Depois de meses de tumultos, Etiópia declara estado de emergência

Centenas de mortos em protestos, fábricas destruídas e um crescente mal-estar da comunidade internacional levaram o Governo a tentar dominar os tumultos com mais repressão.

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Forças policiais tentam conter manifestantes oromo, durante o festival religioso de acção de graças Irreecha, na ciade de Bishoftu, na região etíope de Oromia. Reuters/TIKSA NEGERI

O Governo da Etiópia decretou este sábado o estado de emergência durante seis meses no país, na sequência dos tumultos dos últimos meses que já provocaram centenas de mortes e sucessivos ataques a fábricas e explorações agrícolas, na sua maioria de empresas estrangeiras.

“Foi declarado o estado de emergência após um debate profundo no Conselho de Ministros sobre as mortes e danos provocados no país”, anunciou o primeiro-ministro etíope, Hailemariam Desalegn, numa comunicação emitida pela televisão estatal este domingo. “A situação representava uma ameaça contra o povo do país”, acrescentou.

“O estado de emergência é vital, é essencial para restaurar a paz e a estabilidade ao longo de um curto período de tempo”, justificou Hailemariam Desalegn, acrescentando que a Frente Democrática Revolucionária do Povo Etíope (FDRPE), que domina todo o Parlamento, está a planear reformas para o país e que irá discuti-las com os partidos da oposição.

Porém, ao declarar o estado de emergência, o Governo fica ainda com mais armas para poder enfrentar a contestação com repressão e violência.

Depois de quase duas décadas em que se registaram francas melhorias dos índices de desenvolvimento – apesar de ainda se manter um dos países mais pobres do mundo –, da aposta na industrialização e de acumular índices de crescimento económico anuais, a Etiópia tem, porém, dado alguns passos atrás em matéria de liberdade, somando-se, por exemplo, os casos de repressão política.

Mas a gota de água foi o plano de expansão da capital, Adis Abeba, que previa a expropriação de terras e aldeias habitadas pela etnia oromo, a maior num país com uma população de 100 milhões de pessoas distribuídas por dezenas de grupos étnicos. Os crescentes episódios de violência levaram a que o projecto fosse posto de parte uns meses depois, mas não apagou os protestos contra a discriminação de que os oromo se dizem alvo.

Este sentimento acabou por contagiar os amhara, a segunda maior etnia e com quem somam antigas rivalidades. Juntos, os dois grupos representam 60% da população e apresentam-se agora unidos contra o Governo. A violência dos protestos não tem parado de aumentar nem tão pouco a resposta das autoridades, cada vez mais apontadas a dedo pela comunidade internacional pela repressão que têm usado.

No domingo passado, pelo menos 55 pessoas foram mortas durante tumultos na região de Oromia, a província que rodeia Adis Abeba e se estende para Sul e Oeste, até às fonteiras do Quénia e Sudão do Sul. Durante um festival religioso, a polícia lançou gás lacrimogéneo e disparou armas para o ar para dispersar os manifestantes anti-Governo que ali se concentraram e a violência acabou por estalar.

Um episódio que se veio somar a um já longo historial de casos do género nos últimos meses – em Agosto, num só fim-de-semana, terá morrido uma centena de pessoas durante protestos não só na capital mas também em vários pontos da província de Oromia. E que eleva para várias centenas as vítimas mortais desde o final do ano passado, nas contas de grupos de direitos humanos como a Human Rights Watch. O Governo, por seu lado, fala em dezenas de vítimas e – pelo menos até agora – tende a desvalorizar os protestos, atribuindo-os a confrontos entre as forças de segurança e “separatistas étnicos”.