Estas legislativas são imprevisíveis: porquê?

Macron apela à maioria absoluta, mas o resultado de Junho é uma incógnita

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Não é por acaso que as eleições legislativas francesas são qualificadas como “terceira volta” das presidenciais. São elas que dão ao Presidente uma maioria ou que o condenam a governar em minoria ou, pior, à “coabitação”. A Constituição da V República dá largos poderes ao PR, que comanda o executivo. Sem maioria, vê os seus poderes reduzidos. Com um governo minoritário, é forçado a múltiplos compromissos que desnaturam a sua política. Em regime de “coabitação”, é o primeiro-ministro — saído da oposição — quem de facto chefia o executivo.

Por tradição, os eleitores confirmam a eleição de um novo Presidente dando-lhe uma maioria para governar. Era normal num sistema tendencialmente bipolar e facilitava a alternância entre as alianças da esquerda e da direita. Depois, com a exponencial subida da Frente Nacional (FN), o sistema passou a ser tripolar. Nestas presidenciais, houve quatro “campos políticos”, de dimensão semelhante, a disputar a vitória. Este novíssimo quadro ameaça subverter o funcionamento das legislativas. Vou resumir o sistema de eleição da Assembleia Nacional, deixando de fora o Senado, que é eleito pelas colectividades territoriais. 
Como se vota?

Na prática, há 577 eleições. Em cada círculo é eleito um único deputado por um sistema uninominal e maioritário a duas voltas. Um candidato pode ser eleito na primeira volta se tiver 50% dos votos expressos, e representando pelo menos 25% dos inscritos. Caso contrário, há uma segunda volta a que concorrem os candidatos que tenham obtido o voto de 12,5% dos inscritos (não dos votos expressos). É eleito o que ficar em primeiro lugar. 

Para ter a maioria absoluta, é preciso eleger 289 deputados. O sistema francês favorece os grandes partidos e visa criar maiorias. Prejudica os pequenos partidos, cuja representação depende da sua capacidade de trocar, com os grandes, os seus votos por alguns mandatos.

Nesta eleição e ao contrário das presidenciais, a abstenção tem influência na passagem à segunda volta. Com uma abstenção de 40%, um candidato precisa de 21% dos votos para ficar em segundo ou terceiro lugar. A segunda volta pode ser um “duelo”, normalmente entre os dois grandes blocos, ou uma “triangular”, em que, como o nome indica, se defrontam três concorrentes.
À medida que o sistema partidário se dispersa — o que este ano é manifesto —, o número das “triangulares” tende a subir. Uma projecção recente do Le Monde prevê um mínimo de 84 e o quase desaparecimento de eleitos na primeira volta. Um estudo do Cevipof, anterior à campanha e ainda num quadro “tripolar” (isto é, sem Macron), previa uma queda maciça dos “duelos” esquerda-direita e a possibilidade de haver 150 “triangulares”, de decisão mais incerta.

Sempre que há mais do que dois concorrentes, a segunda volta exige acordos de desistência a favor de um candidato. Os partidos de uma área trocam “desistências” entre si: a norma era que o menos votado da esquerda ou da direita desistisse a favor do outro da mesma família. Os votos do centro eram disputados por ambos os campos. 

Os acordos eleitorais servem também para eliminar o candidato “indesejável”, caso da Frente Nacional. Era o princípio da “frente republicana”, hoje em vias de extinção. À excepção das eleições de 1986, por voto proporcional, a FN quase sempre esteve fora do Parlamento. Em 2012 elegeu dois deputados com 13,6% dos votos. Graças ao PS, a Frente de Esquerda, de Mélenchon, elegeu dez deputado, com 6,9%. Era o chamado “tecto de vidro” que mantinha a FN fora das instituições.

A incógnita de Junho

A primeira volta decorre a 11 de Junho e a segunda a 18. O carácter extraordinário desta eleição decorre da decomposição dos grandes partidos, eliminados na primeira volta das presidenciais. Haverá aqueles quatro blocos, e ainda o PS, a disputar o voto. Sem partido, Macron apresentará candidatos próprios, do República em Marcha! e de outros partidos, e apela à maioria absoluta.

Que linha será adoptada perante os candidatos da FN? Qual o peso do PS e quantos dos seus eleitores aderirão ao voto em Macron? Qual o potencial eleitoral dos “insubmissos” de Mélenchon, que reivindicam a hegemonia da esquerda? Como resistirá ou se dividirá a direita d’Os Republicanos. E, sobretudo, que acordos de desistência, nacionais ou locais, serão celebrados e entre quem? Uma sondagem feita já em Maio (do instituto OpinionWay-SLPV) admite a possibilidade de Macron vir a obter uma “maioria presidencial”. Os politólogos mostram-se mais cépticos. 

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