Disparidade salarial é “uma das maiores vergonhas em Portugal”

A secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade pede um “pacto social” para acabar com as diferenças entre o que ganham homens e mulheres no país. Até ao final do ano haverá nova legislação no Parlamento.

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Catarina Marcelino alerta que as mulheres estão pouco nas áreas das novas tecnologias e engenharias Rui Gaudêncio

As mulheres ganham em média menos 16% que os homens. Passam muito mais tempo a cuidar dos filhos. E estão sub-representadas em cursos de base tecnológica que serão o futuro do mercado de trabalho. O diagnóstico é de Catarina Marcelino, secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, que está apostada em mudar este estado de coisas através de uma série de iniciativas que o Governo tem em curso.

É a primeira vez que vai elaborar um Plano Nacional para a Igualdade enquanto secretária de Estado. Que diferenças vamos ver?
Queremos juntar as organizações não-governamentais à volta da mesa, os conselheiros e conselheiras dos ministérios na área da igualdade, e queremos também discutir prioridades. No âmbito dos anteriores planos nacionais para a igualdade tem havido alguma dificuldade em fazer isso, em definir prioridades. Os planos ao longo dos anos têm sido muito constantes e depois vão acrescentando coisas. Ora, os planos são de três anos, e ninguém faz tudo neste prazo de tempo, portanto tem que se definir prioridades.

O que é para si prioritário?
As questões do mercado de trabalho são para nós prioridade. Temos uma agenda neste momento que já foi apresentada aos parceiros sociais. A lei da paridade nas administrações das empresas é uma legislação que já está a cumprir essa agenda, porque achamos que é muito importante esse equilíbrio de género, como aconteceu na política [estabelecimento de quotas], agora a nível empresarial. Nas questões da disparidade salarial, estamos a preparar legislação que será apresentada até ao fim do ano, para sermos mais efectivos numa das maiores vergonhas que existem ao nível do mercado de trabalho em Portugal, que é a disparidade entre mulheres e homens ao nível salarial. As mulheres ganham em média menos 16% do que os homens. Ao nível dos quadros superiores, das pessoas mais qualificadas, esta diferença é de 26%. Enquanto sociedade não podemos tolerar isto, e enquanto governantes temos o dever e a obrigação de perceber que, se o Código do Trabalho já enquadra estas questões mas não é suficiente, temos que agir mais. Mas temos que agir mais com os parceiros sociais, porque se não houver um pacto social é muito difícil produzir a mudança.

O que está a ser negociado em concreto com os parceiros?
O nosso programa para o mercado de trabalho traz questões como a paridade nos lugares de decisão, a desigualdade salarial, a conciliação da vida familiar com a vida profissional. Se as licenças de parentalidade forem mais partilhadas, por exemplo, as mulheres são menos vistas como reprodutoras e os homens como produtores. Esta divisão sexual do trabalho é terrível e está muito enraizada na cultura do mercado de trabalho. Depois temos ainda a segregação profissional, que é uma coisa gravíssima muito condicionada pelos estereótipos de género, e que se reflecte particularmente em algumas áreas profissionais. As mulheres estão pouco nas novas tecnologias de informação, estão pouco nas engenharias, e isto tem reflexos complicados para o futuro do mercado de trabalho e para a empregabilidade das mulheres, porque no futuro a maior parte dos empregos passarão por estas áreas. Há que intervir e ter projectos a nível da educação para que as raparigas se interessem mais por estas áreas, assim como é preciso trabalhar mais com os rapazes para que os homens ocupem espaço na área do cuidar. A sociedade precisa de homens e de mulheres a fazer tudo.

Que sectores ainda têm problemas estruturais de disparidade salarial?
A cortiça e o calçado eram exemplos, há o têxtil. Mas o que me preocupa não são os sectores da indústria tradicional, porque esses estão identificados. As áreas que preocupam mais são aquelas que são mais genéricas, que têm que ver com os serviços, e que a própria precariedade laboral que hoje existe ajuda a que essa desigualdade seja maior. Há uma área que também era interessante estudar e que estamos a olhar com interesse, que é o turismo.

No ano passado houve 30 processos na Autoridade para as Condições do Trabalho contra empresas por questões relacionadas com igualdade e não discriminação. Como é que se combatem estas situações?
Os números são ainda assim baixos, e eu, pela experiência que tenho na área, acho que é difícil serem alguma vez muito altos. É difícil a prova, é difícil que as pessoas se disponibilizem para falar e para testemunhar, e muitas vezes há formas de esconder o problema. A inspecção tem que ter a igualdade de género como uma questão central da sua actuação, mas será mais eficaz se trabalharmos antes do problema. Temos que fazer com que as empresas integrem estas questões como elementos centrais da sua política de recursos humanos. Este é o caminho.

Que outras medidas concretas podem vir a ser aplicadas?
Neste momento há dois pontos em concretização. Um é a questão da legislação para a disparidade salarial, que até ao fim do ano esperamos ter no Parlamento. O outro é a questão das licenças parentais, em que já fizemos uma proposta ao Parlamento. Actualmente, há 15 dias obrigatórios para o pai e dez dias facultativos, a nossa proposta é retirar cinco dias dos dez facultativos e passar a 20 obrigatórios. O resto ficará para depois, porque é impossível construir toda esta agenda em simultâneo. O debate sobre a conciliação da vida familiar com a vida profissional acontecerá quando houver a discussão sobre a contratação colectiva na concertação social. É uma área que nós queremos debater dentro da contratação colectiva porque estamos convictos de que esse é o instrumento principal para criar compromissos entre trabalhadores e empregadores no sentido de melhor conciliação.

As questões de género têm entrado na campanha para as autárquicas?
Genericamente, pode não ser um tema central das autárquicas. Há mais mulheres candidatas às câmaras, apesar de eu achar que esse número ainda é muito reduzido. Nos próximos quatro anos, a Comissão para a Igualdade de Género [CIG], que é quem o deve fazer, tem que ter uma intervenção mais assertiva relativamente à necessidade dessa participação. O nível de mulheres presidentes de câmara está hoje nos 10%. É muito, muito baixo. É preciso fazer mais.

A CIG recomendou que livros da Porto Editora fossem retirados do mercado por reforçarem os estereótipos de género nas crianças. Era preciso ir tão longe?
A recomendação foi feita, e acho que esse tema está sobejamente discutido e debatido. A CIG fez o que tinha que fazer dentro do seu quadro legal e da sua missão. O debate que suscitou é positivo, porque é um tema muito importante e que normalmente não se discute. Mas mais importante do que a recomendação é dizer que as questões dos estereótipos de género são questões muito importantes sobretudo nas crianças mais pequenas, que nos marcam para a vida. E a verdade é que nos marcam enquanto mulheres e enquanto homens, porque a discriminação não é um problema só de mulheres. Não defendo que as pessoas sejam todas iguais, mas sim que tenham igualdade de direitos e possam ser o que quiserem ser. E esta questão aplica-se às questões de género, mas também a questões como a discriminação étnica ou racial, ou as condições das pessoas que vivem em zonas urbanas ou em zonas rurais. Devemos actuar para que a desigualdade seja esbatida ao máximo, e a nova estratégia para a cidadania contribuirá certamente para que isso aconteça. com Margarida David Cardoso

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