Uma comissão de inquérito que começa sem tempo e sem documentos
Deputados vão debater como responder às entidades que alegaram sigilo comercial e bancário para não entregarem documentos à comissão da CGD. CDS insiste na audição de António Domingues.
A comissão de inquérito à gestão da Caixa Geral de Depósitos nasceu torta e, a avaliar pelos posicionamentos dos partidos, os trabalhos serão difíceis de endireitar. Esta quarta-feira, os deputados coordenadores dos vários grupos parlamentares reúnem-se para marcarem agendamentos e para decidirem que resposta darão às entidades que alegaram sigilo bancário quando se recusaram a entregar documentos pedidos antes das férias. E se, à partida, esta pode ser uma reunião mais pacífica que as anteriores, a verdade é que os partidos já preparam as próximas jogadas que podem trazer mais conflitos.
O CDS levará à reunião de amanhã o pedido de audição do novo presidente do conselho de administração, António Domingues. O PSD, por seu turno, prepara-se para pedir mais duas audições. E o BE sente necessidade de ter mais documentos para analisar. Antes, os deputados vão ter de tomar decisões sobre metodologia: ou ouvem os responsáveis por cada período de gestão da Caixa ou chamam os intervenientes por função (ministros das finanças, administradores, etc).
Nos consensos necessários para que esta comissão funcione, há um que é prioritário: os deputados têm de entender-se sobre como reagir à recusa, por parte das entidades contactadas, em entregarem os documentos pedidos, alegando sigilo bancário e comercial? Todos os partidos contactados pelo PÚBLICO referem que é necessário reforçar o pedido, mas assumem que esta comissão de inquérito é diferente das restantes, porque a Caixa não é um banco morto. "Estamos a falar de um banco em actividade e que está em negociações para uma recapitalização. É natural que as entidades aleguem sigilo bancário e comercial", diz o deputado João Paulo Correia, o coordenador dos socialistas nesta comissão.
Também Miguel Tiago, do PCP, e João Almeida, do CDS, admitem que é preciso "ter cuidado" porque o caso da Caixa é diferente dos bancos anteriores que estiveram sob inquérito parlamentar. Mas o deputado comunista lembra que o Parlamento também tem o dever "de guardar segredo" pelo que considera ser necessário reforçar o pedido às diferentes entidades. Em conversa com o PÚBLICO, o deputado do BE Moisés Ferreira lembra que "há um parecer da Procuradoria-Geral da República" que servirá de resposta a estas entidades.
A anterior administração da Caixa Geral de Depósitos - liderada por José Godinho de Matos - recusou à comissão de inquérito vários documentos com a justificação que "a CGD não pode disponibilizar à comissão documentos e correspondência com entidades e autoridades nacionais e europeias", por exemplo. Este é apenas um dos casos, nas respostas que o Parlamento tem recebido.
A questão do sigilo bancário já foi amplamente discutida em comissões anteriores e neste caso tem, mais uma vez, a agravante de a CGD continuar no activo pelo que, além da questão legal, se acrescenta o problema da concorrência: ou seja, há documentos que o banco não quererá revelar porque podem vir a ser conhecidas informações pelos concorrentes, prejudicando a actividade da CGD.
Acresce que, no caso desta comissão de inquérito, o calendário conta. Após a reunião de hoje (que junta apenas os coordenadores), deverá haver outra, ainda esta semana, com todos os deputados que a compõem, mas não é previsível que as audições já pedidas comecem de imediato. Na prática, os deputados poderão ter apenas um mês até interromper novamente os trabalhos, para começar a ser discutido o Orçamento do Estado para 2017 (tem de ser entregue, no máximo, até ao dia 15 de Outubro). A comissão de inquérito deverá parar nessa altura, bastando para isso que o plenário da Assembleia da República assim o decida.
Essa não será a primeira, nem a última interrupção. O inquérito esteve já parado por causa das férias do Verão e interromperá novamente para a pausa do Natal.
Audições com pouco conteúdo e muita história
Antes das férias parlamentares, José Godinho de Matos, na altura presidente da comissão executiva da CGD, Carlos Costa, Governador de Banco de Portugal, e o ministro das Finanças, Mário Centeno, foram ouvidos no Parlamento. Foram audições com muita conflitualidade entre os partidos e pouco conteúdo, centradas sobretudo nos resultados da CGD que tinham sido divulgados pouco tempo antes. Mário Centeno levou o tempo a explicar o “desvio” de três mil milhões nas contas da CGD, que afinal não era propriamente um buraco, mas um desencontro entre os resultados esperados e os resultados reais do ano. José de Matos admitiu a necessidade de “encolher” a Caixa e explicou que os prejuízos se deveram a maiores exigências do regulador. Carlos Costa garantiu que o desvio de três mil milhões de euros não “afecta a solidez do banco”. Agora o cenário mudou e há já um acordo prévio para a recapitalização da CGD.