Inspector-geral do Trabalho alvo de processo disciplinar por divulgar dados de saúde de funcionária

Pedro Pimenta Braz mandou divulgar a todos os funcionários da Autoridade para as Condições de Trabalho um documento com dados pessoais de inspectora.

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Pedro Pimenta Braz está à frente da ACT desde Janeiro de 2013 e termina o mandato no início do próximo ano Rui Gaudêncio

A Inspecção-Geral do Ministério do Trabalho e da Segurança Social abriu um processo disciplinar contra o responsável máximo da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), Pedro Pimenta Braz, por este ter mandado divulgar a todos os funcionários da instituição um documento que continha dados explícitos sobre o estado de saúde e a situação familiar de uma inspectora da casa.

Tudo começou no Verão de 2016, quando a inspectora da ACT apresentou um pedido de mobilidade interna para uma unidade local mais próxima da residência, alegando motivos de saúde e familiares detalhados com pormenor ao longo de todo o processo. O pedido foi recusado por Pedro Pimenta Braz, com o argumento de que tem de haver um número mínimo de trabalhadores nos serviços desconcentrados para que a ACT possa cumprir “de forma digna e eficaz a sua missão”, acrescentando que está em causa a prossecução do interesse público.

Confrontada, já no final do ano passado, com a recusa do seu pedido, a inspectora expôs o caso ao Provedor de Justiça – que lhe deu razão – e interpôs um recurso hierárquico junto do secretário de Estado do Emprego, Miguel Cabrita, solicitando a revogação da decisão do inspector-geral do trabalho. Ponderados os argumentos da trabalhadora e da ACT, o secretário de Estado revogou a decisão de Pedro Pimenta Braz e, num despacho com data de 28 de Junho de 2017, deu luz verde à transferência da inspectora para o local pretendido.  

E é a partir daqui que se desencadeiam os factos que deram origem à abertura de um processo disciplinar contra o responsável máximo da ACT – a entidade que tem como missão assegurar o cumprimento da legislação laboral em Portugal e a prevenção dos riscos profissionais.

Ao tomar conhecimento do despacho do secretário de Estado a revogar a sua decisão, Pedro Pimenta Braz mandou-o divulgar, juntamente com o processo de recurso hierárquico, aos subinspectores-gerais e a todos os dirigentes da ACT, com a indicação de que deveriam “dar conhecimento de todo este processo a todos os colegas das suas respectivas unidades orgânicas”.

No documento a que o PÚBLICO teve acesso, e que chegou ao mail de todos os funcionários da ACT, é possível identificar a trabalhadora em causa e conhecer com detalhe o seu estado de saúde e situação familiar.

Questionado pelo PÚBLICO sobre as razões que o levaram a divulgar o processo a todos os trabalhadores e sobre se a decisão tomada colide com as normas legais relacionadas com a reserva da intimidade da vida privada, Pedro Pimenta Braz não quis tecer quaisquer comentários.

Já fonte oficial do Ministério do Trabalho assegurou que só tomou conhecimento da situação “após denúncia efectuada directamente pela senhora inspectora da ACT para o e-mail institucional”. O gabinete de Vieira da Silva acrescentou ainda que “tanto quanto é do conhecimento do Ministério, é a primeira vez que ocorre uma situação como a denunciada”.

“A denúncia e respectivos elementos”, assegurou, “foram reencaminhados para a Inspecção-Geral do Ministério do Trabalho, Solidariedade e da Segurança Social para os legais efeitos”.

O PÚBLICO sabe que, depois de analisar o caso, a Inspecção-Geral do Ministério recomendou a abertura de um processo disciplinar ao presidente da ACT e que o ministro seguiu a recomendação, tendo dado instruções para que a própria inspecção desse seguimento ao procedimento.

Confrontado com o processo disciplinar, o dirigente máximo da ACT disse mais uma vez não ter nada a comentar, acrescentando apenas que a sua defesa “será feita nos locais próprios”.

O Código do Trabalho estabelece, no artigo 16.º, que tanto o empregador como o trabalhador devem respeitar os direitos de personalidade da contraparte, “cabendo-lhes designadamente, guardar reserva quanto à intimidade da vida privada”. E explicita que essa reserva abrange quer o acesso quer a divulgação ode aspectos relacionados com a vida familiar, afectiva e sexual, com o estado de saúde e com as convicções políticas e religiosas. É essa norma que, alegadamente, poderá ter sido atropelada e que estará na origem da queixa apresentada ao ministério e posterior processo disciplinar.

Fausto Leite, advogado e especialista em direito laboral, considera que o comportamento do dirigente da ACT pode configurar “a violação do direito à reserva da intimidade da vida privada, aplicável à função pública por força da lei 35/2014” e não afasta que possa também constituir um cirme de devassa da vida privada. Independentemente disso, acrescenta, a trabalhadora da ACT “pode ir a tribunal reclamar uma indemnização por danos morais, pela humilhação a que foi sujeita perante os colegas”.

Outro jurista, que pediu para não ser identificado, entende que “há aqui alguns princípios que podem ter sido violados”. Se o inspector-geral do trabalho queria deixar claro, no interior da organização, que  a decisão de conceder mobilidade à trabalhadora lhe tinha sido imposta pela tutela, acrescenta, “não era indispensável” ter divulgado informação médica ou de carácter pessoal da trabalhadora.

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