Bruxelas abre porta à saída do Procedimento por Défice Excessivo

Apesar de alertar para riscos e de criticar medidas extraordinárias, Comissão traça cenário-base em que o défice português fica bastante abaixo do limite de 3%. Portugal mais perto de sair do Procedimento por Défice Excessivo.

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O comissário Moscovici reconhece que Portugal regista “progressos muito fortes” FRANCOIS LENOIR/REUTERS

Pela primeira vez desde o início da crise, a Comissão Europeia passou a acreditar que Portugal poderá registar três anos consecutivos de défice claramente abaixo de 3%, uma projecção que abre a porta para que, já na próxima Primavera, se concretize a saída do país do Procedimento por Défice Excessivo (PDE).

Nas previsões de Inverno divulgadas esta segunda-feira, Bruxelas continua a alertar para a existência de riscos na execução orçamental portuguesa e para o recurso a medidas extraordinárias tanto em 2016 como em 2017, mas ao mesmo tempo traça um cenário base para a evolução das finanças públicas em que é evidente a existência de um espaço de manobra significativo que coloca o país a salvo de derrapagens e surpresas orçamentais.

A Comissão não só reviu em baixa a sua estimativa para o défice público de 2016 de 2,7% para 2,3%, como colocou a previsão do mesmo indicador para 2017 e 2018 em 2% e 2,2%, respectivamente.

O intervalo que existe entre estes valores e o limite de 3% imposto pelas regras europeias é muito importante para as decisões que Bruxelas terá de tomar sobre Portugal nos próximos meses. É que, para um país conseguir sair do PDE não basta apresentar no ano anterior um défice abaixo de 3% do PIB. Essa é uma condição essencial, mas não chega. As autoridades europeias querem sinais claros de que o país irá apresentar, de forma segura e sustentável, défices sempre inferiores a 3% nos anos seguintes.

Olhando para as previsões da Comissão, este parece ser neste momento o entendimento em Bruxelas. O relatório do executivo europeu faz questão de destacar que o défice português "se prepara para ficar abaixo de 2,5% no horizonte das previsões", sendo que este intervalo de 0,5 pontos é normalmente utilizado para definir se um país tem ou não uma margem de segurança contra a violação da regra dos 3%.

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Para além disso, no que diz respeito à dívida, embora o país esteja muito longe de cumprir o limite dos 3% e de em 2016 se ter registado um novo agravamento deste indicador, a Comissão prevê que em 2017 e 2018, o rácio face ao PIB volte a iniciar um percurso descendente.

A decisão sobre a permanência ou a saída de Portugal do PDE deverá ser tomada a partir de Abril quando os dados do défice de 2016 forem definitivos e Portugal (tal como os outros países) apresentar o seu Programa de Estabilidade e Crescimento. Por isso, na conferência de imprensa de apresentação do relatório esta segunda-feira, o comissário europeu Pierre Moscovici não se comprometeu com qualquer tipo de decisões, afirmando que as decisões da Comissão sobre o PDE aplicado a Portugal serão tomadas "mais para a frente este ano, numa fase mais avançada do semestre europeu”. Ainda assim, referiu a existência em Portugal de "progressos muito fortes" e de “um desempenho bem melhor”.

Críticas e riscos

O relatório da Comissão, contudo, está longe de apenas traçar um cenário optimista para a evolução das finanças públicas portuguesas. E muitas das críticas que têm vindo a ser feitas ao país nos últimos anos mantém-se.

Uma delas é a persistência da utilização de medidas extraordinárias para atingir os objectivos. Em 2016, diz a Comissão Europeia, o défice é de 2,3% apenas com a ajuda das receitas conseguidas com o programa de regularização extraordinárias de dívidas ao fisco que o Governo lançou no final do ano. Sem medidas extraordinárias, o défice seria de 2,6%.

Este número deverá ser contestado pelas Finanças, que neste momento já afirma que o défice nominal (incluindo medidas extraordinárias) ficará “claramente abaixo de 2,3%”.

Depois, para 2017, Bruxelas volta a falar de receitas extraordinárias, neste caso, a recuperação da garantia dada ao BPP, no valor de 0,25% do PIB, e que ajuda a que o défice fique em 2%. Também aqui, subsiste uma divergência em relação à estimativa do Governo, que no OE está a apontar para um défice de 1,6% este ano.

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Outro motivo de crítica a Portugal – relacionada com o recurso a medidas extraordinárias – está naquilo que a Comissão prevê para o défice estrutural (o défice que não inclui o efeito da conjuntura económica e as medidas extraordinárias). Bruxelas prevê que este indicador – que é usado para medir o esforço de consolidação orçamental de um país – não registe qualquer melhoria nos três anos das projecções. Em 2016, verifica-se uma estabilização (que foi o mínimo exigido ao Governo em Outubro) e, em 2017 e 2018, ligeiros agravamentos.

Por fim, o relatório publicado esta segunda-feira destaca o facto de as novas previsões estarem sujeitas a riscos, que podem afectar os resultados pela negativa. Esses riscos estão ligados "à incerteza que envolve o cenário macroeconómico e o impacto potencialmente negativo para o saldo orçamental de medidas de apoio à banca".

Este último factor, em 2017, mais do que um risco é quase uma certeza, uma vez que é muito provável que pelo menos parte da operação de capitalização da Caixa Geral de Depósitos venha a contar para o défice.

Ainda assim, apesar das incertezas, o ano de 2016, marcado por discussões intensas entre a Comissão Europeia e o Governo português sobre os resultados orçamentais, passa a constituir um trunfo para a equipa das Finanças liderada por Mário Centeno.

Se no início do ano, o Governo apontava para um défice de 2,2% e a Comissão dizia que poderia ficar em 3,4%, agora, depois de algumas revisões em baixa, Bruxelas recuou quase totalmente. Em próximas discussões sobre previsões e riscos, Centeno não hesitará em lembrar Moscovici deste facto.

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