Costa e Cristas estão numa relação complicada
Não é de hoje e provavelmente será assim até ao fim. Resta saber qual dos dois se manterá mais tempo na liderança do partido, no caso de Cristas, e do Governo, no caso de Costa.
Tudo começou com um peixinho grelhado. Ainda em 2016, pouco depois de Assunção Cristas ter sucedido a Paulo Portas, e num debate quizenal em que discutiam as propostas do CDS-PP sobre envelhecimento activo, António Costa quis mostrar que está sempre disponível para conversar e recorreu à ironia.
Disse Costa, a partir da tribuna do Governo, que o secretário-geral "está sempre disponível" para conversar com a sua homóloga do CDS, seja no Largo do Caldas ou no Largo do Rato, sedes dos dois partidos, ou até "para a convidar para almoçar um peixe grelhado em nome do amor" de ambos ao mar. O primeiro-ministro nunca usara aquele tom para responder à oposição, o que desagradou a Cristas. A resposta foi seca. A deputada explicou ao governante que preferia ter aquele tipo de conversas em público.
Os meses passaram e a relação entre os dois não foi melhorando. Pelo contrário, a líder do CDS passou a esforçar-se para atacar António Costa e tirar dividendos políticos das suas reacções. Foi o que se viu no Verão. Num grande comício do PS, o secretário-geral dos socialistas referiu-se a Assunção Cristas como "aquela senhora" e foi duramente criticado. "Quero saber se aquela senhora que foi quatro anos ministra da agricultura e nada fez pela floresta e que hoje tanto fala, vai estar presente ou não [debate sobre florestas]", questionou Costa.
O eurodeputado do CDS Nuno Melo saiu em defesa da sua líder e perguntou se "o mesmo que se refere à presidente do partido como 'aquela senhora' é o mesmo que depois decide o que os meninos e as meninas podem ler em nome da igualdade de género". Também Francisco Mendes da Silva, dirigente centrista, reagiu no Twitter: “Imaginem um político da direita a referir-se a uma sua opositora como ‘aquela senhora’”, escreveu.
Em boa verdade, não é só o primeiro-ministro que trata a líder do CDS-PP com um certo preconceito. Há poucos meses, ainda antes dos incêndios de Junho, o ministro da Agricultura, seu sucessor na pasta, sentiu-se incomodado com o que considerou serem insultos proferidos por Assunção Cristas e disse: "Quem vê o mundo a fugir debaixo dos pés e tem muita dificuldade em compreender a nova situação política só pode recorrer ao insulto”. Nada de extraordinário para uma discussão política.
A seguir, contudo, Capoulas Santos mudou o tom. "Até sugeri que tomasse chá de tília, que é bom para os nervos, porque aparentemente o que ela tem estado a tomar nos últimos tempos é chá de urtigas, e esse azedume acaba por transparecer de uma forma que não se justifica”.
Um chazinho aqui e um peixinho grelhado ali sugerem, na verdade, que nem o primeiro-ministro nem alguns dos seus governantes têm consideração por Assunção Cristas. E pode haver muitos motivos para isso. A líder do CDS não tem sido branda para o Governo nos artigos que escreve no Correio da Manhã e dá frequentemente ouvidos ao Presidente da República nos reparos que faz ao executivo e nos temas que considera estarem a ser mal-tratados: de Tancos a Pedrógão, da Legionella ao Infarmed. Mas isso é política. E não há nada que Costa perceba, e faça, melhor.
No debate quizenal desta semana, novo episódio. Cristas dava gás à discussão sobre as "trapalhadas" do Governo e Costa ressentiu-se, trazendo à conversa os "artigozinhos" críticos da líder do CDS-PP no jornal. "Vossa excelência, ao estar na política como está, é que se desqualifica para qualquer consenso", disse, acusando Cristas de se servir dos "artigozinhos que publica na comunicação social" para "recorrer ao insulto" e sistematicamente desqualificar os adversários políticos.
Se estivéssemos no Facebook, era caso para dizer que Costa e Cristas estão numa relação complicada (um dos estados civis possíveis naquela rede social). Não é de hoje e provavelmente será assim até ao fim. Resta saber qual dos dois se manterá mais tempo na liderança do partido, no caso de Cristas, e do Governo, no caso de Costa.