Parlamento aprova calendário do Governo para o arranque do "Brexit"
Theresa May aceitou divulgar o plano do executivo antes de iniciar negociações com Bruxelas e, em troca, obteve aval dos deputados para invocar artigo 50 até ao final de Março.
Os deputados queriam que Theresa May se comprometesse a explicar um pouco dos seus planos para a saída do Reino Unido da União Europeia antes do início das negociações com Bruxelas, mas em troca de uma cedência que até agora tinha recusado, a primeira-ministra britânica acabou por conseguir que o Parlamento aprovasse uma moção em que aceita o calendário definido pelo Governo para o arranque do “Brexit”.
A moção foi aprovada quando decorrem as audiências no Supremo Tribunal britânico sobre quem recai o poder de accionar o artigo 50 do Tratado de Lisboa, a cláusula que desencadeia o processo formal de divórcio. Inconformado com a decisão do Tribunal Superior britânico, que no mês passado concluiu que só o Parlamento tem poder para revogar a lei que em 1972 abriu caminho à adesão do país à então CEE, o Governo recorreu da decisão e insiste que vai accionar o artigo 50 até ao final de Março, tal como May já se comprometeu.
Mas quase seis meses depois do referendo que ditou a saída britânica, quase nada se sabe sobre quais as prioridades de Londres para as negociações com a UE – a primeira-ministra definiu apenas como inegociável a necessidade de controlar a imigração para o país, alarmando os sectores da economia que temem perder o acesso ao mercado único (que tem na liberdade de circulação de pessoas é um dos seus pilares).
Neste impasse, o Partido Trabalhista apresentou uma moção em que exigia à primeira-ministra que se “comprometesse a publicar o plano do Governo para a saída da UE antes de o artigo 50 ser accionado”, a fim de poder ser “devidamente escrutinado” pelos deputados. Uma iniciativa que, mais do que clarificação, visava garantir que o Parlamento tem uma palavra a dizer antes do início das negociações.
May insistiu sempre que não revelaria demasiado sobre as suas pretensões, argumentando que isso iria retirar vantagem aos negociadores britânicos quando finalmente se sentarem à mesa com os congéneres europeus. Mas confrontada com as notícias de que pelo menos 20 deputados conservadores apoiavam a iniciativa da oposição – o suficiente para aprová-la –, a líder conservadora virou o jogo: anunciou o apoio ao diploma, na condição de que fosse também votada uma adenda que exorta o Parlamento “a respeitar o desejo” dos eleitores e a aceitar que “o Governo invoque o artigo 50 até 21 de Março de 2017”.
Tanto o Governo como a oposição cantaram vitória, mas depressa se percebeu que a cedência maior tinha sido do Labour, tanto mais que nada na formulação votada nada obriga o executivo a ser mais explícito do que tem sido até agora. “Isto é uma negociação, não é uma declaração política. Por isso, aquilo que propomos no início pode não ser aquilo que alcançamos no fim”, afirmou David Davis, ministro para o “Brexit”, no debate que antecedeu a votação. O responsável comprometeu-se apenas a apresentar, antes de Março, uma “declaração sobre a estratégia negocial e os objectivos” do Governo e remeteu uma votação no Parlamento para quando houver um acordo final com a UE.
Keir Starmer, porta-voz do Labour para o “Brexit”, avisou que o partido não se contentará com planos vagos e exige saber, em tempo útil, se o executivo se vai bater por manter o acesso ao mercado único ou se planeia propor um acordo transitório com a UE, para vigorar após a saída e até à conclusão de um novo acordo comercial. O Parlamento, sublinhou, “tem direito a conhecer os detalhes” do que está a ser preparado. Mas a margem de manobra da oposição é escassa, sob pena de ser vista pela opinião pública como estando a bloquear o mandato popular saído do referendo de Junho. Um risco que Davis fez questão de lembrar, dirigindo-se aos deputados trabalhistas e liberais-democratas que votaram contra a moção: “Veremos hoje aqui quem apoia o Governo na concretização da decisão que foi tomada pelos eleitores britânicos”.