Protestos antigovernamentais em Kinshasa fazem dezenas de mortos
Foram incendiadas as sedes dos principais partidos da oposição. Manifestantes querem eleições e acusam o líder da República Democrática do Congo de se querer manter no poder de forma indefinida.
As forças de segurança da República Democrática do Congo fizeram dezenas de mortos nos últimos dois dias, à medida que os protestos contra o Presidente, Joseph Kabila, vão subindo de tom. Esta terça-feira foram incendiadas sedes de três partidos da oposição.
Pela manhã viam-se corpos carbonizados, pessoas queimadas vivas e um homem gravemente ferido na cabeça deitado numa berma. A descrição do correspondente da AFP em Kinshasa confirmava o agravamento da violência que já vinha da véspera, quando dezenas de pessoas foram mortas em confrontos com a polícia.
Os grupos da oposição dizem que mais de 50 pessoas morreram na segunda-feira, enquanto o Governo aponta para apenas 17, embora admita que o número possa subir. A investigadora da Human Rights Watch Ida Sawyer, que foi expulsa do país recentemente, dizia ter “relatos credíveis de 37 civis mortos pelas forças de segurança”, para além de seis polícias e um membro do “partido presidencial”, desde segunda-feira.
O dirigente da oposição, Félix Tshisekedi, acusou um “comando do lado do poder” de ter atacado as sedes partidárias. O secretário-geral da União para a Democracia e o Progresso Social (UDPS) disse à AFP que cinco pessoas morreram no edifício do seu partido.
Os protestos foram convocados pelos partidos de oposição que vêem cada vez como mais certo a continuação de Kabila no poder. De acordo com a Constituição congolesa, o Presidente atinge o termo do seu mandato a 19 de Dezembro e está prestes a terminar o prazo para que se possam marcar eleições antes daquela data.
Há já vários meses que se temia o regresso da violência a um país que passou as últimas décadas mergulhado uma guerra civil que matou entre 500 mil e cinco milhões de pessoas, em luta contra dezenas de grupos rebeldes no Leste — e que deu origem à mais longa e cara operação de capacetes azuis da história da ONU —, e que nos seus 55 anos de independência nunca conheceu uma transição pacífica de poder.
Violência anunciada
O poder caiu nas mãos de Kabila em 2001, quando este tinha apenas 30 anos, na sequência do assassínio do seu pai, Laurent-Désiré Kabila, um guerrilheiro que tinha derrubado o ditador Mobutu Sese Seko, em 1997. Desde então, Kabila venceu duas eleições (2006 e 2011) e deveria abandonar o poder no final deste ano, sem se poder voltar a candidatar.
No entanto, há mais de um ano que o líder congolês e o seu círculo próximo vêm dando sinais de que uma saída de cena não está nos seus planos. A oposição a Kabila acusa o Presidente de estar a criar expedientes legais para adiar as eleições e permanecer no cargo indefinidamente.
Em Janeiro do ano passado, pelo menos 30 pessoas foram mortas e mais de 300 detidas durante confrontos com a polícia. Os manifestantes protestavam contra um projecto de lei que previa a realização de um censo à população antes das eleições. Estimativas independentes, citadas pelo Guardian, apontam para que esse processo possa levar entre dez e 18 meses, num país que é o 12.º maior do mundo e que tem uma população de 79 milhões de pessoas.
O Governo diz que não é possível fazer eleições justas sem uma renovação dos cadernos eleitorais. O último recenseamento foi feito em 2011 e exclui cerca de sete milhões de novos eleitores, para além de manter outros que entretanto morreram. Enquanto as eleições não forem convocadas, Kabila irá permanecer no poder, de acordo com uma decisão muito contestada do Supremo Tribunal.
Em Julho, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, enviou um relatório ao Conselho de Segurança em que dava conta da elaboração de “planos de contingência” por parte da missão no país, “na eventualidade de violência generalizada no contexto do processo eleitoral”. O próprio Governo parecia preparar-se para o agudizar da tensão. No início deste mês, a Foreign Policy revelava que tinha sido importado material para controlar manifestações, incluindo canhões de água, equipamento antimotim e gás lacrimogéneo.
A situação do Congo assemelha-se àquela vivida em vários países africanos, onde líderes à frente dos destinos dos seus governos têm tentado através de diversos métodos manter-se no poder. Em 2014, o ex-Presidente do Burkina Faso, Blaise Compaoré, foi afastado do poder depois de ter tentado alterar a Constituição de forma a permitir recandidatar-se a um terceiro mandato.
Os EUA e a França avisaram que podem avançar para a aplicação de sanções contra oficiais do Governo congolês na sequência dos episódios de violência. O ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Jean-Marc Ayrault, descreveu a situação como “extremamente preocupante e muito perigosa”.
Em Washington, o conselheiro diplomático presidencial Kikaya Bin Karubi tem apelado à compreensão da Administração norte-americana. “As sanções não são a solução para nos ajudarem a resolver os nossos problemas”, disse Karubi, citado pelo Guardian. O dirigente congolês garantiu que o atraso nas eleições não foi “orquestrado propositadamente” e que Kabila respeita a Constituição.