Caso do inspector-geral do Trabalho chega ao Ministério Público
Em causa está a decisão do dirigente máximo da Autoridade para as Condições de Trabalho de divulgar internamente um documento com informações pessoais de uma inspectora.
O caso que envolve o responsável máximo da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), Pedro Pimenta Braz, que em Agosto mandou divulgar a todos os funcionários da instituição um documento que continha dados sobre o estado de saúde e a situação familiar de uma inspectora foi enviado para o Ministério Público. O PÚBLICO sabe que além de ter decidido instaurar um processo disciplinar ao dirigente da ACT, a Inspecção-Geral do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social também remeteu o caso para o Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa.
Em Agosto deste ano, Pedro Pimenta Braz mandou divulgar a todos os trabalhadores da ACT um despacho do secretário de Estado do Emprego a contrariar uma decisão que tinha tomado em relação ao pedido de mobilidade de uma inspectora. Juntamente com o despacho foi enviado para o mail dos funcionários o recurso hierárquico da trabalhadora, onde constam informações sobre o seu estado de saúde e a sua situação familiar, que tinham servido de suporte ao pedido de transferência para uma unidade local da ACT mais próxima da residência.
Confrontada com a divulgação da sua situação junto dos colegas, a inspectora apresentou uma queixa ao Ministério do Trabalho que a encaminhou para a Inspecção-Geral do próprio ministério. Depois de analisar o caso, a inspecção recomendou a abertura de um processo disciplinar ao presidente da ACT. O ministro do Trabalho, Vieira da Silva, seguiu a recomendação e deu instruções para que a inspecção desse início ao procedimento. Mas além da abertura do processo disciplinar, o PÚBLICO apurou que a Inspecção-Geral do Ministério enviou o processo ao Ministério Público.
Para o advogado e especialista em direito laboral, Fausto Leite, a decisão do dirigente máximo da ACT, além de violar a lei laboral, pode também “ser susceptível de configurar um crime de devassa da vida privada”, uma vez que “foram divulgados factos relacionados com a saúde e com a vida privada da trabalhadora”. O crime, lembra, está previsto no artigo 192.º do Código Penal e é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias.
“Quem, sem consentimento e com intenção de devassar a vida privada das pessoas, designadamente a intimidade da vida familiar ou sexual, divulgar factos relativos à vida privada ou a doença grave de outra pessoa, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias”, referiu o advogado, citando o artigo em causa.
Este facto só não é punível quando for praticado “como meio adequado para realizar um interesse público legítimo e relevante” e, alerta o advogado, poderá ser este o argumento usado pelo inspector-geral do Trabalho para contestar uma eventual acusação.
Além da devassa da vida privada, o especialista em direito administrativo, Paulo Veiga e Moura, considera que pode estar em causa o crime de abuso de poder. Contudo, tem dúvidas de que o processo “vá para a frente”.
“Pode não ter grande consistência, depende dos contornos, que nós não conhecemos”, acrescenta. No caso da devassa da vida privada, alerta, tem de se provar que havia a intenção de prejudicar a trabalhadora.
Nestes casos, precisa o advogado, “é normal haver uma sanção disciplinar” mas neste caso, por se tratar de um dirigente máximo de um organismo, tudo ganha outra dimensão.
Sindicato pede demissão
O Sindicato dos Inspectores do Trabalho (STI) não tem dúvidas de que a divulgação a todos os funcionários da ACT de um processo com os dados da inspectora “é inaceitável” e “configura uma situação de assédio moral gravíssima".
Para a presidente do STI, Carla Monteiro, o inspector-geral “só tem uma saída que é pedir a demissão com efeitos imediatos”. “Ele e os restantes membros da direcção”, acrescenta.
A dirigente considera “inaceitável” que a ACT, um organismo que tem como missão proteger os direitos dos trabalhadores, “tenha exposto a vida privada de uma funcionária, violando a lei laboral”.
“Andamos nós a fazer campanhas de combate ao assédio moral nos locais de trabalho e depois temos uma direcção que faz isto aos seus funcionários”, questiona a dirigente, alertando que dentro da instituição se vive "um clima de medo".
O PÚBLICO questionou o Ministério do Trabalho e da Segurança Social sobre se admite afastar o dirigente máximo da ACT, mas fonte oficial remeteu a resposta para as declarações que já tinha proferido na quarta-feira. “O Ministério apenas tomou conhecimento desta situação após denúncia efectuada directamente pela senhora inspectora da ACT para o e-mail institucional. A denúncia e respectivos elementos foram reencaminhados para a Inspecção-Geral do Ministério do Trabalho, Solidariedade e da Segurança Social para os legais efeitos”, disse na altura.
Também sobre a queixa remetida para o Ministério Público, fonte oficial não teceu quaiquer comentários.