviedo conta que o assunto é colocado em cima da mesa por Diogo Lacerda Machado, que, entre uma questão e outra, interpela Mexia: “Como explica a mais-valia que o GS encaixou?” Mexia imobiliza-se e atira-lhe um olhar gélido – o que na linguagem corrente significa: ficas sem resposta.
“Ainda retenho o Lacerda de mãos esticadas em frente do rosto a fazer a pergunta e, naquele, instante fez-se um silêncio horrível na sala durante um bom pedaço de tempo que nem o António Almeida, sempre disponível para confrontar o Mexia, se atreveu a furar”, relata a mesma fonte. Ao ignorar o advogado, Mexia não tem o efeito desejado, pois a dúvida paira no ar durante o encontro.
Confrontado com o incidente em Oviedo, Lacerda Machado ficou calado, antes de dizer: “Esses factos para mim são o passado e deles não falo. Gostei muito de estar na EDP.”
O incidente em Oviedo, na prática, afasta Lacerda Machado de António Mexia, como fica expresso no episódio seguinte. Manuel Pinho aborda Sócrates a quem transmite que na EDP há reservas à presença de Lacerda Machado. E fá-lo no preciso momento em que se aproximam outros membros do executivo, que se lembram de Sócrates a interrompê-lo: “O Lacerda não sai.” Pinho não confirma a informação, até pergunta: “Nunca disse isso. Quem é o Lacerda Machado? Não sei quem é.”
Mexia à frente na guerra do BCP
Muita gente se interroga ainda hoje como foi possível ter acontecido o que aconteceu no BCP em 2007. E aconteceu por uma conjugação de factores: um banco que desde 2002 trabalha sem rácios adequados e, para suportar o desenvolvimento, cria offshores para ir ao mercado levantar artificialmente capital; um primeiro-ministro com vontade de aceder ao controlo do banco; uma geração, a do Compromisso Portugal, embriagada com o poder.
Na histórica guerra do BCP, no final de 2007, os executivos Paulo Teixeira Pinto, Francisco Lacerda e Castro Henriques aparecem na dianteira para afastar Jorge Jardim Gonçalves. E foi público que o rosto da ofensiva era António Mexia, enquanto líder da EDP, com capital no banco, coligado, através da CGD, com José Sócrates.
Ao estudar melhor o que ali se passa não há surpresas. Todos sabem que o potencial de destruição do banco é grande, mas fazem tudo às claras, diante das câmaras da TV. E a forma como Mexia usa o poder contra Jardim é agora analisada de vários ângulos: “Apoiou o Paulo por cumplicidade e paga de uma dívida de gratidão”; “queria presidir ao BCP”; “quis abrir caminho para o BES mandar no BCP”.
Numa primeira fase, em que tudo corre bem, o presidente da EDP (que tem 3% do BCP) alimenta a ideia de que é o porta-voz da renovação do banco e o “chefe” da orquestra que o vai modernizar é Teixeira Pinto.
Mas daí a meses, a 15 de Setembro de 2008, o ambiente já é muito diferente. O BCP entra em dificuldades e assim que “o Paulo deixou o BCP e surgiram os problemas, o Mexia distancia-se e as responsabilidades começam a ser atribuídas à VdA, onde decorriam as reuniões”, conta quem se envolveu. “Depois houve zangas.”
Na EDP, a 6 de Março de 2009, Vítor Franco, membro independente do CGS e da comissão de auditoria, demite-se, questionando os lucros de 1,1 mil milhões de euros contabilizados nas contas de 2008. O valor que considera correcto é de 686,9 milhões, mas nesse caso os accionistas não teriam recebido tantos dividendos (512 milhões de euros) e a remuneração variável dos gestores de topo teria sido fortemente reduzida.
É por esta altura que também Vital Moreira sai da EDP para se candidatar pelo PS ao Parlamento Europeu.
Pinho: das barragens aos bovinos
Com o Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico aprovado, Manuel Pinho anuncia a construção da “mãe de todas as barragens”, a do Baixo Sabor, agora sob investigação. Um investimento de 450 milhões de euros e conclusão prevista para 2013. A obra é adjudicada ao consórcio luso-brasileiro Lena e Odebrechet.
