O último resistente que fundou a democracia
Soares e Zenha de um lado. Cunhal e Pato do outro. Os quatro marcaram a construção do Portugal pós-25 de Abril. Mas a relação entre eles nasce antes e passa pelas ligações pessoais.
Mário Soares foi o último sobrevivente de uma escola de resistentes políticos ao Estado Novo que participaram na primeira linha da construção da democracia no pós-25 de Abril.
Fê-lo ao lado do seu camarada no PS, Francisco Salgado Zenha (22/05/1923 – 01/11/1993), e em confronto com o líder histórico do PCP, Álvaro Cunhal (10/11/1913– 13/06/2005), e o com o seu braço-direito e figura decisiva na direcção dos comunistas portugueses, Octávio Pato (01/04/1925 – 19/02/1999).
Por estas quatro figuras passou muito do que foi a construção da democracia em Portugal, quer nos Governos Provisórios, quer nos Governos Constitucionais, quer na Assembleia Constituinte, eleita a 25 de Abril de 1975, quer um ano depois na primeira Assembleia da República, quer na luta político partidária e na liderança das manifestações de rua. Em lados opostos das barricadas. Soares e Zenha defendendo a democracia liberal. Cunhal e Pato projectando o seu objectivo de fazer de Portugal um país comunista.
Mas se os quatro dirigentes de primeira água na democracia portuguesa têm os seus caminhos cruzados a partir do 25 de Abril, a sua relação nasce antes de 1974 durante a resistência ao Estado Novo, onde os quatro passaram cada um a seu modo pelas cadeiras da PIDE, pela clandestinidade ou pelo exílio. E se Cunhal e Pato permaneceram leais à sua militância comunista até ao fim, o PCP foi apenas o partido onde se iniciaram politicamente Mário Soares e Salgado Zenha.
Entre Soares e Zenha, Cunhal e Pato, mesmo antes das relações políticas, nasceram relações pessoais. É no Colégio Moderno, fundado pelo seu pai, o pedagogo João Soares, que Mário Soares, nascido em 7 de Dezembro de 1924, conhece Álvaro Cunhal, que no início da década de quarenta foi responsável pela área de acompanhamento dos alunos e funcionou como uma figura tutelar perante o jovem Soares.
É através de Cunhal que Soares se aproxima do PCP e integra o Movimento de Unidade Nacional Antifascista (MUNAF) e anos depois, em 1946, a Comissão Central do Movimento de Unidade Democrática (MUD) e funda o MUD Juvenil. Soares só romperá com o PCP uma década depois, em meados dos anos cinquenta.
Da mesma década de quarenta vem a relação pessoal de Soares e Pato, uma amizade tão sólida que mesmo em pleno PREC (Processo Revolucionário Em Curso), as tensas relações PS-PCP eram superadas pela ligação pessoais entre ambos. Octávio Pato perde o seu irmão Carlos, morto pelos agentes da PIDE ao ser torturado, na sequência das greves de 1944. Um ano depois, Pato mergulha na clandestinidade e integra o MUD-Juvenil onde conhece Soares, em casa de quem Pato chega a viver – é conhecido o tom de amizade e admiração com que falava da mãe de Soares, Elisa Nobre Baptista. E é o amigo Mário que já como advogado representará o preso político, Octávio.
Também na Comissão Central do MUD Juvenil se conheceram Soares e Zenha, que à época liderava a Federação das Juventudes Comunistas Portuguesas em Coimbra, depois de, em 1944, ter sido o primeiro presidente eleito da Direcção da Associação Académica de Coimbra. Desde o MUD Juvenil inicia-se uma forte ligação entre Soares e Zenha que será estreitada quando ambos deixam o PCP uma década depois e que os levará a juntos construírem o PS em 19 de Abril de 1973.
A ruptura definitiva entre os dois surgirá em 1979, quando Zenha lidera dentro do Secretariado do PS, um movimento de apoio a Ramalho Eanes, enquanto candidato à reeleição como Presidente da República. Em protesto, Soares demite-se de secretário-geral. Reconquistará o partido em 1981, e instaurará um processo interno a Zenha, expulsando-o então de líder parlamentar.
O confronto anunciado entre os dois” irmãos socialistas” dá-se em 1985, quando ambos se enfrentam cara-a-cara precisamente na primeira volta das Presidenciais. Uma eleição a que Cunhal nunca se apresentou, mas em que Pato foi o primeiro candidato do PCP, em 1976.