Marcelo quer ter “a última palavra” sobre denúncia premiada

Tema está em discussão no grupo de trabalho para um pacto de Justiça, mas divide magistrados e advogados.

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Não vou pronunciar-me nesta altura", afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, à margem da visita à Feira do Livro de Lisboa. LUSA/NUNO FOX
O bastonário da OA, Guilherne Figueiredo, é contra a delação premiada
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O bastonário da OA, Guilherne Figueiredo, é contra a delação premiada paulo pimenta

O Presidente da República preferiu hoje guardar para si a "última palavra" sobre a possibilidade de a Justiça portuguesa vir a acolher o conceito de colaboração premiada, inspirada na figura da delação premiada que vigora no Brasil e tem sido fundamental para a investigação do caso Lava-Jato.

"É uma questão que é da competência da Assembleia da República (AR). A haver alguma iniciativa legislativa, terá de passar pela AR. O Presidente tem a última palavra, portanto não deve ter a primeira, deve guardá-la para si. Não vou pronunciar-me nesta altura", afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, à margem da visita à Feira do Livro de Lisboa.

O PSD manifestou-se nesta quarta-feira "inequivocamente a favor" da introdução da delação premiada em Portugal (que dá vantagens ao denunciante), desde que acompanhada da "necessária investigação", através da deputada e ex-ministra da Justiça Paula Teixeira da Cruz, nas jornadas parlamentares, em Albufeira. No entanto, não se comprometeu com a apresentação de qualquer proposta legislativa nesse sentido.

O tema está em discussão no âmbito do grupo de trabalho criado na sequência do apelo do Presidente da República para um pacto na Justiça, mas parece longe do consenso.

O bastonário da Ordem dos Advogados (OA) garantiu nesta quarta-feira que estará contra a introdução na legislação penal portuguesa da figura da colaboração ou denúncia premiada. Isto poucas horas depois de a presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), Manuela Paupério, ter afirmado no Fórum da TSF que, no grupo de trabalho, a proposta da criação desta figura "não está fechada", mas "obteve grande consenso entre juízes, magistrados do Ministério Público e funcionários judiciais".

"Este instituto é importante para quem investiga este tipo de crimes", disse à Lusa Manuela Paupério, que integra o grupo de trabalho que trata da criminalidade organizada, violenta e dos crimes económico-financeiros, incluindo a corrupção. Mas acrescentou que a discussão "ainda não está fechada".

Delações "falsas" no Brasil

Faltava a posição dos advogados e o bastonário logo veio esclarecer que era contra. À Lusa, Guilherme Figueiredo alertou que a colaboração premiada "comporta sérios riscos para a segurança e a certeza jurídica", havendo já conhecimento de situações no Brasil em que se chegou à conclusão que as delações eram "falsas".

Guilherme Figueiredo diz entender que existam dificuldades e alguma incapacidade em investigar certo tipo de criminalidade mais complexa, mas observou que "todos os meios não justificam os fins" e que a delação premiada também pode levar a "erros judiciários graves".

Na opinião do bastonário, o quadro legal português actual "não é susceptível de abrigar a figura da delação premiada", em moldes similares aos do Brasil, notando que o ordenamento jurídico nacional já prevê a "especial atenuação da pena" para quem colabore com a justiça e com os investigadores. Lembrou também que o penalista de Coimbra Figueiredo Dias entende que a actual legislação já permite "acordos de sentença entre o arguido e o Ministério Público", embora o tema se preste a discussão.

Em sentido contrário, Manuela Paupério defendeu que a criação do instituto da colaboração premiada servirá também para "clarificar" procedimentos nos casos em que suspeitos resolvem colaborar com os investigadores. Quanto à definição dos critérios a aplicar na colaboração premiada, Manuela Paupério frisou que terá que ser o legislador a defini-los, admitindo contudo que os benefícios a conceder a quem colabore ou denuncie os restantes criminosos irão depender da "relevância" dessa colaboração.

O bastonário alertou, no entanto, que, para uma matéria constar das conclusões ou propostas finais do grupo de trabalho para o pacto na justiça, é preciso que reúna unanimidade e que, quanto à denúncia premiada, a Ordem dos Advogados vai opor-se. Guilherme Figueiredo defende que, além do consenso entre magistrados, advogados, funcionários judiciais, e solicitadores, as propostas também deveriam ter o consenso dos grupos parlamentares, ministra da Justiça e provedor de Justiça.

Na terça-feira, o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal Carlos Alexandre alertou, nas Conferências do Estoril, que só respostas policiais, jurídico-penais, judiciárias e prisionais não conseguem combater o crime organizado e a corrupção, defendendo a colaboração premiada como um “instrumento típico de democracias maduras”.

“Identifico-me com a ideia de que a clarificação das leis de combate à corrupção beneficiaria com o instituto de colaboração premiada”, disse Carlos Alexandre, considerando que “é um instrumento jurídico típico de democracias maduras, reputadas e desenvolvidas como Alemanha, França, Itália e Estados Unidos” utilizado para combater o terrorismo, tráfico de droga e crime organizado.

Porém, alertou, “ninguém defende que o Estado legisle no sentido de passar um ‘cheque em branco’ ao denunciante”. “A colaboração premiada não dispensa o Ministério Público de aprofundar a investigação do que lhe é transmitido nesse âmbito e na concatenação com os demais meios de prova, tais como a prova documental, pericial, testemunhas, entre outros”, observou.