Um tremor, um estrondo e o Celta tombou, deixando pelo menos quatro mortos
Comboio que fazia a ligação Vigo-Porto descarrilou às 9h20 (8h20 em Portugal) e causou a morte ao maquinista português, dois espanhóis e um turista norte-americano.
A oficina onde trabalha Patricia Docampo tinha aberto há pouco menos de meia hora, quando pelas 9h20, sentada à secretária, sentiu primeiro toda a estrutura tremer e pouco depois “um ruído muito forte”. Nas traseiras da oficina, a poucos metros da estação ferroviária d’O Porriño, na Galiza, o comboio que fazia a ligação Vigo-Porto, conhecido como Celta, com 63 passageiros, tinha acabado de descarrilar. O acidente, que ocorreu na manhã desta sexta-feira, causou quatro mortos e 48 feridos. O maquinista português é uma das vítimas mortais e entre os feridos há também três cidadãos nacionais. As vítimas mortais incluem ainda dois espanhóis e um turista norte-americano. As autoridades não avançam, para já, com qualquer possível causa, remetendo esclarecimentos para o resultado da investigação já iniciada.
Patricia e um colega da oficina de mecânica foram dos primeiros a chegar ao local do acidente. Foi só cruzar o pátio traseiro e a linha estava mesmo ali. Sob uma ponte rodoviária, travada por um poste de alta tensão, estava a frente torcida da automotora, parcialmente tombada para o interior da linha. “Havia dois mortos no exterior do comboio, ao fundo, junto às carruagens que não tinham descarrilado. Algumas pessoas começaram a sair pelo próprio pé e nós retiramos um rapaz, que estava na frente do comboio, com uma mochila às costas e pendurado na estrutura. Ele pediu ajuda e nós retiramo-lo e esperamos que chegassem os serviços de emergência”, contou ao PÚBLICO, ao início da tarde desta sexta-feira. Transtornada, aponta para o telefone e diz: “Acabaram de me dizer que esse rapaz, de Vigo, com 23 anos, morreu no hospital. Estou muito abalada”.
Com a oficina a funcionar junto à linha de comboio há 35 anos, Patricia diz que não se recorda de um acidente de comboio naquele local. O mesmo diz Ramon Gonzalez que, de um momento para o outro, viu o seu café, na estação d’O Porriño, transformada em posto de primeiros-socorros.
O acidente chegou-lhe primeiro sob a forma de “um estrondo enorme”, que o fez deixar o balcão e ir espreitar a linha. “Vi muita poeira. Depois, o pó levantou e vi o comboio tombado”. O descarrilamento ocorrera a umas escassas dezenas de metros e não tardou muito que os passageiros começassem a chegar ali.
Ambulâncias chegaram 12 minutos depois
As primeiras ambulâncias chegaram 12 minutos depois do acidente e os feridos foram primeiro atendidos no seu café. “Havia gente muito mal. Muito sangue. Dizem que um deles morreu já no hospital”, contou ao PÚBLICO, ao final da manhã, quando de posto de pronto-socorro, o seu café se transformara no ponto de encontro das dezenas de jornalistas e funcionários dos serviços de emergência que para ali se dirigiam. A ligação ferroviária foi cortada e as gruas que haveriam de remover a automotora estavam a postos, mas ao início da tarde tinham começado apenas a retirar o poste de alta tensão que tombara com o embate. Ao início da noite, ainda continuavam os trabalhos para remover a composição.
Ao posto móvel da Agência Galega de Emergências, estacionado no exterior da estação, foram chegando diversos responsáveis – o primeiro-ministro em funções, Mariano Rajoy, deslocou-se ali ao final da tarde, mas antes já por lá tinham passado o ministro do Fomento, Rafael Catalá, o presidente da Junta da Galiza, Alberto Núñez Feijóo, a alcaide d’O Porriño, Eva Garcia de La Torre, e o presidente da CP, Manuel Queiró, acompanhado do seu congénere espanhol, Pablo Vásquez Vega. Do interior da estação, pelas 14h15, saíram, discretamente e escondidos por panos dos olhares curiosos, familiares de algumas das vítimas. Ao longo do dia, as diversas entidades foram actualizando o número de mortos e feridos, mas até à retirada da automotora, não fora possível confirmar a existência (temida) de uma quinta vítima mortal, que poderia estar por baixo da composição.
As quatro vítimas mortais são, além do maquinista português, com cerca de 45 anos, o revisor espanhol do comboio, um turista norte-americano e um jovem de 23 anos que, além de estar a estudar para ser maquinista era jogador de andebol, no AD Carballal, uma equipa regional de Vigo. Os feridos, de várias nacionalidades, foram encaminhados para três hospitais de Vigo e, ao início da tarde desta sexta-feira, fonte da Junta da Galiza garantia que onze já tinham tido alta. Entre eles estariam dois dos feridos portugueses. Poucas horas depois, apenas 12 pessoas continuariam ainda internadas, mas sem correrem risco de vida.
CP não adianta explicações
As dúvidas persistiam sobre se todas as vítimas mortais seguiam a bordo do comboio, ou se alguma poderia ter sido atropelada pela automotora quando ela descarrilou. Sobre as eventuais causas, também ninguém quis avançar com qualquer teoria. A investigação conjunta de elementos portugueses e espanhóis, e dirigida por estes últimos, haverá de dar uma resposta, repetiram os responsáveis. Patricia Docampo recorda o tremor que sentiu na mobília, e que não acontece quando os comboios por ali passam, para teorizar que “o descarrilamento já deveria ter acontecido mais atrás”. Rafael Catalá e Manuel Queiró foram unânimes em não querer “especular” sobre o tema.
O ministro do Fomento foi o primeiro a adiantar que existiam trabalhos de manutenção na via principal, que obrigavam a que as composições naquele local tivessem que circular por uma linha secundária, baixando drasticamente a velocidade para cerca de 30 quilómetros por hora. Rafael Catalá recusou, contudo, estabelecer qualquer ligação entre esses trabalhos e “o acidente lamentável” que abalou a localidade da província de Pontevedra, levando mesmo à suspensão da campanha eleitoral para as eleições autonómicas da Galiza, marcadas para o próximo dia 25. “O trabalho na via principal era de manutenção, quotidiano, e por isso havia vias secundárias, para se poder trabalhar. Isto obrigava a reduzir a velocidade, mas os maquinistas têm todo o conhecimento disto”, disse.
A idade da automotora, com cerca de 30 anos, fez soar alguns alarmes sobre se a velha máquina poderia ter falhado, mas Catalá, primeiro, e Manuel Queiró, depois, foram unânimes em garantir que não havia qualquer problema com o comboio que tinha deixado Vigo pelas 8h02 (9h02 em Portugal) e deveria chegar à estação de Campanhã, no Porto, às 10h18 portuguesas.
“Em Maio, o comboio teve uma inspecção rigorosíssima e estava em perfeito estado de funcionamento. Da mesma forma, o maquinista tinha todas as certificações de formação e todos os requisitos adequados para esta viagem”, disse o ministro. O presidente da CP reiterou que o comboio tivera uma segunda inspecção, em Portugal, “há poucos dias” e que estava “em perfeitas condições”. Manuel Queiró frisou que a composição é “propriedade das duas empresas e que o facto de o material ser espanhol não altera nada”.