Oliveira Costa sabe hoje se derrocada do BPN o levará à prisão
Leitura da sentença está marcada para hoje. Ministério Público pediu pena de prisão para 14 dos 15 arguidos. Oliveira Costa arrisca-se a 13 a 16 anos de prisão.
Quando, em 2008, se tornou público que o Banco Português de Negócios (BPN) era, entre outras coisas, um caso de polícia, dizia-se que o processo de averiguações que arrancava não podia durar mais do que o da Casa Pia, que começara em 2002 para acabar oito anos depois. Engano. Passaram nove anos, e, se tudo correr como planeado, o colectivo de juízes irá ler hoje a sentença sobre o caso principal, relacionado com a utilização do Banco Insular para levar a cabo uma megafraude.
Com sede em Cabo Verde, o Banco Insular desenvolveu durante quase uma década a sua actividade sem conhecimento das autoridades, tendo sido utilizado para ocultar perdas e esconder milhares de operações ruinosas. Entre débitos e créditos os movimentos podem totalizar nove mil milhões de euros, mas o impacto na tesouraria aproxima-se dos mil milhões.
O julgamento teve início em 2010 e José Oliveira Costa, o líder do BPN, é suspeito, entre outras acusações, de burla, de financiamento ilegal aos accionistas e de falsificação de contabilidade. Acusações que abrangem muitos quadros de topo do grupo, gestores e directores, assim como devedores e accionistas. Dos 15 arguidos iniciais, 14 serão hoje informados se são absolvidos ou se lhes são aplicadas as penas de prisão pedidas pelo Ministério Público que podem ir de dois a 16 anos, sendo que a lei admite a suspensão da execução das penas inferiores a cinco anos.
O Ministério Público considera Oliveira Costa “o principal responsável pelo cometimento dos crimes que estão em julgamento” e pede entre 13 e 16 anos de cadeia. O antigo banqueiro, que chegou a ocupar funções de chefia no departamento de supervisão do Banco de Portugal, já esteve detido preventivamente e encontra-se agora em prisão domiciliária.
Mas este é apenas um dos muitos processos judiciais do universo BPN. Nos últimos tempos, foram fechados dois dossiers mediáticos. O relacionado com a acção de Dias Loureiro, accionista e gestor do grupo, que incluía Oliveira Costa e o libanês Abdul El Assir. Este processo foi arquivado, mas o Ministério Público deixou escrito que mantinha dúvidas por eventual “recebimento dessa vantagem pessoal, à custa do BPN/SLN.” Outro processo concluído está relacionado com os negócios imobiliários de Duarte Lima realizados com verbas do BPN, e culminou na condenação a seis anos de prisão efectiva, por burla qualificada e branqueamento de capitais. Duarte Lima está, no entanto, a aguardar a execução da pena.
O Banco de Portugal e a CMVM deduziram igualmente acusações à instituição e gestores em execução e daí decorreram coimas e inibições de actividade.
De acordo com a Procuradoria-Geral da República (PGR), actualmente estão ainda em fase de investigação cinco inquéritos-crime que nasceram do “processo principal”. Noutros seis, já foi deduzida acusação relativamente a 52 arguidos, no total. Entre esses processos, três já conheceram sentença, duas delas transitaram já em julgado: “Uma condenação por fraude fiscal qualificada, numa pena de três anos e três meses suspensa na sua execução” e outra decisão judicial relativa à condenação de três arguidos: um a cinco anos de prisão por burla qualificada e falsificação, outro a oito meses de prisão por fraude fiscal e um terceiro a três anos e seis meses por burla qualificada. “Todas estas penas foram suspensas na sua execução”, sublinha a PGR. Um terceiro processo está em fase de recurso. Restam ainda três processos que estão em julgamento.
As averiguações e as audições a dezenas de testemunhas confirmaram que a instituição era um manual de más práticas, governado por gestores sem idoneidade e detido por um grupo onde pontuavam muitos empresários de pequenas e médias dimensões sem condições pessoais ou fôlego financeiro para deter uma instituição financeira.
Um banco que empregava 1300 trabalhadores, contava com 250 balcões e 300 mil clientes e uma carteira de depósitos de cinco mil milhões de euros.
Problemas anteriores à crise financeira
Os múltiplos inquéritos que se abriram possibilitaram tirar mais conclusões: os problemas do grupo já existiam muito antes da crise financeira deflagrar, em 2007, o que só veio acelerar a insolvência; houve falta de fiscalização por parte do Banco de Portugal, então liderado por Vítor Constâncio; a nacionalização, a 3 de Novembro de 2008, foi determinada pelo receio de, no contexto agudo da crise, se gerar risco sistémico; a entrega do banco à CGD, que delegou a gestão em Francisco Bandeira, da esfera socialista, não correu bem. E deixou marcas. O estigma à volta desta solução levou o anterior Governo, liderado por Pedro Passos Coelho, a rejeitar estudar a via da nacionalização no caso BES: “Isto não é um novo BPN”.
Sobre os prejuízos a que os portugueses se arriscam (e não apenas em resultado da relação do banco ao Banco Insular) têm sido avançados diferentes montantes. Todos eles astronómicos. O número mais apontado é o de sete mil milhões de euros, cerca de 4% do PIB. Mas o Tribunal de Contas já deu como expectável que o saldo negativo da intervenção ao BPN se possa cifrar em 5,4 mil milhões (cerca de 3% do PIB), isto se o Estado suportar os prejuízos das sociedades que gerem os activos detidos pelo banco.
