A noite horrível acabou, mas ainda não se vê o sol

Independentemente do que vier a acontecer nas novas negociações em Cuba, a paz na Colômbia chegará inevitavelmente ao papel.

Matéria política que era, o referendo ao acordo de paz assinado entre o Governo do Presidente Juan Manuel Santos e os guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), não requeria nem implicava mudanças constitucionais: o seu chumbo pelo eleitorado colombiano, no domingo, não põe em causa o regime.

Atendendo aos números da votação (a abstenção superior a 60% e a curta margem de diferença entre quem se pronunciou a favor e contra o acordo), Santos mantém intacta a legitimidade institucional e política para ordenar a retoma das negociações com as FARC – cujo líder Rodrigo Londoño (Timochenko), de resto, diz que o único futuro que vê para o seu movimento é político e é pacífico.

Durante a campanha, os dois insistiram que não havia alternativa ao acordo que os colombianos acabaram por rejeitar nas urnas. Repetem, agora, que o plano B é o regresso ao plano A: os negociadores já voltaram a Havana, embora sem o líder da delegação governamental, Humberto de la Calle. Viajaram numa posição fragilizada, e sob maior pressão. Sabendo-se que têm, rapidamente, que encontrar um novo compromisso, é difícil antecipar o que conseguirão salvar do acordo anterior. O momento é de angústia, mas não de desesperança.

Tivesse tudo corrido como o previsto, e hoje os membros das FARC estariam a dar início à operação de abandono da selva, com a concentração em 26 áreas previamente delimitadas pelo Governo e a entrega de armas supervisionada por equipas das Nações Unidas, antes do ingresso na vida civil — incluindo na vida política do país.

Estariam também a dar-se os primeiros passos na aplicação do sistema de justiça que foi estabelecido para a reparação das vítimas e o castigo dos guerrilheiros responsáveis por crimes de guerra ou que tenham participaram em crimes violentos (agressões, violações, mortes, recrutamentos forçados, desalojamentos). Era um sistema algo ambíguo, que previa uma boa dose de perdão, e que claramente não agradou a quem exigia uma retribuição do tipo olho por olho.

E o Estado estaria, finalmente, a recuperar a soberania sobre uma parcela considerável do seu território, que estava sob ocupação da guerrilha. Sem acordo, a tendência dos grupos ligados ao narcotráfico será apoderar-se das áreas de cultivo indispensáveis ao negócio da cocaína – é um movimento impossível de contrariar sem recurso ao Exército. Ao contrário dos membros das FARC, que confirmaram a sua vontade de desmobilizar e renunciar à luta armada, os cartéis da droga não se comprometeram com nenhum cessar-fogo: uma nova espiral de violência nas áreas rurais do país não pode ser posta de parte.

Ninguém tem interesse que estes princípios em que assentava o acordo – da desmobilização ao desarmamento; da responsabilização e punição à normalização, reconciliação e integração; do investimento no desenvolvimento rural e social – sejam postos em causa quando foram retomadas as conversações. Nem o Governo, nem a oposição, e muito menos as FARC, podem esperar alcançar um novo compromisso baseado noutras premissas que não estas.

Independentemente do que vier a acontecer nas novas negociações em Cuba – no cenário mais optimista, as delegações corrigem rapidamente o rascunho do acordo; no mais pessimista, precisam de algum tempo para acertar uma nova agenda e redigir um novo documento – a paz na Colômbia chegará inevitavelmente ao papel.

O hino colombiano, escrito em 1887 a partir de um poema do Presidente Rafael Núñez, diz que "cessou a noite horrível". Foi essa estrofe que Juan Manuel Santos cantou há uma semana em Cartagena, quando assinou o acordo que põe fim à guerra com as FARC. Poderá ter sido excesso de confiança e optimismo. Mas a verdade é que já amanheceu na Colômbia, mesmo se ainda não se veja bem a luz do sol. Um retorno ao conflito é impensável.

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