Dave Chappelle, o comediante que não quer ser famoso (mas é)

Regressa à ribalta com três espectáculos de stand up no Netflix, 11 anos depois de ter recusado 50 milhões de dólares para dar continuidade a Chappelle’s Show.

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Onze anos depois de ter acabado, Chappelle’s Show continua a ser considerado como um dos melhores programas de comédia da história da televisão norte-americana. Não era uma sitcom, mas uma sequência de sketches, onde o mundo conheceu Clayton Bigsby, o supremacista branco cego (e negro), Tyrone Biggums, o toxicodependente da voz fininha que gosta de sanduíches de manteiga de amendoim com crack, e as melhores imitações de sempre de Samuel L. Jackson, Rick James e Prince. Em 2005, Dave Chappelle estava no topo do mundo, mas recusou 50 milhões para dar continuidade ao sucesso. Saiu da ribalta e, longe do grande público, continuou a fazer comédia nas suas próprias condições. Agora, está de volta para três especiais de stand up no Netflix. E recebeu 60 milhões.

Um dos pontos fortes do Netflix são os espectáculos de stand-up e, no catálogo disponível nos EUA, são 174. Dos que estão disponíveis em Portugal constam nomes tão notáveis como Louis C.K., Patton Oswalt e Aziz Ansari (infelizmente ainda falta Eddie Murphy), e, desde a última semana, dois espectáculos de Chappelle (está previsto mais um), Age of Spin (2016) e Deep in the Heart of Texas (2015), ambos filmados antes das eleições norte-americanas que deram a presidência a Donald Trump, e que tem sido matéria para tudo o que é humorista nos EUA. Chappelle não vai por aqui nestes espectáculos (mas vai no monólogo que fez no SNL, disponível no YouTube), mas vai por todo o lado. E pela sua própria história e pelos seus próprios erros, e no espectáculo de 2016, pelos seus vários encontros com OJ Simpson.

Muito se falou do que tinha levado Dave Chappelle a recusar a oferta milionária da Comedy Central em 2005 – houve quem falasse de abuso de drogas – mas o comediante, agora com 42 anos, diz que o sucesso acabou por não ser aquilo que esperava. “Era algo irreconciliável. Estava num momento de muito sucesso, mas o conteúdo emocional desse sucesso não era nada do que eu tinha imaginado. Ser famoso é algo que é demasiado glorificado e sobre o qual não se tem controlo”, contava numa entrevista recente à CBS, frisando que nunca teve a tentação de voltar à televisão na última década, comparando a situação a uma relação amorosa do passado: “Ainda gostas dela, mas, na tua cabeça, só pensas ‘A gaja é doida’. Não quero nada disso outra vez.”

Chappelle não foi daqueles comediantes que trocou a televisão pelo cinema (não são muitos os papéis que teve), antes, pela estrada e pelo relativo anonimato do stand up (e não gosta que o filmem com telemóveis), e não está baseado em nenhum dos grandes centros – vive numa pequena cidade do Ohio e, entre os espectáculos, faz uma vida de homem de família longe de multidões. “Encontrei uma altitude em que me sinto confortável”, diz o comediante na mesma entrevista à CBS.

Nem todos se sentem, no entanto, confortáveis com o seu humor que vai das questões de discriminação racial, passa pela comunidade LGBT (e tem sido muito criticado por isso) à sua defesa/ataque de Bill Cosby, um ídolo de Chappelle e que várias mulheres acusam de violação. É difícil fazer humor sobre muitas coisas e é muito fácil escorregar. Chappelle, que será dos poucos comediantes que se ri com todos os dentes das suas próprias histórias, é inconveniente e deixa os espectadores a pensar por que é que se riram daquilo.

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