Suspensão de fundos a Portugal e Espanha “não é uma sanção”, alega Bruxelas

Comissários mantêm pressão sobre os dois países, admitindo levantar uma eventual suspensão de fundos perante o compromisso de redução do défice.

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Katainen coloca nas mãos dos dois governos evitar que a suspensão tenha efeitos práticos Rui Gaudêncio

Nada está decidido sobre a eventual suspensão de fundos europeus de Portugal e Espanha e, mesmo que a penalização avance, Bruxelas admite levantá-la se os dois países cumprirem os planos de redução do défice, garantiram no Parlamento Europeu os comissários Jyrki Katainen e Corina Cretu, rejeitando estar em causa uma sanção aos dois países.

Em Estrasburgo, onde na tarde desta segunda-feira foram ouvidos pelos eurodeputados, os dois comissários procuraram contrariar a ideia de que a suspensão de fundos é uma opção política, alegando estarem apenas a cumprir as regras europeias. E colocaram nas mãos dos governos português e espanhol pressão para cumprirem a trajectória de redução do défice, porque se assim for, dizem, pode ser levantada a eventual suspensão dos fundos. Eurodeputados portugueses alertaram para os efeitos que a própria discussão sobre a suspensão dos fundos pode ter na economia.

Apesar do cancelamento das multas a Portugal e Espanha pelo incumprimento do valor do défice de 2015, o executivo comunitário ainda pode propor ao Conselho Europeu a suspensão parcial das autorizações dos fundos europeus aos dois países para 2017, tendo para isso de ouvir primeiro o Parlamento Europeu.

Ao longo do debate em Estrasburgo (nas comissões de desenvolvimento regional e assuntos económicos e monetários), ficaram à vista as tensões, regionais e políticas, entre quem defende que não há saída porque é preciso cumprir a aplicação do regulamento dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento (FEEI) e quem considera que a Comissão tem o poder de não avançar com esta medida, por ser contrária ao próprio princípio da coesão que os fundos europeus pretendem potenciar.

O vice-presidente com a pasta do Investimento e Competitividade, Jyrki Katainen, defendeu que a suspensão “não é uma sanção” e justificou-se com a “obrigação jurídica de propor uma suspensão parcial”. Portugal e Espanha terão de apresentar a Bruxelas um esboço orçamental para o próximo ano até 15 de Outubro e, em função disso, a Comissão fará um ponto da situação. “Se houver uma decisão de suspensão, e se os dois países cumprirem aquilo com que se comprometeram, levantaremos as suspensões que eventualmente houver; pode haver uma suspensão e daí a algumas semanas ela ser levantada”, admitiu Katainen, dizendo estar nas mãos dos dois governos evitar que a suspensão tenha efeitos práticos.

A comissária para a Política Regional, Corina Cretu, disse mesmo que a suspensão das autorizações de verbas diz respeito ao ano de 2020, “isto se o país não tomar as medidas para cumprir [a redução do défice]”. E acentuou a pressão feita por Katainen, passando a bola para os governos nacionais: “Tenho a certeza que não chegaremos a 2020 porque os dois países vão apresentar uma proposta de OE para 2017 e, evidentemente, se Espanha e Portugal cumprirem aquilo que o Conselho disse, levantaremos imediatamente a suspensão”.

Quanto à consolidação das contas públicas, Bruxelas aceitou flexibilizar a meta do défice deste ano para 2,5% do PIB mas para isso pressionou o Governo a aplicar “integralmente medidas de consolidação que representam 0,25 % do PIB” este ano, incluindo “as medidas adicionais de controlo das despesas na aquisição de bens e serviços salientadas no Programa de Estabilidade”.

Em relação a Espanha, a Comissão Europeia decidiu dar mais tempo para corrigir o défice, admitindo que fique abaixo dos 3% do PIB apenas em 2018 (a trajectória acordada prevê um défice de 4,6 % este ano, de 3,1 % em 2017 e de 2,2 % em 2018).

A “farsa”

Os dois comissários não deram nenhuma decisão como tomada. “Estamos aqui para vos ouvir e saber o que pensam”, chegou a dizer Corina Cretu. Da bancada parlamentar ouviram-se críticas severas à posição dos comissários, com vários deputados de diferentes grupos parlamentares a considerarem a suspensão dos fundos errada. “Inoportuna”, “injusta”, “contraproducente”, ouviu-se; outros defenderam que cabe ao executivo aplicar as regras, mesmo que depois a suspensão possa ser levantada.

Burkhard Balz, alemão do PPE, afirmou: “Eu não vou instar a Comissão a cometer uma violação jurídica…”. Mas dentro do mesmo grupo político dos democratas-cristãos o assunto está longe de ser pacífico. “Se assim for, por que é que estamos aqui a perder tempo?!”, interrogou-se o deputado espanhol Ramón Luis Valcárcel Siso, do mesmo grupo político, mostrando-se “absolutamente contra” uma suspensão que considera injusta.

Do lado português, os deputados de diferentes grupos políticos seguiram o mesmo caminho. Fernando Ruas, do PSD, alertou para as consequências prejudiciais que a discussão, por si só, está a ter nas expectativas de investimento nos dois países e na própria confiança dos cidadãos.

Marisa Matias, do BE, acusou Bruxelas de estar a fazer uma “enorme farsa” e considerou que a posição da Comissão representa um crime contra quem sofreu “na pele as consequências de uma austeridade estúpida”. E rejeitou a ideia de que esta medida é um incentivo aos dois países, acusando Bruxelas de querer “manter deliberadamente os países em causa numa situação” de vulnerabilidade.

Pedro Silva Pereira, do PS, também alertou que “apenas a ameaça de suspensão já está a prejudicar os investimentos de Portugal”. E rejeitou o argumento de que a Comissão tem obrigatoriamente de propor a suspensão, mesmo que depois a levante. Bruxelas, contrapôs, “pode e deve ao abrigo das regras tomar uma decisão”: a não suspensão dos fundos.

Suspender verbas, argumenta o Governo português, seria neste momento uma decisão injusta e contraproducente para a economia e a própria trajectória de correcção do défice, posição que o primeiro-ministro português voltou a reforçar nesta segunda-feira, horas antes da discussão em Estrasburgo.

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