Regras do IRS impediram divorciados de dividir filhos no quociente familiar

Quando os pais estão divorciados e têm guarda partilhada, só um deles pode incluir o filho na divisão do rendimento, escreve o Jornal de Negócios. Com o fim do quociente familiar, a questão deixa de se colocar.

Foto
No IRS de 2016, já não se aplica o quociente familiar. Cada filho vale uma dedução de 600 euros Bruno Lisita

As regras do quociente familiar do IRS, que vigorou em relação aos rendimentos de 2015, impediram que os contribuintes divorciados com guarda partilhada dos filhos pudessem dividir ao meio o valor previsto para os dependentes na aplicação do quociente familiar, o que terá surpreendido contribuintes nesta situação, dá conta a edição desta sexta-feira do Jornal de Negócios.

Quem é casado ou unido de facto e apresentou a declaração em separado ficou salvaguardo desta situação. O quociente familiar – sistema em que os filhos são levados em conta na divisão do rendimento colectável dos pais para se calcular a taxa do imposto, sendo-lhes atribuída uma ponderação de 0,3 nessa divisão – prevê que o valor atribuído por cada dependente seja dividido quando os pais entregam a declaração sem separado (por exemplo, num casal com um filho, o rendimento de cada sujeito passivo é dividido por 1,15).

Mas se é assim para os “sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens ou unidos de facto”, o mesmo não se aplica nos casos de divórcio quando as responsabilidades parentais são exercidas em comum pelos pais separados.

Só um dos pais pôde considerar os filhos na divisão do rendimento. É que as regras do IRS prevêem que os filhos à guarda comum sejam considerados no agregado no “agregado do progenitor a que corresponder a residência determinada no âmbito da regulação do exercício das responsabilidades parentais”. Os pais podem dividir entre si as despesas de saúde e educação, mas não o valor dos 0,3 do quociente familiar. A ponderação é levada em conta no rendimento de quem partilhar com o filho o domicílio fiscal.

Sem reclamação

O quociente familiar foi uma das bandeiras da reforma do IRS lançada pelo anterior Governo. Aplicou-se aos rendimentos do ano passado (as declarações entregues este ano), mas já não está em vigor, pelo que a questão que agora se coloca já não se vai repetir.

Com o Orçamento do Estado deste ano, o quociente familiar foi revogado e passou a aplicar-se o método anterior para calcular o rendimento, o chamado quociente conjugal, que o Governo diz ser menos regressivo. Para os rendimentos de 2016 (declarações a entregar em 2017), o rendimento do casal é dividido pelo número de sujeitos passivos, havendo depois uma dedução fixa por cada filho de 600 euros (valor definido pelo Governo em neutralidade fiscal, ou seja, assumindo o valor aproximado do "custo" fiscal do quociente familiar que vigorou no ano passado).

É preciso olhar para várias normas do IRS para esclarecer a questão. No entendimento do Ministério das Finanças, esta situação resulta do facto de o Código do IRS prever que, nestes casos, o dependente apenas pode fazer parte do agregado familiar de um dos pais separados judicialmente (artigo 13.º), enquanto a norma do quociente familiar (artigo 69.ª do código de IRS antes da alteração deste ano) diz expressamente que, para aplicar o quociente, só contam os filhos que “integram o agregado familiar”. Daí que, lembra o ministério, não sejam considerados “os dependentes em guarda conjunta que não integrem o agregado familiar do sujeito passivo (progenitor)”.

Questionado se a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) recebeu queixas e se está a analisar pedidos de esclarecimento de contribuintes que se tenham sentido prejudicados, o Ministério das Finanças diz que nestas situações “não se verifica referência à apresentação de reclamação graciosa, uma vez que o tratamento dado à situação decorre directamente do texto legal”.

Comissão de reforma fez alerta

Anabela Silva, fiscalista da consultora EY, e co-autora do livro O Novo IRS (Almedina, 2014), lembra ao PÚBLICO que esta regra específica “determina qual é o agregado onde se integram os dependentes”, o que faz com que, à luz da lei, a norma do quociente não se aplique assim aos divorciados com guarda conjunta. Mas a comissão de reforma do IRS, lembra Anabela Silva, tinha chamado a atenção para a necessidade de salvaguardar o caso dos divorciados.

O projecto de reforma elaborado pelo grupo de peritos fiscais e entregue ao anterior Governo, em Setembro de 2014, dizia que o “divisor relativo aos dependentes será, obviamente, objecto de repartição” quando houvesse tributação separada. E dizia expressamente: “A mesma solução deverá ser seguida nos casos de dependentes sujeitos a guarda conjunta.”

No caso das despesas que dão direito à dedução à colecta, recorda o Jornal de Negócios, as regras (artigo 78.º) já salvaguardam: “Sempre que o mesmo dependente ou ascendente conste de mais do que uma declaração de rendimentos, o valor das deduções à colecta previstas no presente Código por referência a dependentes ou ascendentes é reduzido para metade, por sujeito passivo”.

Não se sabe quantas situações destas houve no ano passado. Ao Jornal de Negócios e ao PÚBLICO, as Finanças dizem que não é possível dizer qual o número de contribuintes com a guarda conjunta dos filhos “uma vez que ainda está em curso a campanha de liquidação do IRS de 2015”. Ao PÚBLICO, o ministério não respondeu, porém, sobre quantos contribuintes havia nesta situação no ano anterior (em que, ressalve-se, a questão não se colocava, porque o quociente familiar vigorou apenas em 2015).

Sugerir correcção
Comentar