Ex-assessor de Netanyahu aceita ser testemunha contra primeiro-ministro
Polícia israelita confirmou que chefe de Governo é suspeito de corrupção, fraude e abuso de confiança em duas investigações que correm há meses.
Pode ser o momento de viragem na carreira de Benjamin Netanyahu, que ganhou a alcunha de “primeiro-ministro Teflon” tal a sua impermeabilidade às suspeitas que foram surgindo ao longo dos 11 anos que já leva à frente do Governo de Israel. Esta sexta-feira, o seu antigo chefe de gabinete e membro do seu círculo mais próximo assinou um acordo para se tornar testemunha em duas investigações em que Netanyahu é suspeito de “corrupção, fraude e abuso de confiança”.
As duas investigações – conhecidas em Israel como casos 1000 e 2000 – decorrem há meses mas só nesta quinta-feira a polícia confirmou em tribunal que o primeiro-ministro israelita, que já foi várias vezes interrogado no início deste ano, está a ser tratado como suspeito. O gabinete de Netanyahu reagiu com um comunicado em que volta a rejeitar as “alegações infundadas” que atribui a “uma campanha para mudar o governo” que “está destinada ao fracasso”.
Essa não é, no entanto, a avaliação dos observadores. O jornal Ha’aretz escreve que dificilmente a polícia e os procuradores teriam assinado um acordo com Ari Harow – que irá cumprir apenas serviço comunitário e pagar uma multa de 194 mil dólares pelos crimes de fraude e abuso de confiança de que estava acusado – “se não acreditassem que isso lhes traria informação que irá reforçar ou mesmo permitir a conclusão das duas investigações contra Netanyahu”. Um outro assessor de Netanyahu, que trabalhou com Harow quando este foi chefe de gabinete do primeiro-ministro (primeiro de 2009 a 2010 e novamente de 2014 a 2015), disse à Reuters que o seu testemunho pode revelar-se “uma bomba”, tendo em conta o muito que ele sabe sobre a vida do primeiro-ministro.
Foi no telemóvel de Harow, que estava a ser investigado por suspeitas de ter usado o cargo público para beneficiar as suas empresas de consultoria, que a polícia descobriu a gravação de uma conversa entre Netanyahu e Noni Mozes, dono do jornal Yedioth Ahronoth e uma das “bestas-negras” do primeiro-ministro, em que este o tentava convencer a fazer uma cobertura mais amigável do seu governo, oferecendo em troca limitações a um diário gratuito rival que é notoriamente pró-governo – o “caso 2000”. Harow, um israelo-americano que liderou um dos grupos de financiadores do partido Likud nos EUA, terá também informações valiosas na investigação ao “caso 1000”, em que Netanyahu é suspeito de ter recebido sistematicamente prendas de milionários amigos, supostamente em troca de favores.
As más notícias para o líder da direita israelita, que é já o segundo primeiro-ministro há mais tempo no poder em Israel, surgiram dias depois de a mulher, Sara Netanyahu, ter voltado a ser ouvida numa investigação em suspeitas de uso indevido de fundos atribuídos à residência oficial do primeiro-ministro – um caso que se arrasta também há muito, mas que segundo a imprensa israelita estará prestes a ser concluído. E uma terceira investigação (o “caso 3000”) abeira-se perigosamente de Netanyahu: o seu advogado particular foi detido depois de se saber que representou o agente local do conglomerado alemão ThyssenKrupp que vendeu submarinos a Israel, o que levantou suspeitas sobre um negócio que custou mais de dois mil milhões de dólares ao Estado.
Até agora as principais figuras do Likud e da coligação que apoia o Governo têm-se mantido firmes ao lado do primeiro-ministro, mas a situação poderá alterar-se no caso de os investigadores pedirem que seja acusado – uma decisão que caberá em última instância ao procurador-geral Avichai Mandelblit, um antigo advogado militar que também integrou o governo antes de ser nomeado para Netanyahu para o actual cargo e que tem sido acusado pela oposição de lentidão na resposta às suspeitas que recaem sobre ele.
O Ha’retz adianta que uma eventual acusação poderá demorar meses, mas ainda assim Netanyahu arrisca-se a ser o primeiro chefe de Governo acusado por corrupção durante o seu mandato. Os últimos três foram investigados por fraude e Ehud Olmert chegou mesmo a ser condenado a um ano e meio de prisão, mas abandonou o cargo antes de a acusação estar concluída.