A 2 de Julho de 2009 o ministro Manuel Pinho torna-se a diversão do dia quando, a meio do debate sobre o estado da nação, se transfigura em bovino, colocando os dedos indicadores colados à testa. O gesto é dirigido ao comunista Bernardino Soares e difunde-se rapidamente pelas redes sociais, pondo fim à sua carreira política.
O ministro vai tratar da vida. E de regresso ao BESI, onde não o querem, Pinho anda nervoso. Para o acalmar, alguém intervém. E Pinho anuncia que é professor visitante da Universidade norte-americana Columbia.
Sondado por esta escola para patrocinar um mestrado na área das energias renováveis, o CEO da EDP considera o pedido normal, como explica uma fonte: “A EDP é líder do sector das energias renováveis nos EUA e em Columbia leccionam docentes de primeiro nível.” E a empresa de electricidade doa 1,2 milhões de euros.
Contrariando o bom senso, pois seria razoável antecipar problemas, Pinho podia ter dito: “Não peçam dinheiro à EDP.” Mas não o fez e os destinos de Pinho e de Mexia interligam-se agora no Ministério Público, já que alguém tomou nota do diálogo que se segue.
Sem imaginarem que estão a ser escutados, Pinho e Sócrates discutem planos futuros na Universidade de Columbia. E Pinho diz a Sócrates: “Deve fazer aqui [Columbia] um programa que envolva países de expressão portuguesa [...]. Vem p’ra cá, com um conjunto de 15 pessoas, eh pá, (...) são dez dias... eh pá, de... lavagem ao cérebro (...).”
Sócrates pergunta o óbvio: “Sim, e quem financia?” Pinho descreve a regra em situações daquelas: “Preciso de um financiador brasileiro…. Vai financiar a FLAD e uma empresa portuguesa, eh!? Em princípio vai ser o... o... o banco BPI. Em Angola é a Câmara de Comércio de... Luso- -Americana de Luanda, eh? (...) Digo-lhe uma coisa: o programa até pode arrancar financeiramente sem... sem a história do Brasil.” Pinho admite que o valor possa “ser 100 mil, ou 150 e os outros vão dar 150 mil euros... não é? E aquilo fica a funcionar, ah... pá, tranquilissimamente essa coisa toda. (…) Só p’ra nós conseguirmos formatar um bocadinho as ideias duma certa elite, não é?” Nada mais natural, portanto. A conversa gravada foi revelada pelo Correio da Manhã já este ano.
Hoje Pinho descodifica o diálogo: “O Sócrates queria vir falar com uns professores e em Columbia, e em Columbia disseram-me que se era para falar com professores lhe emprestavam um gabinete.”
Salgado já tem o CEO da EDP
No final da década passada, no Hotel Pestana Palace em Lisboa, a EDP tem convidados para jantar. Quem se senta na mesa de António Mexia são os responsáveis nacionais e estrangeiros das entidades envolvidas. Estão delegados do BCP, da Caixa BI, do BESI. E outros. O ambiente é de descontracção. Há, todavia, uma surpresa guardada. O episódio foi relatado ao PÚBLICO por duas fontes independentes: “O António contou que quando o Ricardo [Salgado] lhe disse que o GES se queria reforçar na EDP, lhe perguntou: ‘Para quê, se já tens o presidente?’” Todos se riem.
“É absolutamente ridículo. Isso não se passou. Se há algo de que não posso ser acusado é de ser capturável, muito menos pelo BES. As ironias têm que ter graça e essa é estúpida”, defende-se Mexia.
Por seu turno, Ricciardi, à data dos factos líder BESI, diz que não se recorda, mas que voltaria a ligar ao PÚBLICO – o que não fez. Já Jorge Tomé, então à frente da Caixa BI, desvaloriza o episódio como sendo "do passado e não passou de uma ironia".