No entanto, apesar das contas só poderem ser feitas depois de se apurar o valor final da recuperação das dívidas, as entidades que trabalham no tema dão como garantidas perdas mínimas de três a quatro mil milhões de euros.
Em 2011, o ex-governador do Banco de Portugal António de Sousa, na qualidade de presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB), veio dizer que o BPN não “era um banco, mas uma fraude” e nunca lhe deveria ter sido dada licença para operar.
Mas até era mais. Era um pólo para onde convergiram interesses dúbios, com dirigentes do universo social-democrata a ocuparem lugares de topo na instituição ou a serem investidores e grandes clientes devedores. E com proximidade a Aníbal Cavaco Silva, cuja família era cliente e investidora do grupo. Para além do seu ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Oliveira Costa, neste lote de amigos do anterior Presidente da República destacam-se outros nomes: o de Manuel Dias Loureiro, ex-ministro da Administração Interna e ex-conselheiro de Estado, e os dos ex-ministros Duarte Lima e Arlindo Carvalho (que não reconhece uma divida ao BPN de 60 milhões de euros). O empresário de Coimbra, Joaquim Coimbra, eleito em Novembro de 2008 para a comissão politica do PSD, era accionista de referência.
As conexões do grupo ao sector partidário foram centrais nas comissões parlamentares de inquérito que se debruçaram sobre a falência, a nacionalização e a privatização do BPN (a venda ao luso-angolano BIC, por 40 milhões), e trouxeram o tema para o domínio público.
Mas a questão só se colocou no plano político porque o BPN faliu de forma dolosa. Numa ida ao Parlamento ficou na memória a frase de Oliveira Costa dita com a convicção de sempre: “Reconheço que errei, que errei, e já não tenho muito tempo para emendar”.
Indícios conhecidos desde 2002
Os indícios de que o banco não desenvolvia uma actividade normal surgiram no início da década passada, como provam as notícias publicadas na época. Em 2002, a Exame alertou para as elevadas remunerações oferecidas pelo BPN aos clientes, em contraciclo com as praticadas no sector. Em 2004 o PÚBLICO adiantava que vários gestores e auditores externos se recusaram a certificar as contas do BPN e em 2005 noticiava a presença do traficante de armamento El Assir (um grande devedor do BPN) a orbitar à volta de Dias Loureiro. E em 2006, o Ministério Público apanhou o BPN no meio da Operação Furacão, na companhia do BES, do BCP e do Finibanco.
Em Portugal, o colapso do BPN contínua a ser visto como um marco da grande crise financeira internacional que se deencadeou em 2007, ano em que a banca nacional anunciou resultados positivos de 2,686 mil milhões de euros, os maiores da sua história. O BPN contribuiu para o bolo com 48 milhões de euros de lucros, mas já não conseguia disfarçar o quadro de insolvência.
E cinco meses antes da falência, as suas debilidades financeiras ficaram expostas pela PÚBLICO a 21 de Junho de 2008, em que fez manchete: “O BPN tem uma insuficiência de 800 milhões de euros” fruto de decisões de gestão “com impacto nos fundos próprios”, situação do conhecimento de Vítor Constâncio. Na mesma edição de Junho frisava-se que o défice não era resultado da crise financeira que se fazia sentir, mas da forma como a equipa de Oliveira Costa gerira o BPN: “Com níveis elevados de crédito malparado”, “financiamentos a accionistas”, “transferência de perdas para veículos offshores, alguns ligados a sócios, e cuja existência nunca foi comunicada ao Banco de Portugal”. Informações que nem o BPN nem a autoridade de supervisão confirmaram.
Nos cinco meses seguintes, apesar da falta de capital e de liquidez, o BdP permitiu ao BPN continuar a captar depósitos. Em Outubro de 2008, o PÚBLICO escrevia que em finais de Agosto o Instituto da Segurança Social possuía 947 milhões de euros em liquidez (depósito de numerário e fundos), dos quais 500 milhões estavam aplicados no BPN.
Do outro lado do Atlântico havia uma bomba-relógio a fazer tique-taque. A 15 de Setembro de 2008 o Lehman Brothers entrou em colapso, com 54 mil milhões de euros de activos tóxicos no balanço e os mercados interbancários encerraram.
Dois meses depois, o Governo anunciou a nacionalização do BPN. Passaram quatro anos até que, em 2012, o resto do sistema vacilasse pelo efeito da contabilização de imparidades resultantes das medidas regulatórias e da recessão económica. E em 2013 a banca apresentou os prejuízos mais elevados de sempre: 2,14 mil milhões de euros.
Em 2014, com o caso BES, ficou à vista que a lição do BPN não foi bem apreendida pelas autoridades, que persistiram no mesmo padrão de actuação, a fazer cerimónia com os banqueiros. Tal como no BPN, o pecado original do grupo chefiado por Ricardo Salgado estava no facto de a gestão e os seus accionistas não terem os requisitos necessários para deter instituições financeiras. E ao voltarem a não actuar por antecipação, o BdP, agora governado por Carlos Costa, e o Governo de Passos Coelho acabaram por ver o terceiro maior banco do sistema falir literalmente à sua frente.
A sucessão de casos — BPN e BPP (ambos em 2008), BES (2014) e Banif (2015) — destruiu parte do capital de confiança que existia na banca e no sistema de supervisão. E quer Vítor Constâncio (BPN e BPP), quer Carlos Costa (BES e Banif) não podem dizer que não sabiam de nada.