Maioria absoluta de Macron abre um novo ciclo político
A maioria presidencial será menos ampla do que previsto mas subverte o quadro partidário. A segunda volta foi marcada por uma abstenção recorde
Segundo as primeiras e provisórias projecções eleitorais, o movimento A República em Marcha (LRM), do Presidente Emmanuel Macron, e os seus aliados centristas do MoDem conquistaram hoje a maioria absoluta com 361 deputados entre os 577 na Assembleia Nacional francesa. Desse total, 319 pertencem ao LRM, que tem por si só maioria absoluta. Depois da vitória de Macron nas presidenciais, este resultado confirma uma mudança radical do tabuleiro partidário e assinala o fim de um ciclo político. Mas a jornada foi também marcada por uma abstenção recorde de 56,6%.
A direita foi quem melhor resistiu ao ciclone do "macronismo". Os Republicanos (LR, direita) e aliados obtêm 126 mandatos, enquanto o Partido Socialista e afins, maioritários na legislatura anterior, sofrem uma hecatombe: elegem um total de 46 deputados, dos quais apenas 32 do PS. A oposição de extrema-esquerda, a França Insubmissa, de Jean-Luc Mélenchon, com 16 eleitos, e o Partido Comunista, com 10, conseguem constituir um grupo parlamentar. Marine Le Pen entra pela primeira vez no parlamento. O seu partido, a Frente Nacional (FN), fez eleger oito deputados, o que é insuficiente para formar um grupo parlamentar mas marca uma data: a FN tinha apenas dois parlamentares. Se Le Pen e Mélenchon foram eleitos, a elite do "antigo" PS, a começar pelos ministros de François Hollande, sofreu uma razia. Entre as figuras novas na política, destaca-se o matemático Cédric Villani, candidato pelo LRM e que venceu folgadamente no seu círculo.
Estes dados são os fornecidos pela projecção IPSOS-Sopra Steria. Outras projecções apresentam dados ligeiramente diferentes, mas na mesma ordem de grandeza. Uma das novidades será a dimensão "normal" da vitória do LRM, ao qual as sondagens pré-eleitorais chegaram a atribuir a possibilidade de 450 lugares, o que deixaria escassa margem de manobra às oposições.
"O fim de uma época"
Logo a seguir ao anúncio dos resultados, Jean-Christophe Cambadélis apresentou a sua demissão de secretário nacional do PS. Reconheceu: "Esta noite, apesar de uma abstenção alarmante, o triunfo de Emmanuel Macron é incontestável; o PS sofre uma derrota sem apelo; a direita enfrenta um verdadeiro fracasso; enfim, os populistas de todas as bandas ficam contidos. (...) A esquerda deve mudar em tudo, no fundo como na forma, nas ideias como na organização, deve abrir um novo ciclo e repensar as origens do progressismo."
A mesma necessidade de mudança radical foi expressa na televisão por Valérie Pécresse, uma das líderes do LR: "É o fim de uma época. É absolutamente necessário lançar um movimento de recuperação, uma dinâmica colectiva, para que a direita e o centro se reconstruam do chão ao tecto. Penso que não se poderá construir o novo com o velho."
O principal efeito da vitória de Macron foi exactamente pôr em causa um sistema partidário exangue que perdeu a credibilidade, incapaz de promover reformas e acusado de favorecer a ascensão dos populismos de esquerda e de extrema-direita. Ou seja, trata-se de forçar uma recomposição geral do sistema partidário. Poderá vir a constituir uma viragem apenas comparável com a imposta em 1958 por De Gaulle. Com a diferença de que Macron não quer mudar o regime mas "reinventar" a V República.
Macron dispõe agora dos meios para governar. Seguem-se as reformas. Mélenchon subiu o tom da sua retórica e anunciou uma oposição frontal na rua, apelando à "resistência popular" e invocando a abstenção — "O nosso povo está numa forma de greve geral cívica" — para negar "a legitimidade de perpetrar o golpe de estado social preparado pelo governo".
O problema da abstenção não é linear. Servirá para atacar a representatividade do parlamento. Note-se que os franceses participaram nas presidenciais (quase 80%) mas menosprezaram as legislativas como se, uma vez eleito um Presidente, não valesse a pena votar. Este reflexo é sobretudo forte entre os jovens e nas classes populares, em que é maior a descrença no sistema político. Não há uma causa única mas uma pluralidade de factores.