Privatização da EDP avança
Em Junho de 2011 Sócrates vê-se obrigado a deixar S. Bento praticamente escorraçado por todos. Até pelo grupo dos gestores do Beato a que deu a mão. E quem se muda para S. Bento é Pedro Passos Coelho.
O ministro da Economia à época, Álvaro Santos Pereira, tem como secretário de Estado Henrique Gomes. Recolhido no seu gabinete, Gomes reforça a impressão de que a EDP é beneficiada em várias frentes. E a acção é imediata. Propõe ao ministro rever as regras do sector.
Ao antecipar as tormentas, António Mexia vai ter com Vítor Gaspar, ministro das Finanças, a quem alerta para o impacto das mudanças equacionadas na Economia: “São impensáveis, desvalorizam a EDP, geram incerteza.” Quem assiste à conversa entre Gaspar e Mexia é o chefe de gabinete do ministro, Pedro Machado, que o vê “preocupado, pois nos planos do Governo está a venda até final de 2011 da posição de 21,35% do Estado na EDP”.
Depois deste encontro tudo se acelera para concretizar a privatização. A expectativa é a de que a decisão final seja tomada em Dezembro, em Conselho de Ministros. Com a Eletrobras desclassificada, sobram a CTG e a alemã E.ON.
Entre a entrega das ofertas e a decisão final, os lobbyistas mexem-se. O Financial Times avança que a chanceler alemã, Angela Merkel, promove a E.ON junto de Passos Coelho, a quem telefona várias vezes.
Enquanto isto, algures entre Lausanne e Genebra, na Suíça, onde vive, Moura Santos está novamente a almoçar com Ricardo Salgado, que o consulta: “Quem é que achas que vai ficar com a EDP?” O comissionista emite um juízo: “Se a negociação for política, quem ganha é a empresa alemã.”
E é esta avaliação que justifica que Mexia ponha as fichas todas na E.ON, para onde se dirige nas vésperas de o Governo fechar a privatização. “O Mexia foi à Alemanha tentar que subissem o valor, mas como os alemães atribuíam alta probabilidade a que o desfecho lhes fosse favorável mantiveram o preço”, conta quem esteve envolvido.
De tão complexo, o processo Monte Branco desdobra-se em vários inquéritos. E um relaciona-se com a privatização da EDP, segundo o livro do jornalista, António Vilela, Apanhados.
Imaginemos o escândalo que seria se um banqueiro procurasse o primeiro-ministro para o condicionar. Para o Ministério Público é isto que Ricciardi tenta fazer, mas este diz que nada se passou de ilegal.
Como amigo de Passos Coelho, o presidente do BESI, que estava a assessorar os chineses, mantém prerrogativas. Não tantas quanto possivelmente gostaria. Ao saber que Gaspar queria a E.ON e que Mexia tinha ido à Alemanha, pergunta a Passos Coelhos se já tem um vencedor. Recebe raspanete: “Não aceito que coloque a questão. A proposta que vencer será a que os assessores considerarem que melhor defende os interesses do Estado.”
As respostas de Ricciardi aos interrogatórios do Ministério Público, em 2013, falam por si [Luís Rosa, A Conspiração dos Poderosos]. O próprio banqueiro evoca que, ao ser interpelado por Rosário Teixeira, por suspeita da prática do crime de tráfico de influências, disse: “Senhor procurador, por acaso também vai arguir a chanceler Merkel por tráfico de influência?"
Catroga fala com Passos antes da decisão
A 22 de Dezembro espera-se que o Governo decida. Assim acontece. Mas antes, ao início da manhã, o social-democrata Eduardo Catroga entra em S. Bento para uma conversa privada com Passos Coelho. A reunião só arranca depois.
Como esperado, Gaspar defende a solução E.ON com argumentos: Portugal está em pleno resgate; a Alemanha é o maior contribuinte; a dimensão o investimento é prova de confiança.
Mas para Passos “a melhor proposta, pelo preço, é a da CTG”. Um entendimento que boa parte dos ministros apadrinha.
