Actriz iraniana boicota Óscares por causa de restrição de vistos de Trump

Taraneh Alidoosti, protagonista de O Vendedor, de Asghar Farhadi, diz que decisão iminente da Casa Branca "é racista". Óscares de 2016 também foram marcados por boicote racial.

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REGIS DUVIGNAU/Reuters

Há um ano, começava um boicote de motivação racial aos Óscares. Em 2017, com os Óscares já #notsowhite, o boicote é ainda uninominal mas também por racismo – o que se atribui a Donald Trump. A actriz iraniana Taraneh Alidoosti, uma das protagonistas do candidato a melhor filme estrangeiro O Vendedor, anunciou quinta-feira que não vai estar na cerimónia por causa da restrição à entrada nos EUA de imigrantes de países como o seu. “A restrição de vistos de Trump aos iranianos é racista. Quer inclua ou não um evento cultural, não estarei presente nos prémios da Academia em protesto.”

A actriz anunciou a sua decisão num tweet e num post no Instagram, nos quais lamentou a decisão temporária mas de efeitos imediatos da entrada de todos os candidatos a asilo provenientes da Síria, da Líbia, do Irão, do Iraque, da Somália, do Sudão e do Iémen. São países de maioria muçulmana em que existem vários conflitos e são agora alguns dos primeiros visados pela administração Trump. Como assinala o Guardian, ainda não está confirmada a aplicação formal da suspensão de vistos de entrada, mas a imprensa teve acesso na quinta-feira a um documento que indicava que a decisão será para muito breve. 

Taraneh Alidoosti não é a única a mostrar o seu descontentamento pela medida da Casa Branca, com a opinião pública iraniana inflamada pela decisão nos jornais e nas comunidades online. A actriz, numa entrevista por email ao New York Times, aprofundou o motivo do seu boicote – que ainda não obteve qualquer reacção por parte da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, que entrega os Óscares, nem do próprio realizador oscarizado de O Vendedor, Asghar Farhadi. “Decidi não ir mesmo se pudesse, porque me magoou profundamente ver pessoas do meu país a ser rejeitadas pelo que pode ser o seu direito legal de ter acesso aos seus filhos no estrangeiro ou às suas aulas enquanto estudantes”, exemplificou Alidoosti.

Uma actriz bastante conhecida no seu país, onde protagonizou recentemente uma série online de grande sucesso, Taraneh Alidoosti acrescentou ainda que “muitas pessoas têm casos médicos urgentes”, prosseguiu, lembrando ainda que talvez os EUA “tenham beneficiado muitas vezes dos imigrantes iranianos e pessoas que lá tenham trabalhado e servido o país”, acrescentou, rematando que para si “não é aceitável respeitar um Estado que não respeita as pessoas” do seu país. Além do reconhecimento interno, Alidoosti recebeu já o Leopardo de Bronze do Festival de Locarno e filmou brevemente com Abbas Kiarostami e regularmente com Asghar Farhadi, que é um favorito das candidaturas oficiais do governo de Teerão aos Óscares.

O Guardian cita por seu turno um desses descendentes de iranianos que trabalha nos EUA, que atacou a medida da Administração Trump questionando o próprio Presidente e seu passado empresarial. “Quantos países muçulmanos onde Trump tem uma torre ou um campo de golfe estão na sua lista?”, provocou Ahmad Sadri, professor de Sociologia e Antropologia na Faculdade de Lake Forest. “Deste dia em diante, a islamofobia já não é um mero sentimento racista na América. Hoje, a discriminação contra muçulmanos é uma política governamental aplicada legalmente”.

A decisão de Taraneh Alidoosti surge sem que Asghar Farhadi tenha falado publicamente sobre o tema nem definido quem representaria o filme em Los Angeles – ela diz não ter discutido o seu boicote com o realizador. Asghar Farhadi venceu o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2012 com A Separação, discurso no qual enfatizou que o Irão tem uma “cultura gloriosa, rica e ancestral que tem estado escondida sob o pesado pó da política”. Em 2017, é novamente candidato à estatueta com um filme em que um casal em mudança e Morte em Veneza são pontos fulcrais.

2017, Oscars Less White

Em 2016, e na sequência de uma comparativamente tímida campanha online semelhante em 2015, os prémios da Academia foram dominados pela ausência de nomeados afro-americanos nas principais categorias, entre as quais de actuação, mas também pela escassa presença de não-caucasianos noutras categorias. Eternizado pela hashtag #OscarsSoWhite, originou um boicote que fez com que Will Smith, por exemplo, faltasse à cerimónia apresentada por Chris Rock, e promoveu mudanças na composição da Academia para aumentar a sua diversidade racial, de género e etária, bem como algumas medidas paralelas e mais discretas nas Guildas profissionais que representam actores, realizadores ou produtores. O tema das tensões raciais na América passara pouco para o seu cinema de maior destaque, mas muito para o debate público.

Este ano há seis actores e um realizador negros candidatos a um prémio e vários filmes e documentários sobre a experiência afro-americana no rol de nomeados. Ainda assim, a jornalista April Reign, que lançou a campanha #OscarsSoWhite lembra que muita gente está ainda por representar, dos latinos aos asiáticos passando pelas comunidades gay, lésbica, transgénero, queer ou intersexual, entre outros. “Lembremo-nos que #OscarsSoWhite não é só sobre raça”, disse à Entertainment Weekly. À mesma revista norte-americana, a produtora de Elementos Secretos (sobre as matemáticas negras que trabalharam para o programa espacial na década de 1960) Donna Gigliotti lembrou que o problema é da indústria e da sua estrutura: “Até que as pessoas a tomar decisões [de contratar e dar luz verde aos projectos] sejam não-brancas, até que sejam mulheres, nada vai mudar”.

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