Macron e o desafio de governar sem oposição no Parlamento
As eleições legislativas francesas deste domingo vão dar uma maioria esmagadora ao partido do Presidente. Mas as fracturas sociais não desapareceram e podem criar novos problemas.
Vai haver oposição a Emmanuel Macron no próximo Parlamento, cuja composição os franceses decidem este domingo, na segunda volta das legislativas? A verdade é que será quase tão difícil encontrar no hemiciclo um deputado que não seja do República em Marcha, que ainda não é bem um partido de pleno direito — terá o seu congresso fundador a 8 de Julho —, como descobrir uma agulha num palheiro.
Macron virou do avesso o sistema político, ultrapassando pelo centro Marine Le Pen e Jean-Luc Mélenchon, que sonhavam fazê-lo pelos extremos. As últimas sondagens fazem previsões demolidoras: a República em Marcha pode conquistar 80% dos lugares no Parlamento, apesar de não ter muito mais que 30% dos votos. Isto representará mais de 400 deputados, num total de 577.
As profundas divisões dos eleitores franceses, que tão bem se evidenciaram nas presidenciais, há pouco mais de um mês, não se evaporaram, como por milagre: a grande abstenção, e a eleição em duas voltas, provocou esta torrente que afoga todos os outros partidos.
Por isso se levantaram várias vozes a pedir que se discutisse o sistema de votação, para além de Marine Le Pen (extrema-direita), que sabe bem que a eleição a duas voltas é penalizadora para partidos mais pequenos, como a Frente Nacional. Se vigorasse um sistema proporcional, a República em Marcha, com o seu aliado MoDem, teria eleito apenas 186 deputados na primeira volta, há uma semana, nos cálculos do jornal Le Monde. O centro-direita teria 124, Le Pen 85, a extrema-esquerda 84 e a esquerda moderada 80, com 43 deputados para o PS.
Legislatura elitista
A maioria presidencial gigante que vai sair destas eleições não será fácil de gerir, sublinha Luc Roban, director do centro de investigação política do Sciences Po (Cevipof). Cria uma das legislaturas mais elitistas de sempre. “Comparando os dados biográficos dos candidatos a deputados com os das eleições de 2012, nota-se uma sobrerrepresentação de diplomados do ensino superior, quadros de empresas, dirigentes de empresas privadas, empresários de PME e profissionais do sector dos serviços”, disse Roban ao jornal Le Figaro. “Nota-se uma quase inexistência [nas listas da República em Marcha] de operários ou assalariados.”
É legítimo duvidar da capacidade desta Assembleia para funcionar como um contrapoder, apesar de o ministro do Digital, Mounir Mahjoubi, ter assegurado que este movimento constituído por pessoas que vieram de outros partidos, da esquerda, da direita, do centro, conseguirá manter a diversidade. “Existirá contra-poder, pois a República em Marcha tem-se caracterizado pelo debate interno”, afirmou Mahjoubi na France 2.
Mas o que se percebe do processo de decisão e poder macroniniano deixa entrever um sistema de rei-Sol, em que é bem claro quem toma as decisões: Macron, o chefe, que tem um núcleo de conselheiros bastante próximo.
Apesar de louvar a iniciativa individual, e idolatrizar as start-ups, o seu estilo de gestão não é horizontal, mas bastante vertical — é uma espécie de Elon Musk, o mediático empresário dos automóveis eléctricos Tesla e dos sistemas aeroespaciais Space X, diz o Le Monde. “O Em marcha! está marcado por um homem, tem uma liderança profunda”, dizia ao diário francês Renaud Dutreil, ex-ministro de Jacques Chirac, ainda antes da tomada de posse do novo Presidente.
Visto do estrangeiro, Macron é uma lufada de ar fresco e uma esperança — a revista Economist pô-lo na capa esta semana a andar sobre as águas. Os franceses fartos dos políticos sem soluções depositaram a sua esperança nele, imbuídos do espírito do dégagisme — um desejo de acabar com esse sistema velho que não funciona. Outros, muitos, votaram no ex-ministro da Economia de François Hollande, o mais detestado dos Presidentes, para travar Marine Le Pen. Todos começarão a pedir contas a Macron, se a direcção em que as reformas por ele prometidas se tornar impopular.
“Se a Assembleia se alinhar com o Governo, podemos esperar reacções sociais que se expressam para além da política parlamentar. Este é o risco de uma maioria esmagadora num país onde o potencial contestatário é enorme”, alerta o investigador Luc Roban.