Turquia cada vez mais longe da democracia
O bullying passou a ser uma arma política normal.
Os números não enganam: 134.610 funcionários públicos, professores e burocratas diversos demitidos, 95.458 pessoas detidas, 47.685 pessoas presas, 2.099 escolas, residências estudantis e universidades fechadas, 7.317 lugares académicos extintos, 4.272 juízes e procuradores demitidos, 149 meios de comunicação social encerrados e 162 jornalistas presos – é este o balanço da ofensiva política do Presidente turco Recep Tayyip Erdogan depois da tentativa de golpe de Estado de 15 de Julho do ano passado, apresentado pelo site Turkeypurge.
Se antes do golpe falhado do verão passado, o regime turco já era um regime autoritário ou uma democracia iliberal a pretexto do combate aos movimentos independentistas curdos, hoje em dia assiste-se à instalação de um regime terrorista sob a capa de um extremado nacionalismo e de um sinistro populismo.
Recorrendo ao insulto e à prisão contra os intelectuais, os jornalistas e a imprensa em geral, apostando na descredibilização e submissão do poder judicial, apontando grupos minoritários como inimigos da Nação e fomentando a crença populista num regresso a uma Pátria novamente grande, Erdogan não está sozinho neste combate contra a democracia liberal, o Estado de direito e o respeito pelos direitos humanos.
Pode mesmo dizer-se que, nesta institucionalização e consolidação de um poder pessoal e arbitrário, dentro do quadro de um regime formalmente democrático, Erdogan tem companheiros de peso: não querendo sequer falar de um assumido assassino como é Rodrigo Duterte, Presidente das Filipinas, não podemos deixar de ter presente o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, ou o primeiro ministro húngaro, Viktor Orbán.
Podemos também, naturalmente, colocar ao lado destes políticos o Presidente Donald Trump mas, pese embora os riscos que a presença de um personagem como Trump na presidência dos EUA representa para os direitos humanos em todo o planeta e para o próprio planeta, a verdade é que a democracia neste país tem raízes bem mais sólidas que na Rússia ou na Turquia graças a uma tradição de independência do poder judiciário e à assumida importância da liberdade de expressão e de imprensa.
Erdogan está agora lançado numa luta sem tréguas e de enorme violência para vencer o referendo marcado para 16 de Abril, em que serão referendadas alterações constitucionais que estabelecem na Turquia um regime presidencialista e que lhe permitirão poder vir a ficar no poder até 2019 com enormes poderes, nomeadamente a nível da nomeação de juízes dos tribunais superiores e no Parlamento, uma vez que poderá continuar como chefe do seu partido. Os defensores do não são perseguidos, intimidados, vilipendiados e insultados publicamente por Erdogan e pelos seus apaniguados: apodados de traidores, de terroristas e almas sujas, não têm possibilidade sequer de defenderem livremente os seus pontos de vista.
Na frente externa, Erdogan também não tem parado: para além das tentativas de campanha eleitoral na Alemanha e na Holanda e de espionagem dos seus próprios cidadãos no estrangeiro – o que levou a Alemanha a avisar os emigrantes turcos do facto de estarem a ser vigiados por agentes do governo turco –, Erdogan continua no seu combate ao Movimento Gülen baseado nos ensinamentos do teólogo/clérico Fethullah Gülen exilado nos EUA e que Erdogan pretende ver extraditado para a Turquia.
Tanto o Parlamento Britânico, através do seu Comité para os Negócios Estrangeiros, como os Serviços Secretos alemães, já disseram que nada do que Erdogan entregou como prova, prova seja o que for quanto ao alegado envolvimento de Gülen no falhado golpe de Estado. Falta ver o que dirão e farão os EUA a quem Erdogan apresentou um pedido formal de extradição com 80 caixas de provas.
A vitória no referendo de 16 de Abril abrirá, seguramente e de imediato, as portas para a convocação de um referendo para a restauração da pena de morte, uma das patrióticas bandeiras de Erdogan depois da tentativa de golpe. Mas Erdogan não se ficará por aí: a ambição é a criação de um Estado turco forte onde as liberdades individuais e os direitos humanos não sejam obstáculo à afirmação do seu poder pessoal e dos seus partidários. E, fatalmente, da arbitrariedade.