As cimeiras atraem mais violência quando são feitas em grandes cidades
A decisão da chanceler alemã, que escolheu Hamburgo, criticada pela polícia quando 160 agentes foram feridos.
Hamburgo tornou-se na sexta-feira numa cidade em estado de sítio: imagens de vídeos amadores mostravam grupos de manifestantes de negro, caras cobertas, a incendiar automóveis num subúrbio chique, um pequeno episódio num quadro geral de violência que levou as autoridades locais a pedir reforços para a polícia no terreno.
Sexta-feira à tarde, tinham sido feridos 160 polícias e um número indeterminado de manifestantes, com pelo menos 70 pessoas presos (vários estrangeiros: franceses, noruegueses, suíços, segundo o diário Die Welt). A polícia pediu reforços para a cidade para a qual já tinham sido deslocados 15 mil agentes, e pelo menos mais 700 estavam já a caminho, vindos de outros estados federados. A revista Der Spiegel citava uma nota interna da polícia classificando a situação como passível de chegar a “risco de vida ou ferimentos”.
“Tenho toda a compreensão por protestos pacíficos, mas manifestações violentas põem vidas humanas em risco”, disse a anfitriã, Angela Merkel.
“A maior preocupação é a segurança”, disse à agência Reuters um responsável sob anonimato antes do início da cimeira. “Se tivermos outra Génova, será um falhanço”, disse, referindo-se à cimeira do G8 em 2001, marcada pela violência e pela morte de um manifestante de 23 anos, atingido por um tiro da polícia.
As cimeiras atraem mais violência quando são feitas em grandes cidades, especialmente europeias, o que tem levado a que muitas vezes sejam feitas em estâncias turísticas longínquas e de mais difícil acesso – há dois anos, a Alemanha escolheu o remoto castelo de Elmau, para o encontro do G7. Uma das cimeiras mais pacíficas decorreu em Brisbane, na Austrália, para onde é mais difícil viajar, notou Julia Kulik, professora na Universidade de Toronto, ao site canadiano Global News.
“Muitos dos meus colegas, e eu, achamos incompreensível que outra grande cidade tenha sido escolhida depois do que aconteceu em Génova”, disse Jan Reinicke, da Associação de Polícia Criminal, ao diário britânico The Guardian. “Porquê Hamburgo e não uma floresta na Baviera?”
Angela Merkel escolheu Hamburgo pela sua tradicional abertura de cidade portuária, e terá ainda pretendido mostrar que em democracia é preciso tolerar protestos. O Governo apontou ainda a necessidade de uma grande cidade com capacidade para receber os convidados – 36 delegações com cerca de seis mil pessoas.
O diário conservador Frankfurter Allgemeine Zeitung questionava a decisão política: “O preço [da escolha de Hamburgo] é alto. Quão alto, depende do que se passar nestas 48 horas.”
Pareciam ter-se reunido condições para violência. Hamburgo já viu os mais variados protestos, alguns violentos (aqui, como em Berlim, o 1º de Maio foi durante algum tempo marcado por motins e não é assim tão raro que activistas de extrema-esquerda incendeiem carros) e é uma cidade onde coexistem instituições da esquerda militante como a Rote Flora e símbolos de poder económico e mediático como a revista Der Spiegel.
Por outro lado, nesta reunião do G20 há “um alinhamento de líderes controversos sem precedentes”, como dizia o Guardian: Donald Trump, Vladimir Putin, Recep Tayyip Erdogan – e numa cidade com uma grande população turca temiam-se ainda confrontos entre manifestantes pró-curdos e pró-Presidente turco. “Mais do que Trump, Erdogan está a mobilizar os activistas”, disse à agência Reuters Werner Rätz, um activista envolvido nos protestos contra o G20.
Apesar das manifestações pacíficas na quinta-feira durante o dia, à noite houve violência. A polícia disparou canhões de água, os manifestantes, garrafas e pedras. Na sexta, multiplicaram-se os incidentes e a polícia apelava no Twitter aos manifestantes pacíficos para que saíssem das zonas onde havia motins.
“Queremos [uma estratégia de acalmia] para todas as 30 manifestações previstas. Mas face à retórica de activistas de esquerda e nomes como “welcome to Hell” temos de partir do princípio de que há um grande potencial para violência”, disse ao Guardian Oliver Malchow, do sindicato de polícia GdP. Nos últimos dias foram apreendidas armas improvisadas como extintores adaptados para lançar chamas, tacos de basebol, ingredientes para cocktails Molotov. "Não estamos a falar de sit-ins", disse o responsável da polícia Jan Hieber. "Estamos a falar de ataques."
Mas o jornal Die Zeit (centro-esquerda) questionava a táctica da polícia, dizendo que esta pecou pela violência e por ter levado muitos extremistas a dispersarem, levando depois a cabo, em pequenos grupos desacatos pela cidade.