ASAE só apanhou 198 menores a beber álcool num ano e meio

Sindicato diz que fiscalização da aplicação da nova lei não funciona porque faltam inspectores. Especialistas defendem medidas como a criação de espaços livres de álcool e fixação de preço único por dose de bebida para travar intoxicações alcoólicas.

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Em 2015, um inquérito da ESPAD a 18 mil alunos em Portugal revelava que 31% já tinham, aos 13 anos, experimentado álcool FERNANDO VELUDO/NFACTOS

Quase um ano e meio depois da entrada em vigor da lei que proibiu a venda e consumo de qualquer tipo de álcool a menores de 18 anos, a Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica (ASAE) identificou apenas 198 jovens por estarem a beber álcool em locais públicos, o que representa uma média de dois jovens identificados por semana, em todo o país. Do mesmo modo, desde 1 de Julho de 2015, foram instaurados apenas 226 processos de contra-ordenação directamente relacionados com a venda de álcool a menores.

Numa altura em que os poucos dados disponíveis sobre a afluência às urgências hospitalares de jovens alcoolizados parecem mostrar que o fenómeno não está a diminuir (ver texto ao lado), estes são “números absurdos”, segundo o presidente da direcção da Associação Sindical de funcionários da ASAE, Bruno Figueiredo. “Temos cerca de 180 inspectores afectos à actividade operacional e estes não chegam obviamente para inspeccionar os agentes económicos. Basta sair à noite para ver a facilidade com que os menores entram em estabelecimentos e consomem bebidas alcoólicas”, critica.

Nos dados que enviou ao PÚBLICO, a ASAE especifica que desde a entrada em vigor da lei foram instaurados 1316 processos de contra-ordenação, incluindo os que resultaram de autos remetidos pela PSP e pela GNR. Mas daqueles, a maioria refere-se a infracções como a falta de fixação de aviso da proibição ou com a disponibilização de bebidas em arraiais, espectáculos, concertos ou festas académicas “sem ser em recipiente de material leve e não contundente”. E apenas 226 assentaram na venda de álcool a menores. “Sem um reforço de pessoal na ASAE e sem uma melhor coordenação com a PSP e com a GNR, que são as forças que melhor conhecem o terreno, a fiscalização vai continuar a não funcionar”, insiste Bruno Figueiredo.

O Decreto-lei nº 106/2015, de 16 de Junho, prevê a notificação dos pais ou, se o menor for reincidente no episódio de intoxicação alcoólica, o seu encaminhamento para as equipas do Serviço Nacional de Saúde que respondem aos problemas ligados ao álcool. Porém, segundo a ASAE, apenas 10% dos pais acederam a deslocar-se ao local para acompanhar as diligências dos inspectores da ASAE.

Por causa disto, o inspector-geral da ASAE, Pedro Portugal Gaspar, chegou a defender, em declarações ao Expresso, antes mesmo de esta lei seca até à maioridade ter entrado em vigor, que as punições deviam aplicar-se não só aos estabelecimentos comerciais sinalizados por venderem álcool a menores mas também aos representantes do menor apanhado a consumir. Desta vez, porém, o inspector-geral da ASAE não esteve disponível para fazer um balanço da aplicação da lei nem para reagir à falta de meios alegada pelos inspectores. 

Car pool” não, espaços livres de álcool sim 

Considerando que a fiscalização ao consumo de álcool entre os menores “continua a ser bastante insatisfatória”, Álvaro de Carvalho, director do Programa Nacional para a Saúde Mental da Direcção-Geral de Saúde (DGS), aponta um quadro nacional de alguma complacência face ao consumo de álcool e a inconsciência de alguns pais como factores que levam, por exemplo, a que nunca se tenha avançado em Portugal com a criação de locais de convívio juvenil sem álcool.

“Há pais que acham graça a deixar os filhos com 11, 12 ou 13 anos numa festa de anos de um amigo - e há discotecas que abrem à tarde para festas destas - e que depois não controlam se há ou não ali consumo de bebidas alcoólicas.”

