Os atrasos na saúde
Há quem sugira que este buraco é resultado da incompetência dos gestores das instituições de saúde. Nada de mais injusto.
Os pagamentos em atraso no setor da saúde têm vindo a aumentar. Contrariamente ao que alguns sugerem, este não é um problema temporário, nem é resultado de má gestão nos hospitais e outras instituições de saúde. A execução orçamental de junho publicada pela Direção Geral do Orçamento mostra que os pagamentos em atraso no SNS aumentaram 234 milhões de euros na primeira metade do ano. O mesmo documento sugere que se trata de um fenómeno temporário que será resolvido no segundo semestre através da utilização de saldos de gerência de 2015.
Os pagamentos em atraso no SNS não se resolverão no segundo semestre sem um orçamento retificativo que aumente significativamente as transferências do Orçamento do Estado para o sistema de saúde e impeça que a dívida do SNS aumente quase 800 milhões de euros em 2016, o que equivale a 10% da despesa anual. O aumento da despesa com pessoal resultante da reposição dos salários dos funcionários públicos, da reposição dos quatro feriados, e da redução da passagem do horário semanal de 40 para 35 horas, o aumento da despesa com medicamentos ao ritmo que se observou nos quatro primeiros meses do ano, e um conjunto de outras decisões do governo de menor impacto individual, acrescentarão cerca de 320 milhões de euros à despesa. Não vou maçar o leitor com os detalhes de como cheguei a este valor, mas poderei demonstrá-lo a quem estiver interessado.
Como é que o Governo respondeu a este aumento da despesa? Aumentando os proveitos do SNS em 10 milhões de euros (sim, não é gralha, são mesmo dez). Aumentou as transferências do Orçamento em 45 milhões de euros, mas baixou as taxas moderadoras em 35 milhões. Ou seja, acrescentou mais 310 milhões a um buraco que já era grande (o défice operacional do SNS foi de 470 milhões de euros em 2015, segundo os números deste Governo), totalizando 780 milhões de euros de “buraco financeiro”.
Há quem sugira que este buraco é resultado da incompetência dos gestores das instituições de saúde. Nada de mais injusto. Nos hospitais, cerca de 50% da despesa é com pessoal e outros 35% referem-se a medicamentos e material de consumo clínico. Como a política do medicamento, a política de remunerações e grande parte da política de pessoal são centralizadas, o gestor só tem capacidade efetiva de atuação sobre cerca de 15% dos custos (cerca de 1400 milhões de euros no total do SNS). Depois de cinco anos de pressão para aumentar a eficiência, conseguir controlar os custos em 2016 já exigirá um grande esforço, quanto mais encontrar poupanças de 780 milhões numa despesa de 1400. Do lado dos proveitos também pouco se pode gerir, já que cerca de 95% proveem do Ministério da Saúde. Tal significa que os défices nas instituições de saúde serão maiores ou menores consoante a vontade do Governo em transferir mais ou menos recursos para o SNS.
O Governo português terá de apresentar até 15 de outubro um plano para eliminar completamente os pagamentos em atraso e aumentar a eficiência no sistema de saúde, nos termos da proposta de recomendação emitida em 27 de julho pela Comissão Europeia. Cumprir este compromisso exigirá um reforço orçamental de quase mil milhões de euros em 2016, e mais outro tanto em 2017, ou uma redução de mais de 10% na prestação de cuidados de saúde aos cidadãos portugueses. Neste último caso, a responsabilidade pelos graves danos causados à saúde dos portugueses não pode ser atribuída aos gestores das instituições de saúde. O responsável será apenas um: o Ministro da Saúde.
Professor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, ex-Presidente da Administração Regional de Saúde do Norte