The Good Place: poderá alguém ser bom após a morte?
A segunda temporada da série cómica chegou ao Netflix. Com ela, veio também a primeira época, que ainda não tinha passado em Portugal.
O que é ser boa pessoa? Um ser humano decente, que faz bem àqueles que o rodeiam? É possível alguém errar, fazer um esforço, mudar e depois redimir-se? Como é que se aprende a ser bom? Será sequer possível? Poderá o que é bom ser na verdade mau? Estas são algumas das questões que a primeira temporada de The Good Place põe ao centrar-se na história de Eleanor (Kristen Bell), uma mulher que passou a vida a enganar e a ser egoísta e que, após morrer, acorda por engano numa espécie de céu. É o sítio que dá nome à série: o Lugar Bom, nas legendas em português. Neste paraíso ao qual só algumas almas realmente boas em vida têm acesso (as outras vão para o infernal Lugar Mau), há tudo o que, à partida, tornaria uma vida perfeita: poder comer e beber tudo o que se quiser sem consequências, casas à medida de cada pessoa ou almas gémeas previamente determinadas.
A série cómica da NBC saída da cabeça de Michael Schur, que passou por Saturday Night Live e pela versão americana de O Escritório – onde fez de Mose Schrute, primo de Dwight – antes de ter co-criado Parks and Recreation e Brooklyn Nine-Nine – recentemente também co-escreveu um episódio de Black Mirror –, chegou esta quinta-feira ao Netflix português. E, mesmo que seja muito diferente, vem com muito do ADN de comédia cheia de decência – são pessoas que nos fazem rir e com quem queremos passar tempo – e de inteligência, mas ao mesmo tempo sem medo da parvoíce, num registo que nunca trata o espectador como estúpido e que caracteriza as outras séries de Schur. Não se fazia uma comédia tão boa sobre a vida depois da morte e o que é ser boa pessoa desde 1991, ano em que o enorme Albert Brooks lançou Em Defesa da Vida, com o próprio e Meryl Streep como protagonistas, mas The Good Place é muito diferente desse filme.
Tanto os 13 episódios da primeira temporada, que ficaram disponíveis de uma só assentada, quanto o primeiro da segunda época, que se estreou na quarta-feira nos Estados Unidos, já estão acessíveis em Portugal. A partir da próxima semana, cada novo episódio, que vai originalmente para o ar na quinta à noite, ficará disponível à sexta-feira.
Um elenco brilhante
Parks and Recreation tornou-se uma série muito diferente na sua segunda temporada. Tal também acontece por aqui, se bem que por razões totalmente opostas. Parks demorou algum tempo de experimentação até chegar àquilo que a tornava especial, com Schur a não saber bem o que fazer com o talentoso elenco que tinha em mãos. Particularmente, a não saber como encontrar a forma certa de abordar as personagens. Em The Good Place, que tem bem menos episódios, Schur conta uma história de ficção científica mais elaborada, com muito menos ligações à realidade, passada num sítio sacarino e artificial. E, desta vez, Schur e os seus argumentistas, que incluem nomes que já trabalharam antes com ele, como cómicos de stand-up como Joe Mande (que este ano lançou o recomendável especial Joe Mande's Award-Winning Comedy Special), Megan Amram (que é bastante popular no Twitter e escreve livros e faz vídeos hilariantes sobre o sexismo e a ciência), ou Alan Yang (o co-criador de Master of None), não estão a experimentar nada: sabem perfeitamente o ponto de partida e o ponto de chegada.
É que, sem entrar em detalhes mais específicos, tudo na série mudou da primeira para a segunda temporada, algo que nunca ninguém previria tendo em conta as séries anteriores de Schur, pouco dadas a conteúdo que descambe em spoilers. O que não mudou foi o brilhante elenco. Surpreende pouca gente atenta que Kristen Bell, que esteve anos a ser a protagonista de Veronica Mars e foi a voz da misteriosa personagem que dava nome a Gossip Girl, a série que fez esta semana dez anos, ou a personagem titular em Forgetting Sarah Marshall, filme que em português saiu com o abominável nome Um Belo Par de... Patins (Bell envolve-se em muitos papéis que dão nome aos projectos) e Ted Danson, a estrela de Cheers, Aquele Bar que aqui faz de Michael, o arquitecto do Lugar Bom, e que é um dos melhores e mais talentosos actores televisivos de sempre, sejam óptimos tanto em comédia como drama. Mas a rodeá-los está um rol de pessoas com poucos créditos noutros lados, caras desconhecidas e frescas.
William Jackson Harper, que só tinha feito televisão para crianças e entretanto apareceu por breves momentos em Paterson, o filme de Jim Jarmusch, é Chidi, um filósofo que estuda ética e moral (o que o faz ser indeciso); Jameela Jamil, que era apresentadora de televisão, modelo e DJ em Inglaterra e nunca tinha representado antes, é Tahani, uma milionária filantropa que viajou o mundo inteiro; Manny Jacinto, que tinha feito uma série de espiões chamada The Romeo Section, é Jianyu, um monge budista que fez um voto de silêncio; e D'Arcy Carden, que tinha aparecido em séries como Broad City ou Crazy Ex-Girlfriend, é Janet, uma espécie de robô com conhecimento infinito que funciona como guia para o Lugar Bom.
A química entre estas pessoas todas funcionou logo, sem que tenham sido necessárias temporadas inteiras para chegar ao sítio. Séries cómicas como estas, tão boas logo à partida, não acontecem todos os dias. São tão raras como ser-se uma boa pessoa que chega ao Lugar Bom.