Resposta do banco central ao “Brexit” não evita mais 250 mil desempregados

Banco de Inglaterra anuncia primeira descida de taxas em sete anos e volta a ligar a “máquina de imprimir dinheiro”. A economia, mesmo assim, deve travar a fundo.

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Mark Carney colocou as taxas de juro ao nível mais baixo de sempre AFP PHOTO/POOL/Toby Melville

Antes do referendo, Mark Carney não teve dúvidas em desempenhar o seu papel na campanha, avisando para a possível recessão que poderia resultar de uma saída do Reino Unido da UE. Agora, depois de os britânicos terem decidido mesmo assim sair, o governador do Banco de Inglaterra deixou mais um alerta, desta vez quase sob a forma de uma sentença: a de que, apesar de o banco estar disposto a ir mais longe do que nunca no estímulo monetário à economia, isso não será suficiente para evitar uma travagem a fundo no próximo ano, com cerca de 250 mil pessoas a perder o seu emprego.

A generalidade das previsões já apontava para que a autoridade monetária britânica apresentasse projecções mais pessimistas para a economia e que anunciasse novas medidas para contrariar os efeitos negativos do “Brexit”, mas Mark Carney e os seus pares fizeram mesmo questão de garantir que ninguém ficava com dúvidas quando à gravidade da situação.

O banco central anunciou medidas nunca antes vistas nos seus 322 anos de história, mas ao mesmo tempo, nas suas novas projecções (que já levam em conta os estímulos monetários agora lançados), realizou o corte mais forte desde 1993 na sua estimativa de crescimento económico, deixando ainda aberta a possibilidade de a economia entrar em recessão.

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"A conjuntura económica mudou profundamente", disse Mark Carney, o canadiano que foi nomeado para liderar a autoridade monetária britânica. Na conferência de imprensa que se seguiu à reunião do comité de política monetária realizada nesta quinta-feira, o governador disse que os riscos que eram já identificados pela instituição antes do referendo se confirmam.

O Banco de Inglaterra reviu em baixa as suas previsões de crescimento, principalmente para o próximo ano. Se, para este ano, a estimativa de crescimento se manteve em 2%, para 2017, em vez da anterior projecção de variação do PIB de 2,3%, o banco aponta agora para apenas 0,8%. E para 2018, o ritmo volta a ser mais lento do que era previsto: 1,8% em vez de 2,3%.

O governador fez ainda questão de salientar, contudo, que estes são apenas os pontos centrais do intervalo de previsão, não excluindo a possibilidade de o país entrar em recessão.

Uma consequência do crescimento mais lento será a deterioração das condições no mercado de trabalho. O banco prevê que a taxa de desemprego suba dos 4,9% actuais para 5,5% durante os próximos dois anos, o que, de acordo com as contas de Mark Carney, corresponde ao surgimento no país de mais 250 mil desempregados.

Tudo isto acontece num cenário em que o banco central se prepara para colocar em prática medidas extraordinárias, em quatro grandes frentes. Em primeiro lugar, a taxa de juro de referência foi reduzida de 0,5% para 0,25%, um novo mínimo histórico para o Banco de Inglaterra.

A última descida de taxas realizada pela autoridade monetária britânica tinha ocorrido em Março de 2009, no auge da crise financeira. Desde aí, a opção tinha sido manter as taxas a um nível muito baixo, mas que ainda oferecia uma certa margem até ao nível zero. Agora, perante a ameaça de uma recessão, essa margem foi ainda mais reduzida.

Depois há um regresso da estratégia de “imprimir” mais dinheiro. O programa de compra de títulos de dívida pública posto em prática no auge da crise financeira internacional tinha ascendido a um total de 375 mil milhões de libras (cerca de 445 mil milhões de euros), estando parado desde 2012. Agora, o Banco de Inglaterra irá alargá-lo até aos 435 mil milhões de libras (cerca de 515 mil milhões de euros), um acréscimo de 60 mil milhões (cerca de 70 mil milhões de euros) que se destina a injectar mais liquidez na economia.

Em terceiro lugar, o Banco de Inglaterra anunciou que irá, à semelhança daquilo que foi feito pelo Banco Central Europeu, passar a comprar obrigações emitidas por empresas, num valor estimado de 10 mil milhões de libras (cerca de 11,8 mil milhões de euros), algo que nunca fez durante a crise.

Por último, o banco central anunciou ainda a criação de um novo "esquema de financiamento" para os bancos, que irá facilitar o acesso ao crédito a taxas de juro baixas do banco central, num montante total de 100 mil milhões de libras (cerca de 120 mil milhões de euros).

Ir ainda mais longe

Na conferência de imprensa que se seguiu à reunião, Mark Carney disse confiar que a resposta agora dada pode "reduzir a incerteza e limitar o abrandamento". Mas não quis criar ilusões. Uma das mensagens que mais repetiu, num recado claro ao Governo, foi a de que a política monetária tem os seus limites e que não vai conseguir contrariar totalmente o efeito negativo na actividade económica da decisão de saída da UE.

Questionado várias vezes sobre o que é que o Governo britânico deve fazer, Carney preferiu jogar à defesa, não dando conselhos específicos, nem ao nível da política orçamental, nem no que diz respeito à forma como deve ser negociado o “Brexit” com Bruxelas.

Mas, se é verdade que o governador deixou um apelo a que outros assumissem as suas responsabilidade, também fez questão de não deixar a imagem de estar, a partir de agora, de mãos atadas para fazer mais. Mark Carney garantiu que todas as medidas anunciadas nesta quinta-feira podem ser reforçadas, o que significa que o banco central está disposto a, se necessário, comprar mais dívida pública e empresarial e a colocar as taxas de juro a zero ou muito próximo.

Uma nova descida das taxas, que as colocaria no mínimo ainda mais coladas a zero, parece ser mesmo a opção mais óbvia no caso de o banco precisar de oferecer mais estímulos à economia. A decisão de cortar as taxas de juro foi adoptada pelos membros do comité de política monetária do Banco de Inglaterra por unanimidade e Carney revelou na conferência de imprensa que colocar as taxas a zero não é uma fronteira que não possa ser ultrapassada. Já a compra de obrigações do tesouro contou com seis votos a favor e três contra, ao passo que a compra de dívida das empresas teve oito votos a favor e um contra.

Nos mercados, as decisões do Banco de Inglaterra – e as suas novas previsões – tiveram como efeito imediato uma nova descida da libra face às outras divisas internacionais. As bolsas reagiram com grande moderação.

O Governo britânico aplaudiu o esforço do banco central para limitar os danos do “Brexit” na economia, mas entre os mais contestatários de um reforço das políticas expansionistas, a principal crítica ouvida foi a de que os aforradores acabam por sofrer perdas acentuadas. Em resposta, Mark Carney, que disse “não haver qualquer desculpa para os bancos não reflectirem a descida de taxas nos seus empréstimos”, deu a entender que, mais do que nos aforradores, esta é a altura para pensar noutro grupo: os desempregados.

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