Ban Ki-moon fala de crimes de guerra após ataques a hospitais em Alepo
França anuncia resolução a ser votada no Conselho de Segurança. EUA ameaçam suspensão da cooperação com a Rússia, aliada do regime sírio.
Dois ataques a hospitais de Alepo levaram o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, a falar em “crimes de guerra” na Síria. “É pior do que um matadouro”, disse o responsável numa reunião do Conselho de Segurança. “Os que usam armas com poder cada vez mais destrutivo sabem exactamente o que fazem: cometem crimes de guerra”, afirmou.
Lembrando que o direito internacional obriga à protecção do pessoal e instalações médicas durante os conflitos, Ban Ki-moon disse ainda que há “uma guerra contra os trabalhadores de saúde na Síria”. “Ataques deliberados contra hospitais são crimes de guerra”, repetiu, segundo a agência francesa AFP.
Os ataques ocorrem no Leste da cidade, controlado pelos rebeldes e sujeito a certo pelas forças do regime de Bashar al-Assad.
Neste momento, restam seis unidades hospitalares para cerca de 250 mil pessoas. Adham Sahloul, da Sociedade Médica Sírio-Americana, que gere estes hospitais, diz não ter dúvidas de que os ataques foram “deliberados”.
Num dos locais, três funcionários, entre eles o condutor de uma ambulância e uma enfermeira, ficaram feridos. Noutro, um gerador ficou completamente destruído. Se houver nova ofensiva sobre os estabelecimentos, isto significará “uma sentença de morte para centenas de pessoas”, declarou Sahloul.
Um médico que estava num dos hospitais na altura do ataque contou à AFP que todos estão “aterrorizados”. “Temos medo de ser as novas vítimas de hoje”, declarou.
A organização não-governamental norte-americana Médicos pelos Direitos Humanos contabilizou, de Março de 2011 ao final de Junho de 2016, um total de 382 ataques contra instalações médicas no país, dos quais 90% atribuídos ao regime. Nestes ataques morreram 757 profissionais de saúde.
A suspensão de actividades destes dois hospitais, com unidades para trauma e cirurgia, é um duro golpe numa cidade em que os cuidados médicos são muito afectados pela falta de material e medicamentos devido ao cerco, e em que ambulâncias têm sido destruídas por bombardeamentos.
Já antes do ataque aos hospitais, a Organização Mundial de Saúde e a Cruz Vermelha tinham apelado a um corredor humanitário para permitir que doentes e feridos recebessem assistência médica ou hospitalar. A OMS alertou para o perigo de as instalações hospitalares estarem à beira da “ruptura total”.
Rússia responsabilizada
A nível diplomático, França indicou que quer forçar um veto russo na ONU. O ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Jean-Marc Ayrault, anunciou que Paris está a propor ao Conselho de Segurança uma resolução para um cessar-fogo em Alepo. “Esta resolução deixará todos a enfrentar as suas responsabilidades. Os que não a apoiarem arriscam-se a serem responsáveis em crimes de guerra.”
Na última reunião, marcada de emergência, o embaixador francês na ONU acusou directamente o regime sírio e a sua aliada Rússia de crimes de guerra pelos últimos ataques em Alepo em que foram usadas armas incendiárias, provocando um grande número de vítimas civis na parte da cidade controlada pelos rebeldes, sujeita a cerco, onde não há água potável e tudo escasseia. François Delattre fez mesmo uma comparação entre o que poderia ser Alepo na guerra da Síria: Sarajevo na guerra na Bósnia ou Guernica durante a guerra civil de Espanha.
Antes da reunião do Conselho de Segurança, o Departamento de Estado dos EUA anunciou que, numa conversa telefónica, o secretário de Estado John Kerry informou o seu homólogo russo, Sergei Lavrov, que os norte-americanos se preparam para suspender a sua cooperação bilateral com a Rússia na Síria.
Kerry acrescentou que os EUA consideravam a Rússia directamente responsável pela “grave escalada” no terreno, “com poderosas bombas incendiárias usadas em zonas residenciais”, que “expõe os civis a um grande risco”.
No mesmo dia, a Human Rights Watch acusou o regime sírio de usar, mais uma vez, armas químicas em ataques. A organização de defesa de direitos humanos com sede em Nova Iorque diz que há “fortes indícios” de que a 10 de Agosto e a 6 de Setembro o regime voltou a usar químicos tóxicos em ataques – sintomas relatados pelas vítimas, relatos do pessoal médico que as assiste, e ainda imagens dos restos das bombas, incluindo vários cilindros de gás, indicam o uso de cloro.