Obama critica líderes africanos que se recusam a largar o poder
Num discurso histórico, na sede da União Africana, o Presidente norte-americano disse que aqueles que se mantêm no poder infinitamente põem em causa o “progresso democrático” de África.
Face à ausência de Robert Mugabe, o líder da UA, coube a Nkosazana Dlamini-Zuma fazer o discurso de abertura, na recepção a Barack Obama. A antiga ministra de Nelson Mandela disse sentir-se “honrada” pela “visita histórica” do chefe de Estado norte-americano e desfez-se em elogios ao seu percurso político. Para Zuma, Obama “subiu o Monte Evereste da política americana” e deve servir de exemplo para todos os africanos que desejem mais e melhor para as suas vidas.
Ainda assim, antes de passar a palavra ao primeiro Presidente norte-americano em funções a discursar na UA, Zuma lembrou os EUA do “erro histórico” que é a não-representação do continente africano no grupo dos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, comentário que mereceu fortes aplausos da assistência, composta por líderes africanos e jovens representantes da sociedade civil.
Muito se esperava do discurso de Obama, nomeadamente uma palavra crítica em relação às violações de direitos humanos e às práticas anti-democráticas, reconhecidas e criticadas por vários governos e ONG, que se verificam em alguns países africanos. O Presidente norte-americano tinha sido comedido no dia anterior, na conferência de imprensa com o primeiro-ministro etíope, e foi mesmo criticado por activistas locais, por se ter referido ao Governo da Etiópia como “democraticamente eleito” – o partido no poder obteve, em Maio, a totalidade dos lugares no parlamento nacional.
Barack Obama começou por apelar à necessidade de largar os “antigos estereótipos” que vêem África como um continente “pobre e em guerra”, lembrando que a economia africana está em “grande crescimento” e que é necessário investir nas gerações futuras. Para o Presidente dos EUA, o grande entrave ao progresso económico dos países africanos continua a ser aquilo a que chama o “cancro da corrupção”.
Após um período inicial, no qual foi conquistando aplausos e a confiança dos membros da assistência, Obama acabou por tocar, finalmente, nas questões mais sensíveis. Para o chefe de Estado norte-americano as mais básicas liberdades – “expressão”, “reunião”, “consciência” – ainda “são negadas em vários países africanos”, principalmente por aqueles que “não aceitam largar o poder” e que “prendem jornalistas” ou “restringem grupos de oposição legítimos”.
“O progresso democrático de África está (…) em risco quando líderes se recusam a afastar quando o seu mandato acaba”, alertou Obama, criticando directamente o Presidente do Burundi, Pierre Nkurunziza, e aqueles que “mudam as regras a meio do jogo, apenas para se manterem nos cargos”, criando “instabilidade e violência” e não deixando que “apareçam novas ideias”.
“Deixem-me ser honesto convosco, [porque] não compreendo mesmo isto”, confessou Obama. “Eu estou no meu segundo mandato… Adoro o meu trabalho, mas segundo a nossa Constituição, não posso concorrer outra vez. Sinceramente acho que sou um Presidente bastante bom e (…) que, se concorresse, venceria de novo, mas não posso”, acrescentou, motivando sonoras gargalhadas do público.
Para Obama, ainda há muito “trabalho a fazer”, uma vez que “não basta haver eleições formais”, para ser atingida uma “plena democracia”. O Presidente dos Estados Unidos apelou ao “respeito pela dignidade e igualdade”, como mecanismo de “emancipação para a liberdade”. E referiu ainda que um dos primeiros passos para a democratização efectiva do continente passa por “acabar”, de vez, com a “discriminação das mulheres”.
O líder norte-americano anunciou também que, após uma reunião com os líderes regionais da África Oriental, a data definida para o alcance de um acordo de paz, por parte das facções em disputa no Sudão do Sul, será 17 de Agosto. A segurança foi um dos temas mais falados durante o roteiro de Obama pelo Quénia e a Etiópia e este quis deixar bem claro, no discurso perante a AU, que os EUA vão “reforçar a cooperação” com as forças militares locais, principalmente no combate aos grupos extremistas “assassinos” do Boko Haram, Al-Qaeda e Al-Shabab.
Texto editado por Maria João Guimarães