A História o absolverá?

A História não trata necessariamente mal os ditadores, sobretudo quando são “grandes” e nacionalistas.

Reserve as sextas-feiras para ler a newsletter de Jorge Almeida Fernandes sobre o mundo que não compreendemos.

A História não é um tribunal. Tenta reconstituir e explicar, o que pode dar lugar a juízos mais severos do que as catilinárias ideológicas. De resto, a História não trata necessariamente mal os ditadores, sobretudo quando são “grandes” e nacionalistas. Outra coisa é a opinião, que depende das épocas e das geografias.

Houve a lenda do revolucionário romântico, com fantástico talento para vender a sua imagem a jornalistas, a intelectuais de Sartre a García Márquez  e, obviamente, aos jovens revolucionários que nos anos 1960 emergiam por todo o Ocidente. Muitos deles foram mais fascinados pelo Che. Com razão. O Che morre ainda jovem, martirizado na Bolívia, o que faz dele o ícone por excelência. Fidel morre na cama aos 90 anos. Mas sempre foi “El Comandante”, figura omnipresente na segunda metade do século XX e referência da esquerda um pouco por todo o mundo. Até à sua “primeira morte” com o fim da URSS.

Ao princípio dizia Fidel: “A revolução cubana é uma democracia humanista.” Prometeu dar dignidade aos cubanos. Garantiu a saúde e o ensino  mas em troca das liberdades e do persistente hábito de fuzilar e encher cadeias.

O estúpido bloqueio americano não é responsável por tudo. Também os desastres da estatização económica colocaram Cuba sob tutela soviética. E, em termos de dignidade, Cuba tornou-se numa “Disneylândia da miséria” e, mais tarde, com o turismo, num paraíso de prostituição, como nos melhores tempos da ditadura de Batista. À História bastará narrar.

A independência da revolução perante a URSS sempre foi relativa. Em 1962, quando Cuba esteve no centro da crise dos mísseis russos, Fidel viu com desgosto Krustchov humilhá-lo, resolvendo a crise entre “os dois grandes” e mandando retirar os mísseis sem dar satisfações à pequena Cuba. Fidel prendeu o antigo líder comunista, Anibal Escalante, para mostrar a sua independência dos russos. “El Comandante” era ele. Os russos concordaram. Mais tarde, ao intervir em África, de Angola à Etiópia, fez Fidel uma obra de “internacionalismo revolucionário” ou serviu de força de apoio à expansão do império soviético, com alguns dividendos económicos? A resposta da História não será difícil.

Por que durou, e dura, tanto tempo o regime? O historiador cubano Joaquín Roy, director do Centro da União Europeia na Universidade de Miami, lembra no El País a explicação do diplomata britânico David Thomas. “A revolução cubana era, de origem, made in Cuba, não imposta pelos tanques soviéticos, um produto crioulo.” A hostilidade americana fez o resto.

Prossegue Roy: “O legado do castrismo no contexto latino-americano está centrado num aspecto nacional e noutro pessoal. O regime vendeu magistral a sublimação da construção de uma nacionalidade a partir de uma consciência antes débil e confusa. (…) Castro explorou até ao paroxismo o anti-ianquismo, convertendo-o numa parte consubstancial da identidade nacional.”

Foi também um ideólogo dos males da América Latina e, por isso, teve uma larga projecção no subcontinente, apesar da falência de todas as aventuras guerrilheiras. Nenhum seguidor, a começar por Hugo Chávez, teve a sua envergadura.

Conclui Roy: “É possível que a História não chegue a absolve-lo. Mas na América Latina será difícil esquecê-lo, ainda que se note um certo grau de alívio.” E não só na América Latina.

 

 

 

 

 

Sugerir correcção
Ler 14 comentários