Acordo de risco garante suporte básico de vida ao governo de May
Para garantir voto dos dez deputados do DUP, a primeira-ministra aceitou gastar mais mil milhões de libras na Irlanda do Norte, enfurecendo a Escócia e o País de Gales. Acordo não põe em causa neutralidade de Londres na Irlanda do Norte, asseguram os dois partidos.
É o acordo que garante a Theresa May os mínimos para continuar em Downing Street – na quinta-feira o seu programa de governo é votado no Parlamento e só o apoio dos dez deputados do Partido Democrático Unionista (DUP) assegura que a primeira-ministra britânica ultrapassa esta primeira prova de fogo. Mas o acordo tem um preço – mais de mil milhões de libras a serem gastos nos próximos dois anos na Irlanda do Norte –, muitos riscos e nenhuma garantia de que May sobreviverá à convulsão que os próximos meses prometem.
Depois de mais de duas semanas de negociações, tornou-se claro que as canetas estavam nesta segunda-feira prontas para ratificar o acordo: Arlene Foster, a líder dos unionistas da Irlanda do Norte, foi recebida à porta do nº 10 por uma Theresa May sorridente. Pouco depois, o executivo divulgou a fotografia em que os líderes da bancada do Partido Conservador e do DUP assinavam o entendimento, válido pelos cinco anos previstos para a legislatura, mas que será revisto dentro de dois anos ou sempre que haja “consentimento mútuo” entre as duas formações.
“Este acordo vai permitir-nos trabalhar juntos no interesse de todo o Reino Unido, dar-nos a certeza que precisamos no momento em que iniciamos a nossa saída da União Europeia e ajudar-nos a construir uma sociedade mais forte e justa”, afirmou a primeira-ministra.
Além do voto favorável ao programa de governo e aos próximos orçamentos, o DUP comprometeu-se a apoiar a legislação que terá de ser aprovada antes do “Brexit”, em Março de 2019, e o reforço das leis antiterrorismo prometido por May após os últimos atentados no país. A restante legislação será acordada “caso a caso”, embora tenha já ficado claro que grande parte da agenda legislativa para os próximos dois anos se irá consumir no “Brexit”.
E neste capítulo, a posição da primeira-ministra continua quase tão frágil como antes, já que os deputados do DUP serão poucos para travar potenciais revoltas na bancada conservadora, tanto da ala eurocéptica como da minoria favorável a uma ruptura menos radical com a UE. E a derrota em qualquer das oito leis relacionadas com o “Brexit” que quer aprovar tornará inevitável a demissão da primeira-ministra, mesmo que, para já, ninguém no partido assuma querer herdar a penosa tarefa. Não por acaso, notou Robert Peston, editor de Política da ITV, não foi May a assinar o acordo, mas o líder da sua bancada, o que sugere “que o pacto [com o DUP] pode sobreviver à sua demissão ou afastamento”.
A fúria das autonomias
Para selar o entendimento, May deixou cair duas das propostas centrais do seu programa eleitoral – medidas que se revelaram polémicas, como o fim da garantia de actualização das pensões em 2,5% ao ano – e aceitou abrir os cordões à bolsa na Irlanda do Norte. Os mil milhões de libras (1130 milhões de euros), não constam das três páginas do acordo, mas Foster fez questão de os anunciar à saída de Downing Street. “O Partido Conservador reconheceu a necessidade de aumentar o financiamento à Irlanda do Norte, tendo em conta a nossa história única e as circunstâncias das últimas décadas”, afirmou, explicando que o dinheiro será gasto em infra-estruturas, nos sistemas de ensino e de educação.
O Governo britânico foi rápido a afirmar que estes montantes se destinam a programas específicos, pelo que não acarretam um aumento correspondente das transferências para os restantes governos autónomos ou para as várias regiões de Inglaterra. Uma questão muito sensível, no momento em que o “Brexit” cria já brechas na unidade constitucional do Reino Unido.
“É revoltante que a primeira-ministra acredite que pode garantir o seu futuro político atirando dinheiro para a Irlanda do Norte enquanto continua a ignorar completamente o resto do Reino Unido”, lamentou Carwyn Jones, o líder trabalhista do governo autónomo do País de Gales, acusando May de “enfraquecer ainda mais a união”. Nicola Sturgeon, a líder do Partido Nacional Escocês (SNP), no poder em Edimburgo, não foi mais branda: “Ao concluir este acordo sórdido e desavergonhado, os tories mostram que nada os impede de se agarrarem ao poder – mesmo sacrificar os princípios básicos da transferência de poderes” para as autonomias.
Neutralidade em risco?
Desde que May anunciou a intenção de negociar com o DUP, logo após perder nas urnas a maioria absoluta que herdou de David Cameron, que actuais e antigos dirigentes se alarmaram com as consequências que um tal acordo pode ter para a paz na Irlanda do Norte, pondo em causa a neutralidade do Governo britânico. Um risco que é maior perante a incapacidade do DUP e dos republicanos do Sinn Féin para chegarem a um novo acordo de partilha de poder – um escândalo envolvendo Foster levou o Sinn Féin a fazer cair o governo de Belfast, em Janeiro, e as eleições em Março não foram suficientes para quebrar o impasse.
O texto do acordo sublinha, no entanto, que os unionistas não terão qualquer interferência na posição do Governo britânico na questão da Irlanda do Norte e o DUP assume o compromisso de concluir o quanto antes um acordo com o Sinn Féin. Laura Kuessenberg, editora de Política da BBC, sublinhava também que Londres acredita que o acordo pode incentivar o Sinn Féin a chegar a acordo com os unionistas, já que sem ele o Governo britânico assumirá o controlo directo sobre as instituições autónomas, passando a gerir os fundos prometidos para a Irlanda do Norte.
Mas o líder do partido, Gerry Adams, arrefeceu as expectativas, dizendo que o acordo – e o dinheiro prometido – não melhora, “por si só”, as perspectivas de um entendimento antes de quinta-feira, data-limite para as duas partes chegarem a um entendimento. No entanto, “se encorajar o DUP a fazer aquilo que já devia ter feito, então pode ser muito, muito positivo”.