"Pior não era possível"

A demógrafa Ana Fernandes acredita que há “uma valorização da criança, da família, da maternidade e da paternidade”.

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Em Maio de 2015, e pela primeira vez, a população abaixo dos cinco anos de idade passou a ser inferior à população acima dos 80 anos Daniel Rocha

“Pior não era possível. Portugal tocou tão baixo, tão baixo [em termos de natalidade] que subir era a única hipótese." Apesar de notar que são necessários dez anos para se observar uma tendência, a demógrafa Ana Alexandre Fernandes, do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, enfatiza que o aumento de nascimentos, verificado pelo segundo ano consecutivo em Portugal, representa "uma recuperação", após anos sucessivos de decréscimos, por vezes abruptos, da natalidade.

Mas será que a recuperação observada no primeiro semestre deste ano vai continuar a este ritmo? “Tenho dúvidas”, admite a especialista, para quem os últimos números, associados aos de 2015 (nasceram nesse ano mais cerca de três mil crianças do que em 2014) acabaram por corresponder a "alguma reposição da ordem natural", depois de anos de crise e de instabilidade face ao futuro que puseram os políticos a discutir medidas para resolver o problema. “Mesmo quem tinha uma situação relativamente estável não quis arriscar [e ter filhos]”, recorda a demógrafa. E a partir daqui? "Podemos ainda continuar a crescer um pouco e depois os números vão estabilizar", antecipa.

“O principal problema português não é a questão financeira ou de crescimento económico, é o facto de nós, enquanto país, estarmos em insolvência demográfica”, sentencia o director do Centro Materno-Infantil do Norte, Caldas Afonso. O médico atira mesmo um indicador para ilustrar o estado a que chegou “a nação”: em Maio de 2015, e pela primeira vez, a população abaixo dos cinco anos de idade passou a ser inferior à população acima dos 80 anos.

Em Portugal, sintetiza, a pirâmide etária inverteu-se completamente e a sociedade não se renova. Além da quebra de nascimentos, à emigração de casais jovens, licenciados, que têm filhos no estrangeiro, muitos dos quais não irão voltar, junta-se a redução da imigração – e são tradicionalmente os imigrantes que têm mais filhos, lembra Caldas Afonso.

Quanto à baixíssima taxa bruta de natalidade que nos coloca no segundo lugar na União Europeia, a seguir à Itália, a demógrafa Ana Fernandes explica que esta leva em conta o total da população. Itália, que surge em primeiro lugar, estava praticamente com uma criança por mulher em idade fértil.  Em Portugal, a taxa de fecundidade (número de filhos por mulher em idade fértil) também atingiu um nível muito baixo. Portugal tem dos níveis de fecundidade mais baixos da União Europeia.

Sobre a recuperação que agora se começa a delinear, Ana Fernandes acredita que decorrerá, também, de “uma valorização da criança, da família, da maternidade e da paternidade”.

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