Governo desafia parceiros a proporem soluções para dinamizar contratação colectiva
Secretário de Estado do Emprego diz que não é viável repor integralmente o princípio do tratamento mais favorável. Discussão com os parceiros sociais começa em Outubro.
O secretário de Estado do Emprego desafiou, nesta segunda-feira, os parceiros sociais a encontrarem uma posição comum que permita desbloquear a negociação colectiva que, nos últimos anos, atingiu níveis historicamente baixos. “Seria importante que, antes de o Governo apresentar uma proposta [na concertação social], as partes envolvidas no mercado de trabalho procurassem uma solução de conjunto. Seria um excelente sinal”, disse Miguel Cabrita, durante uma iniciativa promovida pelo Observatório sobre Crises e Alternativas e pelo pólo de Lisboa do Centro de Estudos Sociais.
O governante garantiu que há vontade política para o relançamento da negociação de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho (acordos que definem as condições de trabalho e os níveis salariais dos vários sectores ou empresas), mas os avanços concretos dependem do envolvimento dos parceiros sociais na procura de soluções. “Só acredito no relançamento da contratação colectiva se tiver como base o interesse das partes envolvidas. Se os diferentes representantes do mercado de trabalho não virem utilidade nestes acordos, tenho dúvidas de que possamos ter uma dinamização da negociação colectiva”, referiu.
O Ministério do Trabalho tem em curso uma actualização do Livro Verde das Relações Laborais, cujo resultado será apresentado “nas próximas semanas”, lembrou o secretário de Estado. Este documento servirá de base ao debate que terá início em Outubro na Comissão Permanente de Concertação Social (CPCS), com vista à revisão de algumas normas da legislação laboral que permitam desbloquear a crise que envolve o diálogo entre patrões e sindicatos no terreno.
Miguel Cabrita deixou algumas balizas que vão enquadrar a discussão na CPCS. Um dos pontos que promete gerar polémica prende-se com o princípio do tratamento mais favorável, eliminado da lei em 2003 e parcialmente reposto em 2009.
Os sindicatos, nomeadamente a CGTP, defendem que este princípio deve ser integralmente reposto, de modo a que nenhuma convenção colectiva possa conter condições de trabalho piores do que as que estão previstas no Código do Trabalho, algo eu não agrada à generalidade das confederações patronais. O próprio secretário de Estado diz que não é viável a reintrodução “tout court” deste princípio e defende uma solução moderada, que permita encontrar um “amplo leque de conteúdos que deve ser colocado na esfera da negociação colectiva”.
Quanto ao regime da caducidade (que, genericamente, permite que uma convenção colectiva caduque sem que seja substituída por outra) – outro dos pontos em que sindicatos e patrões têm posições opostas – o secretário de Estado diz que tem de ser “cuidadosamente pensado”, distinguindo a caducidade “natural” das convenções, de um uso “menos correcto”.
“É com estranheza que observo que convenções negociadas recentemente, já com as regras actuais, estejam em processo de caducidade", exemplificou, sem apontar casos concretos.
Outro dos pontos que será abordado tem a ver com a extensão das convenções a trabalhadores de empresas que não estão filiadas nas associações que as assinaram. O regime esteve suspenso durante a permanência da troika em Portugal, foi alterado já no final do mandato do anterior Governo e, segundo Miguel Cabrita, carece de melhorias.
Pressão internacional condiciona Governo
O secretário de Estado destacou a importância de se encontrarem soluções “equilibradas” e reconheceu que “não vai ser fácil reverter a crise” da contratação colectiva, que se aprofundou durante a permanência da troika em Portugal.
Uma das dificuldades é a pressão internacional. Em resposta a uma pergunta lançada pela audiência, Miguel Cabrita admitiu que o Governo acaba por ficar condicionado na sua actuação quando as instituições internacionais, nomeadamente a Comissão Europeia, defendem de forma “explícita” a negociação de base empresarial e um alargamento das margens das relações individuais de trabalho.
O governante falava depois de a investigadora Maria da Paz Campos Lima ter apresentado um estudo sobre os desafios da negociação colectiva em Portugal.
A socióloga conclui que a intervenção da troika (entre 2011 e 2014) e as políticas seguidas pelo Governo do PSD/CDS aprofundaram a erosão da contratação colectiva, que atingiu níveis de cobertura nunca antes vistos.
O número de convenções (que incluem contratos colectivos, acordos colectivos e acordos de empresa) actualizadas passou de 296, em 2008, para 152, em 2014. Enquanto o número de trabalhadores abrangidos caiu de quase dois milhões para menos de 250 mil.
“A partir de 2012, apenas 10% dos trabalhadores por conta de outrem viram as suas convenções actualizadas”, reforçou a investigadora, alertando que outro sinal da “degradação das relações laborais” tem a ver com o facto de terem passado mais de três anos desde a última vez que a convenção tinha sido actualizada.
Ou seja, rematou, “grande parte dos trabalhadores, sobretudo os jovens, as mulheres, já para não falar dos imigrantes, não tiveram actualizações salariais resultantes da negociação colectiva”.
Alerta semelhante já tinha sido deixado por um estudo elaborado pelo Centro de Relações Laborais.
Maria da Paz Campos Lima deixou algumas propostas para inverter a situação, nomeadamente a recuperação do princípio do tratamento mais favorável , a extensão das convenções tendo como critério o “interesse público” e não a representatividade das associações patronais, entre outras.