E porque “os jovens mais facilmente atingem um grau de intoxicação grave”, o médico psiquiatra critica iniciativas aparentemente bondosas e até incentivadas pelas organizações do sector como o “car pool”. “Num grupo de quatro ou cinco jovens, um não bebe para poder conduzir os outros até casa. Isso em termos de acidentes rodoviários pode ter benefícios, mas, em termos de saúde pública, leva ao aumento dos casos de cirroses hepáticas alcoólicas que aparecem em idades cada vez mais precoces”, alerta Álvaro de Carvalho. Os que podem beber porque não vão conduzir passam a beber ainda mais. O responsável recorda também que, além da interferência nos aparelhos “neurológico, digestivo e até cardíaco” dos jovens, o consumo excessivo de álcool é o gatilho para “grande parte dos desacatos na via pública" e propicia contextos associados ao "contágio por doenças sexualmente transmissíveis e gravidezes adolescentes”.

Mais do que à lei – os efeitos da legislação actual não foram ainda formalmente avaliados -, a estabilização dos consumos de álcool entre os jovens dever-se-á “à crise, por um lado, mas também a modos de convivência entre os jovens mais virtuais e fechados em casa”, na opinião de Fernanda Feijó, coordenadora do Estudo sobre o Consumo de Álcool, Tabaco, Drogas e outros Comportamentos Aditivos e Dependências (ESPAD, na sigla inglesa), análise europeia que em Portugal é assegurada pelo Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências.

“Sem querer desvalorizar o problema – porque não é de desvalorizar –, os jovens portugueses estão numa posição relativamente confortável, quando comparados com outros países”, realça Fernanda Feijó, para lembrar que em termos de binge drinking (ingestão de cinco ou mais bebidas num curto espaço de tempo para conseguir uma embriaguez rápida), a frequência dos jovens portugueses é muito menor do que nos países do Norte da Europa.

“Quando lhes perguntávamos se tiveram problemas nos últimos 12 meses por terem bebido, 16% dos alunos em Portugal referiram problemas como ser roubado, ter um acidente, problemas com os pais ou com a polícia. Na Dinamarca essa percentagem era de 43%”, compara.

Referentes a 2015, os indicadores da última versão portuguesa do ESPAD cujos inquéritos foram respondidos por mais de 18 mil alunos mostram ainda assim que o álcool é das substâncias mais consumidas entre os jovens portugueses. A percentagem dos que tinham experimentado álcool era, naquele ano, de 71%. Aos 13 anos, 31% já tinham bebido álcool, percentagem que subia para os 91% na faixa dos 18 anos. Do mesmo modo, 3% dos alunos com 13 anos declararam que já se tinham embriagado nos 12 meses anteriores ao inquérito. Entre os jovens de 18 anos a percentagem dos que se tinham embebedado subia para os 43%.

Preço mínimo por dose de bebida

“No grupo dos 18 anos, há um conjunto de 10% dos jovens com padrões de consumo muito intensivos, com bebedeiras e binge drinking de bebidas destiladas e misturas”, diz Fernanda Feijó. Depois de anos a estudar os padrões de consumo juvenil, aquela especialista defende que a definição de um preço mínimo por bebida poderá ser uma forma de travar estes consumos excessivos. “Há sítios onde se vende cerveja muito barata e onde os miúdos formam filas. Se se conseguisse evitar estas promoções, definindo o tal preço mínimo por copo de cerveja, conseguiríamos travar estas aglomerações”, advoga, para lembrar que “em vários países do Norte da Europa há uma pressão grande para se implementar o preço único por dose de bebida”.

Em termos de campanhas de prevenção que possam vir a delinear-se, Fernanda Feijó deixa um conselho: “Pelo facto de não gostarem tanto de cerveja, que é amarga, as raparigas tendem a beber principalmente bebidas destiladas que são mais doces. Isso é problemático, porque elas embriagam-se muito mais depressa.” “Nos anos 90 a indústria do álcool preocupou-se com as mulheres, que biologicamente tinham uma aversão ao álcool, e intensificou a quantidade de açúcar nas bebidas para neutralizar o sabor, criando as chamadas alcopops”, enquadra Álvaro de Carvalho. Aparentemente, foi uma aposta ganha: aos 13 anos, 7% das raparigas inquiridas pelo ESPAD declararam ter consumido alcopops nos últimos 30 dias, contra 6% dos rapazes daquela idade. Aos 18 anos, a prevalência de consumo actual subia para os 42% das raparigas (45% entre os rapazes). 

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