Só nessa altura Mexia percebe que foi excessivamente optimista e não se preparou para a vitória da CTG. Talvez fosse tarde. Ou não. Para Mexia nunca é tarde.
Na quarta-feira, 28 de Dezembro de 2011, Cao Guangjing, dirigente da CTG, está em Lisboa para assinar o acordo. Ciente de que Mexia teve conversas com os alemães, o chinês entra no BESI furioso, é como o recorda Ricciardi: “Vou ter uma audiência com o primeiro-ministro e vou dizer que o CEO da EDP não se manterá, pois considero incompreensível o que se passou.”
“Mexia quase chora”
Na época Ricciardi e Mexia ainda são bons amigos e o banqueiro nota: “A CTG disse que vinha para a EDP fazer uma parceria com os outros accionistas e ia cair mal se a primeira decisão fosse afastar o CEO.” Antes de sair, o gestor chinês faz nova confissão, espontânea: “Vou ao primeiro-ministro e se ele abordar o assunto não lhe esconderei a opinião.”
Assim que Guangjing sai, Ricciardi conecta-se: “Ó António [Mexia], isto está mau...” Do outro lado ouve um gemido. Ricciardi sugere: “Eh pá, vem cá para falarmos...”
Preocupado com o que acabara de ouvir, Mexia dirige-se ao BESI. E Ricciardi observa que se lembra dele “quase a chorar”: “Estou lixado, pois o Pedro [Passos Coelho] não pode comigo. Eh pá, tens de falar com ele para ele não dizer mal de mim.” A pedido de Mexia, o banqueiro volta a ligar ao primeiro-ministro, que se mostra hesitante quanto ao que fazer, mas, por fim, esclarece-o: “Não me vou meter.” É o que Ricciardi quer ouvir.
Com os primeiros dias do ano chega o milagre. Na visita de cortesia a Passos Coelho, Guangjing espera que o primeiro-ministro introduza o tema da governação da EDP, o que não se verifica. E é o silêncio que decide e Mexia começa logo a trabalhar.
E... Mexia fica na EDP
Depois de a 3 de Janeiro de 2012 o Jornal de Negócios avançar que “Mexia continuará a ser presidente executivo, mas com outra equipa”, a assembleia geral da EDP, habitual em Abril, é antecipada para 20 de Fevereiro. A entrada da CTG só se formaliza em Maio.
E Mexia garante mandato por mais três anos. Quem também fica satisfeito é Eduardo Catroga, eleito chairman, mas só depois de os accionistas aprovarem mudanças nos estatutos para lhe permitir manter-se na EDP para além do limite dos dois mandatos. E Catroga torna-se sinólogo.
A 12 de Março de 2012, o secretário de Estado da Energia, Henrique Gomes, demite-se a denunciar o “lobby da energia”. Instado a comentar, Gomes optou por nada dizer.
Um membro do anterior Governo concede: “O Henrique Gomes podia ter razão e falou num estudo da Universidade de Cambridge, mas havia desconfianças por andar na tertúlia do Mira [Amaral] que defende o nuclear.”
Dois meses depois de Henrique Gomes ter saído do Governo, em Maio de 2013, o Ministério Público começa a investigar uma queixa anónima sobre as condições em que os CMEC foram revistos pela EDP e a decisão de alargar para 26 anos os direitos de exploração da EDP em duas dezenas de barragens.
Americanos assustam chineses
Nos meios financeiros a impressão é a de que Salgado fez uma análise errada dos tempos. A crise revela-se mais profunda e prolongada e Passos Coelho não o vai ajudar. Em Dezembro de 2013 o BES, a necessitar de liquidez, reduz a sua posição na EDP de 2% para 1%.
O capital da EDP está a mexer, o que pode dever-se a conversas que o CFO da EDP, Nuno Alves, tem tido com fundos e em que os anima a comprar acções. E do nada nascera a narrativa de que a CTG pode vir a lançar uma oferta pública de aquisição.
