Londres rejeita factura de 100 mil milhões pelo “Brexit”, Bruxelas deixa avisos
Comissão Europeia avisa que a UE vai calcular as responsabilidades a assumir pelo Reino Unido, mas rejeita estar em causa uma forma de punição.
Um número redondo passou a fazer parte da troca de palavras com que Londres e Bruxelas se posicionam para dar o tiro de partida às complexas negociações do “Brexit”. O cenário ventilado pelo Financial Times de que a factura do Reino Unido pode chegar a 100 mil milhões de euros foi afastado imediatamente nesta quarta-feira pelo governo britânico, enquanto que a Comissão Europeia avisa que a saída da União Europeia não será rápida, nem concretizada sem custos.
Ao mesmo tempo que Michel Barnier, principal negociador do lado europeu, desejava um entendimento cordial e rejeitava olhar para as obrigações financeiras a suportar pelo Reino Unido como uma forma de castigar o país, deixou vários avisos a partir de Bruxelas. “Houve quem criasse a ilusão de que o ‘Brexit’ não terá impacto material nas nossas vidas ou de que as negociações podem ser concluídas rapidamente e sem dor – não é o caso”, vincou numa conferência de imprensa nesta quarta-feira, a primeira depois da cimeira de líderes do último sábado.
Barnier, ex-chefe da diplomacia francesa, não negou a estimativa avançada pelo Financial Times na edição desta quarta-feira, que o conservador David Davis, o ministro para o “Brexit”, acabara de classificar como especulativa. Para afastar a ideia de que os 27 querem sancionar Londres, Barnier procurou suavizar a linguagem referindo que “não existe uma punição” e que “não há nenhuma factura do ‘Brexit’”. O que está em causa, disse, são obrigações financeiras. “Há compromissos assumidos e estas responsabilidades têm de ser honradas”, insistiu, citado pelo Guardian.
A factura poderá ascender a pagamentos brutos entre 80 a 100 mil milhões de euros. O valor baixa em termos líquidos para 55 mil a 75 mil milhões ao fim de uma década, depois do reembolso de montantes emprestados e de ser descontada a participação no orçamento europeu, do qual o Reino Unido é o segundo maior contribuinte líquido.
Os cálculos do jornal económico britânico foram feitos tendo em conta as novas exigências manifestadas entretanto por alguns parceiros europeus. Por exemplo, lembra o jornal britânico, a França e a Polónia fizeram pressão para que se incluam os pagamentos agrícolas anuais já depois de consumado o “Brexit”, enquanto a Alemanha se posicionou contra a cedência ao Reino Unido de activos da União Europeia, tais como edifícios.
A partir de Londres, David Davis desdobrou-se em declarações, à BBC Radio 4 e à ITV, não reconhecendo credibilidade às estimativas. “Não vamos pagar 100 mil milhões”, afirmou, referindo que já se ouviu falar na imprensa de uma factura de 50, 60 e 100 mil milhões de euros.
Uma troca de palavras que entra de rompante na pré-campanha eleitoral no Reino Unido e que acontece dias depois de o Frankfurter Allgemeine Zeitung (FAZ) descrever o jantar da semana passada entre Theresa May e o presidente da Comissão Europeia como o “desastroso jantar do 'Brexit'”, onde Juncker se terá mostrado “dez vezes mais céptico do que estava antes”.
Com o Reino Unido a caminhar para as legislativas antecipadas de 8 de Junho, Barnier rejeita que o resultado venha a influenciar a posição europeia, afinada na cimeira do último sábado com os 27 unidos em torno de “um mandato político firme e justo”, como o definiu então Donald Tusk, presidente do Conselho.
Theresa May convocou as eleições antecipadas com o argumento de o Reino Unido partir reforçado para as negociações com a UE, que deverão começar em Junho. Para o negociador europeu, porém, nada mudará. “Estas eleições não mudarão nada no que toca à posição e à determinação da União Europeia”, afirmou Barnier, defendendo que os 27 vão defender os seus interesses e o mercado único europeu.