Carregamentos rápidos de carros eléctricos pagos a partir de 2018
Governo pede à ERSE para rever em baixa tarifas de acesso às redes para a mobilidade eléctrica depois de comercializadores se queixarem que preços impedem que os carregamentos sejam competitivos face ao gasóleo.
Ainda não é este ano que os carregamentos de veículos eléctricos vão começar a ser cobrados. O início dos pagamentos nos pontos de carga rápida, que chegou a estar programado para o início do segundo trimestre, foi depois adiado para 31 de Julho, passou entretanto para o final do Verão e agora voltou a derrapar. Sem se comprometer com o início de 2018 para o arranque das cobranças, o Ministério do Ambiente assegurou ao PÚBLICO que “tal não acontecerá antes do final do ano”.
Trata-se de “um processo complexo, que envolve diversas entidades e empresas e essencialmente os utilizadores de veículos eléctricos”, explicou a mesma fonte. Se antes do Verão “foi consensualizado entre todos que não estavam reunidas as condições” para a transição para a fase comercial, chegados ao Outono ainda há muito por fazer. Por um lado, prosseguem os trabalhos de integração de sistemas entre os operadores da mobilidade eléctrica e a gestora da rede, a Mobi.e, e, por outro, o Governo está a tentar que a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) baixe as tarifas de acesso às redes de distribuição e transporte de energia eléctrica. Isto depois de os operadores se terem queixado que esta componente do preço final chegava a representar, em alguns casos, “mais de 60% do custo total de um carregamento” rápido (que assegura 80% da bateria em meia-hora), segundo fontes ligadas ao processo.
“Estamos neste momento a trabalhar com a ERSE para encontrar a melhor solução”, confirmou fonte do gabinete do secretário de Estado Adjunto e do Ambiente, José Mendes. Uma vez que as tarifas de uso das redes (cobradas aos consumidores de electricidade para remunerar a EDP Distribuição e a REN) têm um “impacto significativo no preço final” do carregamento, o Governo admite que “a revisão da estrutura e respectivos valores” dará “um importante contributo para o desígnio de uma mobilidade mais eléctrica e descarbonizada”. O desfecho do diálogo entre regulador e Governo deverá ser conhecido no final desta semana, ou início da próxima, quando a ERSE divulgar a proposta tarifária de 2018.
“O importante é assegurar que avançamos quando estiverem reunidas as condições adequadas”, quer porque a experiência para os utilizadores será “cómoda e simples”, quer porque todos os intervenientes, das empresas à ERSE e à Direcção-Geral de Energia e Geologia, (DGEG) “estão confortáveis”, sublinhou o presidente da Mobi.e, Alexandre Videira.
2600 carros na estrada
Segundo o presidente da associação de utilizadores de veículos eléctricos (UVE), Henrique Sánchez, há em circulação cerca de 2600 carros eléctricos (entre veículos 100% eléctricos e híbridos). Para este universo “ainda pequeno face ao parque automóvel, mas com grande potencial de crescimento nos próximos cinco anos”, existem hoje quatro comercializadores: a EDP Comercial, a Galp Power, a Prio Energias e a Elergone (que também são quatro dos dez operadores de ponto de carregamento, ou OPC, registados junto da Mobi.e).
No caso da Elergone, da Sonae, a mobilidade eléctrica é um projecto “para consumo interno”, circunscrito “às frotas e trabalhadores do grupo”, numa “perspectiva de aprendizagem e de serviço aos colaboradores”, assegurou fonte da empresa.
Caso diferente é o da EDP. Com mais de quatro milhões de clientes no mercado liberalizado (dos seis milhões de clientes de electricidade em Portugal), a empresa parte para esta disputa com larga vantagem face à concorrência. Questionada sobre a necessidade de revisão das tarifas de redes, a EDP, que já tem dez postos de carregamento rápido (seis em parceria com a Repsol), diz que é “essencial a existência de tarifários competitivos para assegurar a promoção da mobilidade eléctrica no país”.
A Prio, empresa de combustíveis que está registada na rede da mobilidade eléctrica “desde 2010” (e que já entrou no capital da comercializadora de energia Enforcesco, dona da marca YLCE, para poder construir ofertas comerciais mais competitivas), confessa que “está preocupada” com o atraso das cobranças, embora menos apreensiva “do que no início do ano, quando via as coisas permanentemente adiadas sem perceber porquê”. Agora, a empresa que tem 140 pontos de carregamento, incluindo nove rápidos, diz-se preparada para “investir de forma ainda mais visível na mobilidade eléctrica, mal se entre na fase de mercado”, segundo adiantou Carlos Ferraz, o responsável desta área de negócio.
Preços são uma incógnita
Atendendo à incógnita sobre as tarifas de redes, não se conhecem valores para os carregamentos nos postos rápidos (neste momento, segundo o Governo, são 45 em todo o país), mas em Fevereiro a EDP exemplificava que, a partir de 2018, “carregar 80% da bateria de um BMW i3 custará entre 2,3 e 3,1 euros” e que, no caso de um Nissan Leaf, o custo variará “entre 3,5 e 4,8 euros”.
A Galp, que nas suas áreas de serviço tem 12 pontos de carga rápida e promete para breve oito pontos adicionais e a duplicação da rede em 2018, espera que haja condições para começar a cobrar carregamentos “no início” do próximo ano. Mas avisa que a adesão dos clientes à mobilidade eléctrica “dependerá do valor das tarifas, e desde logo das tarifas de acesso à rede, que não dependem dos comercializadores”.
Além destas, dentro do preço final de um carregamento rápido terão ainda de caber a margem do comercializador (com que os consumidores estabelecem o seu contrato de mobilidade eléctrica) e as tarifas do OPC e da Mobi.e, a entidade que põe todos os sistemas a falar uns com os outros e tem de recolher, desagregar e tratar a informação dos utilizadores de cada ponto de carregamento para perceber a qual comercializador pertence e para definir que empresa factura o quê, a quem.
O Governo garante que “os trabalhos de integração de sistemas e de testes à operacionalização” destes fluxos de informação seguem “a bom ritmo”. A Galp diz que é preciso assegurar “a existência de sistemas de suporte que ofereçam garantias de segurança e fiabilidade” e pede “estabilidade e previsibilidade” para os investimentos futuros.
Além disso, a petrolífera destaca a necessidade de “equilíbrio e neutralidade tecnológica, ambiental e fiscal entre as diferentes opções de mobilidade para que haja uma verdadeira e saudável concorrência”. Os veículos eléctricos beneficiam de isenções fiscais (um veículo 100% eléctrico está isento do pagamento dos impostos sobre veículos e de circulação) e a electricidade está em vantagem face aos combustíveis tradicionais, que são fortemente taxados em sede de ISP.
Certo de que para as empresas continuará a haver “poucos incentivos” para investir na mobilidade eléctrica se não se passar à fase de facturação (neste momento os operadores pagam aos comercializadores, mas não podem cobrar aos consumidores), o presidente da associação de utilizadores de veículos eléctricos (UVE) Henrique Sánchez, nota que, além da questão do preço de uso das redes e da interoperabilidade entre sistemas, tem havido outros grãos de areia na engrenagem da mobilidade eléctrica, o que obriga ao diálogo entre muitas entidades, além da Mobi.e e dos operadores, como os municípios, a DGEG ou o Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMTT).
Aos problemas de certificação e licenciamento de alguns dos pontos de carregamento junta-se, por exemplo, a falta de equipamentos porque os fornecedores não têm stock suficiente, exemplificou.