A pouco e pouco, os fundos de investimento norte-americanos accionistas da EDP vão aumentando a sua posição e ficam em quase igualdade com a CTG, que mantém a sua posição inalterada. Mas em Pequim sente-se a ameaça. E, perante o sinal, a 12 de Novembro de 2015 um novo accionista chinês, com 2% (neste momento tem 3%), aparece na EDP. Trata-se do grupo Guoxin (CNIC). E o departamento de mercado da EDP dá o alerta à CMVM de que o investidor é da República Popular da China. E a conexão com a CTG é evidente.
Em Outubro último, a CTG volta a reforçar o seu capital, detendo agora pouco mais de 23% da empresa de electricidade.
Tudo corria de feição para Mexia. É agraciado por Cavaco Silva com a Ordem de Mérito Empresarial. Inaugura a nova sede da EDP na Avenida 24 de Julho, uma obra orçada em 57 milhões de euros e que tem a assinatura de Manuel Aires Mateus, o recentíssimo vencedor do Prémio Pessoa. Mexia planeia ainda outro investimento, este de 20 milhões de euros, a inaugurar a 5 de Outubro de 2016, o novo Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia (MAAT), da arquitecta britânica Amanda Levete, junto ao Tejo. Ambas as obras se tornam rapidamente ícones da capital.
Mas se 2016 foi um ano bom para Mexia, o ano seguinte é muito diferente.
No início de 2017, o Ministério Público dá redobrada atenção à denúncia que lhe chegara em 2012 sobre os CMEC e os contratos assinados entre o Estado e a EDP para a exploração de 26 barragens. E interroga-se: será que o facto de Pinho ter confiado e discutido com a EDP os termos dos acordos é o pagamento de um favor, a doação de verbas à Universidade de Columbia onde é professor visitante?
No primeiro dia de Junho de 2017 causa estranheza a ausência de Mexia em Chantilly, na Virgínia, onde decorre o 65.º encontro anual do grupo Bilderberg. E isto deve-se, segundo fontes da EDP, a razões de ordem familiar.
Acontece que, por mero acaso, a 2 de Junho de 2017, a polícia aparece na EDP com a faca nos dentes.
Uma lição que Mexia aprende cedo é que a influência se ganha com poder e protagonismo. E é isto que tem em comum com Ricardo Salgado, só que o banqueiro já não está em funções. E ele, Mexia, pelo contrário, contínua no activo. Porém, a sua imagem de que tanto cuidou é afectada quando é constituído arguido por suspeita de corrupção.
Os especialistas da direcção de marketing e comunicação são chamados a encontrar a fórmula para esvaziar o ruído. A EDP convoca para a semana seguinte uma conferência com direito a transmissão directa pelas televisões.
Terça-feira, 6 de Junho. O CEO tem toda a comissão executiva consigo e ao seu lado estão o presidente da EDP Renováveis, João Manso Neto, e o líder do CGS, Eduardo Catroga. Mexia esforça-se por parecer sereno, mas o traquejo de 20 anos a falar não lhe serve de nada.
Na defensiva, dois dedos em riste, refere “um processo com décadas”, de vários governos, e garante que “entre 2004 e 2007 não houve benefício para a EDP” e que a Comissão Europeia já investigou e concluiu “que a compensação paga era compatível com as condições de mercado”.
Os olhos piscam quando diz que não “aceita que com ligeireza se ponha em causa o bom nome da empresa e de pessoas”. “Não pondero a demissão”, declara. Mais corado do que o costume, Catroga confirma com a cabeça. Cruza e descruza os braços.
Desta vez, no final da conferência, Mexia não troca impressões com os jornalistas. Tudo o trai. Afasta-se, seguido de Catroga.
A 8 de Junho Mexia percebeu que não tinha o conforto de António Costa, que a discursar diz que “por experiência” sabe, por exemplo, que “a EDP tem manhas para contornar, por vezes com a indevida cobertura dos reguladores, o que é garantido”.
A 9 de Junho de 2017, o MP confirma o escrutínio da construção da barragem do Baixo Sabor, explorada pela EDP. Os prazos derraparam sucessivamente e o custo disparou 20%.
No Brasil, descobrem-se interesses sombrios. Em São Paulo, uma funcionária da Odebrecht, de um grupo de 50 dos que fecham acordo de delação premiada, anotara tudo e para isso ajudara o facto de trabalhar no gabinete de “operações estruturadas”, no qual se contabilizavam os pagamentos ilícitos. No quadro do processo Lava-Jato fornece detalhes sobre os alegados subornos que a empresa pagou na obra do Baixo Sabor, distribuindo de forma faseada mais cerca de um milhão de euros à margem da lei, diz O Globo. E é o que se investiga em Portugal. A defesa de José Sócrates já veio garantir que este não interveio na adjudicação e construção do empreendimento “da estrita competência da EDP”.
Mexia regressa a Pequim
Antónia Mexia tem plena consciência de que os chineses tiveram eco do que se passava em Lisboa. Então, numa tentativa de esvaziar hostilidades, vai explicar que, no quadro penal português, ser arguido não é ter culpa, pode ser uma protecção de direitos.
Nesse mês a EDP sublinha que Mexia tem viagem marcada para a China, onde se fará acompanhar da sua equipa, para, entre outras coisas, acordar pormenores da venda de activos da EDP Renováveis ao grupo CTG fechada a 30 de Junho.
No avião, o gestor tem o conforto do seu número dois, Manso Neto [o administrador que em 2003 recusou certificar as contas viciadas do BPN], também citado pelo Ministério Público.
Por aqueles dias, os dois são sombras do passado. E na CTG ainda se discute o que fazer com eles. Uma resposta pode chegar de muitas formas, e esta chega ao jantar, em registo chinês. A CTG faz a apologia da legalidade, sem aludir a nomes. De regressa a Lisboa Mexia admite que talvez não o reconduzam em 2018.
Mas Mexia dispõe de trunfos: os fundos de investimento que rivalizam no capital da EDP com a CTG – o que suscita a um banqueiro português um comentário: “Quando um pinto pia, é porque quer pôr o ovo.” Os próximos acontecimentos ajudam a compreender onde querem pôr o ovo.
Uma das formas mais baratas de comprar uma empresa é por fusão. E para convencer as partes que interessam, os bancos de investimento elaboram dossiers favoráveis. No final do segundo semestre do ano, os analistas dão por inevitáveis as concentrações na energia.
Algures em Espanha, o presidente da Gás Natural, Isidro Fainé (presidente da Fundação La Caixa, dona do CaixaBank que controla o BPI), tem nas mãos uma proposta para apresentar à EDP: o casamento.
Sendo a Gás Natural (GN) quatro vezes maior do que a EDP, a Fainé até lhe parece bem, pois já se imagina grande accionista de uma empresa maior. E a Gás Natural dirige-se a António Mexia. E este não é só sensível, como defende a solução.
Antes de partir para Pequim, um responsável da EDP encaminha-se para S. Bento, onde a expectativa é ser recebido pelo primeiro-ministro. Não tem à espera António Costa, que envia um assessor que lê a cartilha: o Governo não interfere em matérias de accionistas. Mas o primeiro-ministro fica indignado ao perceber que o gestor se esqueceu que na EDP havia um assunto entre Estados e decide comunicar com Pequim: “O compromisso assumido com a CTG pelo anterior Governo português é para cumprir.”
Com esta certeza, a CTG sabe o que fazer quando Mexia o procurar. Não estão contentes. E dizem-lhe que a junção da EDP com a Gás Natural não é boa ideia. E mais: não cabe ao CEO tomar iniciativas de accionistas. E o futuro de Mexia fica, mais uma vez, em dúvida.
Pelo meio chegam ao BCP recados que partem de S. Bento e de Belém: “Estejam descansados.” Leia-se, não haverá fusão.
À medida que os contactos deixam de ser reservados, no círculo íntimo da governação da EDP, Catroga fala alto: “O caminho da fusão é difícil de ultrapassar, pois os chineses já têm o que querem: acesso à tecnologia das renováveis, acesso ao mercado europeu.” Ao PÚBLICO o chairman garante “que a tentativa de namoro da Gás Natural morreu à nascença”.
No final de Julho, uma comitiva da CTG vem a Lisboa participar no CGS e falar com António Costa, que confirma estar satisfeito com a parceria com a CTG.
A audiência em Belém coincide com a reunião do CGS, na qual, como lembra um administrador, “a questão foi ventilada, pois estava na imprensa, mas não foi discutida. E o Mexia não se mostrou nem favorável, nem desfavorável”.
Um banqueiro ligado a um grupo estrangeiro atesta uma coisa: “O Fainé só avançou depois de ter consultado o chairman [Catroga] e se ter comprometido que manteria o CEO [Mexia] e o CFO [Nuno Alves] por mais um mandato, com pensões e indemnizações de saída pré-negociadas. É este o processo.” Mas Mexia diz que nunca falou com Fainé sobre este assunto, e não clarifica se o abordou com delegados do grupo espanhol.
A turbulência criada pela possível fusão deixa cicatrizes. A 7 de Outubro o Expresso fala em Francisco Lacerda, dos CTT, para substituir Mexia e, dois dias depois, o Jornal de Negócios refere que a CTG quer Lacerda Machado, que se excluiu: “Não tenho perfil para ser CEO.”
Finalmente, no dia seguinte, terça-feira, a CTG emite um comunicado de circunstância: “A CTG não está envolvida em qualquer tipo de discussão sobre alterações nos órgãos sociais relevantes da EDP para o próximo mandato.”
A crise accionista é iminente. Com a autoridade dos seus 60 anos, Mexia sabe que uma guerra suja na imprensa não convém a nenhuma parte. Os riscos que tem à frente são as desconfianças que as autoridades possam ter sobre si; as investigações criminais em curso e que podem levar a um acto judicial.
Mas tem talento para resistir e não se deixa levar pela estratégia chinesa. Na EDP os fundos norte-americanos são os seus amigos. E a CTG não tem acções suficientes para forçar uma solução que o exclua.
Então, começa um intenso diálogo de bastidores para esbater as diferenças, o que passa por nova contagem de espingardas. E, nesta fase, as partes cedem aqui e acolá para chegar a um entendimento, que pode estar a ser concluído com prazos na gestão mais curtos e valores milionários de saída.
Em Santana, Mexia tem um amigo
No Correio da Manhã, António Mexia tem um amigo comentador: Santana Lopes. A 24 de Novembro o candidato social-democrata elogia Mexia por este “rejeita subir o preço da luz, demonstrando forte sensibilidade social”. E ter dito “que a seca não levará ao aumento das tarifas que são definidas a nível ibérico”. É provável que, se Santana ganhar a liderança do PSD, o jogo mude. E Mexia consiga persuadir o político para as soluções que lhe convêm.
Mexia está habituado a gerir empresas sem ser dono do capital, e, do que se conhece, a única vez em que foi empresário, não teve sucesso. O investimento de 25 milhões que fez com Vaz Guedes na Aquapura Douro, considerado por Manuel Pinho projecto de interesse nacional (PIN), faliu. O sócio, porém, garante: “Ele é muito amigo do seu amigo. E sei quem é meu amigo e posso falar nisso. Ele honrou a 100% os compromissos.”
O seu dilema é o de todos os CEO preocupados com a imagem. E, ao ter entrado no jogo complicado da comunicação social, Mexia arrisca que as feras se soltem para o atormentarem. “Socialmente Mexia é um bicho de mato”, considera Vaz Guedes.
Se um dia vier a cair, não é por ausência de capacidade ou falta de habilidade, mas porque sempre quis estar um passo à frente dos outros. E esqueceu-se de olhar para o lado. Talvez esteja aí, no fundo, o problema.
Por estes dias, até ele é capaz de perceber que os últimos acontecimentos o podem ter fragilizado e levar a que perca o estatuto de grande gestor. Mas por enquanto tudo isto pertence ao futuro. E no futuro tudo pode acontecer. António Mexia é António Mexia. Para já, a única certeza é a de que as notícias do fim da sua era na EDP são manifestamente exageradas.